quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Absolutos – Sinfonia da Destruição – Rodolfo Salles – Resenha


Por Eric Silva

Nota: todos os termos com números entre colchetes [1] possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias, prévias, banners ou postagens relacionadas.

Diga-nos o que achou da resenha nos comentários.

Está sem tempo para ler? Ouça a nossa resenha, basta clicar no play.


Com um título inspirado, Absolutos: Sinfonia da Destruição é o último lançamento do selo editorial do blog A Taverna. Um space opera dinâmico e criativo e que dá início a série escrita pelo brasileiro Rodolfo Salles, com milhares de leitores na plataforma Wattpad.

Sinopse estendida

Em um futuro muito distante os seres humanos já não vivem isolados no planeta Terra. Viagens interestelares, bem como o contato com espécies alienígenas já são uma realidade, e devido a esses contatos muitas guerras e batalhas foram travadas até que as diferentes raças descobrissem uma maneira de coexistirem.

Érico é um jovem hacker que vive na pequena lua de Miesac, com seus irmãos adotivos Vexel, uma corredora profissional, e Miro, uma versão futurista de youtuber. Quando ainda era muito pequeno, o rapaz havia sido enviado àquela lua em uma cápsula de fuga por sua irmã biológica, Daina, para que escapasse do ataque alienígena que destruiria seu planeta natal. Resgatado pelos dois irmãos, Érico cresce em Miesac com o sonho de se tornar um caçador de relíquias, uma espécie de aventureiro intergaláctico que, em grupos, esquadrinha o Espaço em busca de artefatos antigos, raros e de grande valor. Porém alguns mistérios perturbam a mente do rapaz, cujo passado é praticamente desconhecido. O principal deles é o significado de um conjunto de tatuagens que ele possui por todo o corpo desde quando se lembrava.

É buscando respostas sobre seu passado e sobre as misteriosas tatuagens que Érico se aproxima de uma conhecida e poderosa irmandade hacker que lhe coloca em contato com uma entidade cibernética chamada Decifradora. Somente a Decifradora poderia ter respostas sobre o significado das tatuagens e com a ajuda da irmandade e de seus dois irmãos, Érico localiza a entidade que lhe faz revelações ainda mais perturbadoras.

O rapaz descobre que na verdade é um ser temido pelas mais poderosas organizações do Universo e que de tempos em tempos é responsável por trazer caos e destruição. Ele é um absoluto, único ser capaz de controlar uma poderosa e elementar forma de energia universal: o Campus.

De tão temível, a história dos Absolutos precedentes é censurada e sistematicamente apagada dos bancos de dados digitais de todo o universo. A existência de um absoluto é uma ameaça para o universo e deve ser extirpada, e se o poder de Érico despertasse ele também traria caos e destruição. Diante da previsão de um destino nefasto, Érico deseja ver-se livre daquele poder, mas para isso ele deveria encontrar um Desbravador, um tipo de hacker que tivera sua consciência digitalizada e “elevada” para o mundo virtual, permitindo-lhe acumular uma grande gama de conhecimentos. Apenas um Desbravador pode mudar o destino gravado naquelas tatuagens, mas encontrá-lo é um imenso desafio e Érico precisa se aventurar pela galáxia e ao mesmo tempo fugir de uma poderosa organização que deseja a sua destruição.

Resenha

Absolutos: uma space opera nacional

Primeiro volume da trilogia Absolutos, de Rodolfo Salles, Sinfonia da destruição é um space opera nacional que carrega todas as principais características de seu gênero e não faz feio quando se trata de criatividade, diversidade e poder imaginativo.

Ainda que sobre-existam alguns pequenos problemas em seu texto, publicado pela primeira vez em fevereiro de 2016, de forma independente, através da plataforma Wattpad, esse é um livro de qualidade evidente, não é à toa que na plataforma de textos ele possua mais de 28 mil leituras e tenha ficado em décimo lugar no ranking de livros de Ficção Científica do Wattpad em junho de 2017[1].

Atualmente, dentro do universo literário, tenho observado que o space opera, com suas viagens intergalácticas, planetas e formas de vidas exóticos, tem perdido espaço para as histórias de distopias tecnológicas geralmente situadas numa Terra destruída ou em colapso social ou ambiental, como muitas das histórias do gênero cyberpunk, que vem fazendo sucesso no mercado editorial internacional. Rodolfo, porém, aposta no retorno de um subgênero que contagiou muitas gerações e que presenteou o mundo geek com obras memoráveis como a série Fundação, de Isaac Asimov, na literatura, e, no cinema, com franquias como Star Trek (Jornada nas Estrelas), de Gene Roddenberry, e Star Wars (Guerra nas Estrelas), de George Lucas.

A proposta do livro é recheada de ideias criativas e originais. Ela, obviamente, se inspira no universo space opera do qual se origina, como a ideia de uma criatura titânica em forma de verme subterrâneo que me fez lembrar do universo de Duna, criado por Frank Herbert. Contudo, as respostas para a tecnologia, a proposta de um universo anárquico e o conjunto de espécies criadas pelo autor são originalíssimas. Além disso, a proposta sobre a qual foi criada a imagem do que é ser um Absoluto é muito instigante.

Achei divertida a forma como a trama brinca com a natureza e importância dos Absolutos. Eles certamente são tiranos sanguinários, mas seriam realmente obscuros os seus propósitos? Além disso, eles são cercados de mistérios. Do outro lado, temos Érico, que parece ser uma contradição no conjunto de Absolutos. Mas ele continuará sendo a ovelha negra da família? Ou cederá a sua herança histórica, tornando-se mais um temível tirano e o vilão de sua própria trama? Ou ainda, dominará seus dons, usando-os para um propósito maior? Muitas dúvidas permeiam a história de Érico e seu futuro. Ademais, a narrativa de Sinfonia da Destruição possui muitos outros mistérios e pontos obscuros que instigam a leitura completa da série.

Muitas espécies e personagens

Como não podia ser diferente, Rodolfo reserva um grande espaço em sua narrativa para a descrição não apenas do universo que ele cria para abrigar sua trama, como das muitas sociedades e espécies de seres vivos que nele habitam. Humanos, ánimas, tharinos, nobas, léstaris e muitos outros, cada qual com suas características e peculiaridades específica, povoam uma galáxia regimentada por uma forma de anarquia universal. Mas de todas as espécies, certamente, a que mais chama atenção são os tharinos, espécie bípede que só se diferenciava dos humanos pela “sua pele extremamente branca, lisa e seus olhos amarelos como girassóis”, além, é claro, da sua capacidade de abrir e selar portais que levavam a qualquer ponto do universo.

Personagens principais. da esquerda para direita: Érico, Darwin, Camilo e Alopex

Semelhante ao que o escritor Felipe Castilho faz em seu livro a Ordem Vermelha: filhos da degradação, Rodolfo cria um núcleo de personagens centrais com representantes de cada uma das espécies mais importantes, mas coloca um humano como seu protagonista.

Érico é antes de mais nada um sonhador, alguém sedento por ação e aventura e, por isso, na maior parte do tempo ele se demonstra muito empolgado, mesmo quando o seu destino se mostra um fardo preocupante. Muito jovem, a imagem que se pode ter de Érico é de alguém ainda imaturo e demasiadamente otimista. Porém, ele é também uma pessoa de ação, apegado à família, fiel e também corajoso, ainda que, por vezes, se demonstre bastante egoísta, sobretudo quando quer embarcar as pessoas em suas aventuras, mesmo quando estas claramente não estão dispostas a fazê-lo. Ele é assim com Camilo, um veterano de guerra que atormentado pelas muitas mortes que provocara em seu passado e, por isso, decidiu abandonar o trabalho de piloto de naves espaciais.

Camilo vivia isolado em um planeta inóspito onde montava espaçonaves com sucata vinda do espaço para depois revendê-las. Érico entra em sua vida de forma súbita e acaba arrastando-o contra vontade para sua aventura pelo espaço. O mesmo se dá com a ánima Alopex que por muito tempo se encontrou confinada em um laboratório abandonado e também é arrastada por Érico. Alopex como qualquer ánima tem um aspecto muito animalesco e até primitivo que não chega a se desenvolver “muito intelectualmente, passando a maior parte de sua vida agindo por instintos e inseridos em rotinas escolhidas por eles”. Apesar de agressiva, briguenta e irritadiça, a ánima se demonstra uma amiga zelosa e protetora.

Há ainda a tharina Darwin, uma criminosa irônica e de personalidade muito forte que salva a vida do rapaz em troca de sua própria liberdade e o impressiona com suas capacidades incríveis de teletransporte através de portais.

Muitos outros personagens importantes compõem a história, como o Tenente Hathor e os irmãos Vexel e Miro, além de outros que vão emergindo na trama ao longo de seu desenvolvendo e vão ocupando papéis estratégicos na mesma.

Edificando mundos: estética, narração e temáticas

Narrado em terceira pessoa, Sinfonia da Destruição possui alguns contrastes entre narração e diálogo que me chamaram a atenção logo nas primeiras páginas. Quando se analisa o narrador onisciente logo se nota que a forma como os mundos, as raças, a tecnologia e as ações dos personagens são descritos difere bastante da linguagem adotada por vários de seus personagens.

Sobretudo Érico e Miro, por serem personagens muito jovens, possuem uma linguagem muito despojada e coloquial comum aos adolescentes e que contrasta profundamente com a linguagem bem mais rebuscada de seu narrador. Contudo, os dois não são os únicos a terem uma linguagem contrastante. Outros personagens também apresentam linguagens pouco desenvolvidas ou coloquiais como Alopex, por ser uma ánima, e também Eurália, uma evox (ser com inteligência artificial) que devido a um defeito em seu sistema operacional tinha dificuldades de aprendizagem. O resultado final obtido pelo autor é uma mescla de estilos linguísticos que se tornam próprios dos personagens caracterizando-os e que, ao mesmo tempo, diverge do tom mais rebuscado da narração.

Entretanto, quando digo que a narração é mais rebuscada, não quero dizer com isso que Sinfonia da Destruição seja um livro difícil de ler. Pelo contrário, sua linguagem é leve e não chega a ser erudita, como nos clássicos. Uso o termo rebuscado em oposição a uma linguagem cotidiana, gramaticalmente incorreta e de vocabulário pobre, aspectos marcantes na forma de falar de Alopex e Eurália. Rodolfo escreve muito bem e seu texto flui com facilidade não sendo cansativa a leitura. Mesmo nas passagens mais descritivas (essenciais na ficção científica) o texto não se torna enfadonho ou desestimulante.

Não vejo grandes problemas na escrita deste primeiro livro da série, mas algo que me chamou a atenção foi, no entanto, muito pontual, e está relacionado a uma única cena um pouco mais romântica entre Darwin e Érico, já no meio da narrativa.

Nessa passagem, inicialmente de ação, os dois personagens passam muito abruptamente de uma situação de tensão, risco e espanto, para um momento mais relaxado e nostálgico, e de novo para uma situação de perigo e ameaça. O que me incomodou na cena foi sua transição emocional um tanto repentina que, no momento da leitura, me causou certo estranhamento.

Senti o esforço de Rodolfo para tornar natural a transição da primeira situação para a segunda, porém a mudança de “humores” dos dois personagens não soou muito bem integrados. Faltou um pouco mais de “gradatividade” (neologismos!!) que fariam com que o humor de ambos não mudasse de forma súbita ou inesperada. O cenário criado é espetacular e a forma como essa passagem acaba é quase um épico, mas a transição da ação para o nostálgico romântico precisava de mais suavidade, descrevendo também como a tharina foi passando da tensão de uma situação inesperada e ilógica, para um momento mais contemplativo e de recordação do passado. A transição de Érico foi bem descrita, mas há um apagão em relação a Darwin e desse ponto emergiu meu estranhamento.

Por sua vez, quanto a temática, o livro fala de liberdade e destino. Seriamos nós mesmos os responsáveis pelo caminho que trilhamos, ou ele já foi traçado como nos desenhos de uma tatuagem e seriam como os desenhos: permanentes e inalteráveis?

Pode até não ter sido a intenção do autor, mas as tatuagens de Érico é também uma metáfora sobre o destino e o que fazemos de nosso futuro. Somos ou não donos de nossos destinos? Essa é a grande questão que permeia toda a história de Sinfonia da Destruição e tira o sono de seu protagonista que teme a si e a seu futuro, mais do que qualquer adversidade que se entreponha em seu caminho.

Contudo, se destino é o tema principal, Absolutos surpreende pela gama de subtemas que enriquecem um universo que já foi idealizado para ser amplo e diverso. Não se trata apenas de uma narrativa de viagens intergalácticas, planetas exóticos e seres além da imaginação. Censura, tecnologia, Inteligência Artificial (I.A.) e “emancipação tecno-robótica”, realidade virtual, ciberpirataria e irmandades hackers, política, conspirações, ditaduras, anarquismo e corrupção são alguns dos muitos subtemas que permeiam e atravessam a trama de aventuras, tornando-a mais eclética e rica. Essa diversidade é, para mim, o maior ponto do livro.

Mas se de um lado gosto de tramas complexas e que desafiam o seu leitor, de outro concordo que o elemento fundamental para uma história de fantasia ou de ficção científica é, na verdade, o quão criativo o escritor é ao idealizar mundos e realidades capazes de fazer o leitor imaginar lugares exóticos sem, no entanto, perder verossimilhança.

Galáxia Eidola, o cenário da trama da série.
Para mim, o mais fantástico nos livros de ficção científica é a criação de um mundo em toda a sua complexidade. Ali o escritor se torna um deus que edifica a realidade como numa sinfonia da criação (desculpem-me o trocadilho) e convida o leitor a sonhar com universos para além da imaginação. Rodolfo parece compreender isso muito bem e concebe um universo de maravilhas, criando em seu livro construções sofisticadas e originais para compor tecnologias e mundos.

Para mim – e isso é uma nota puramente pessoal – a história de Érico não é tão importante quanto contemplar o universo grandioso criado para abrigá-la. Digo isso, porque não é na trama que reside a beleza da ficção científica, mas na criatividade empregada para criar um universo fantástico e verossímil que desafie a mente humana e faça-a sonhar. Ficção científica é antes de tudo um sonho, uma utopia (ou distopia) cheia de maravilhas.

Rodolfo é certamente um talento criativo que com o tempo se tornará ainda mais afiado e o primeiro volume de Absolutos é um prenúncio disso. Os poucos pontos fracos da narrativa estão ainda na pouca experiência que qualquer escritor em começo de carreira deixa transparecer nos seus primeiros escritos. Pequenos deslizes gramaticais e alguns pontos e diálogos com desenvolvimento apressado são algumas dessas fraquezas, mas que só muito raramente sobrepujam o conjunto. Todavia é o exercício da pena que faz o escritor.

O desfecho – como era de se esperar em uma trilogia – deixa várias perguntas em aberto e faz revelações extremamente importantes para a continuação da trama. Apenas a leitura do segundo volume permitirá descobrir os caminhos que serão trilhados e se Érico poderá de fato decidir o seu destino.

A segunda edição também promete a ascensão de um arqui-inimigo para Érico, mas fica obscuro se este de fato representaria as forças do bem. De qualquer forma, o desfecho de Sinfonia da Destruição é um convite para continuar a leitura e descobrir novos rincões da galáxia de Eidola e o destino de sua maior ameaça(?): o absoluto Érico, “o horror dos céus”.

A edição lida é digital, do selo editorial Histórias d’A Taverna, do ano de 2018, e possui 447 páginas.

Sobre o autor

Rodolfo Salles é escritor de ficção fantástica e colaborador do blog A Taverna. Designer especialista em produção de vídeos, nasceu e mora em São Paulo. Escreve desde criança, período onde começou a criar mundos fantásticos e lúdicos. Com o surgimento do Wattpad, o que era apenas um hobby se tornou parte fundamental de sua vida. Devido ao sucesso de sua obra na plataforma, decidiu relançá-la em versão profissional como autor independente.

Após ganhar o prêmio Wattys na plataforma, em 2017, com o conto Último Dia — concorrendo em uma seleção com mais de 280 mil participantes — decidiu explorar novos horizontes profissionais. O conto foi republicado pela revista Trasgo n° 17, enquanto o autor decidiu relançar Absolutos como autor independente pela Amazon, apoiado pelo selo d’A Taverna.





[1]https://www.wattpad.com/story/52180236-absolutos-i-a-sinfonia-da-destrui%C3%A7%C3%A3o

2 comentários:

  1. Resenha imeeeensa e incrível!! Não esperava menos, hehe. Muito obrigado pela análise caprichada e detalhada da obra, muito feliz que tenha gostado da viagem :)

    ResponderExcluir

Postagens populares

Conhecer Tudo