segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Botchan – Natsume Soseki – Resenha


Por Eric Silva

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Um humorado clássico japonês que retrata de forma irônica a relação entre cidade grande e pequena, Botchan é o segundo livro publicado por Natsume Soseki, um dos mais importantes nomes da literatura japonês. Frequentemente comparado pela crítica com O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, esse bildungsroman[1] de grande sucesso em seu país acompanha a trajetória de vida e as aventuras de um impulsivo professor recém-formado que saí de Tóquio para ensinar numa escola do ginásio de uma pequena cidade litorânea da ilha de Shikoku. Um romance que fala de forma bem-humorada sobre a complexidade das relações humanas.

Confira a resenha do oitavo livro da III Campanha Anual de Literatura do Conhecer Tudo, que em 2018 homenageia a literatura japonesa.

Sinopse

Em um livro com estilo bem-humorado e que satiriza a condição humana Botchan, segundo livro publicado pelo japonês de Natsume Soseki aborda o tema das diferenças: o choque cultural que opõe a cidade grande e o interior. Botchan é um professor de matemática inexperiente que nasceu e viveu toda a sua vida em Tóquio, mas que aceita partir para uma pequena cidade do interior do Japão, na ilha de Shikoku, para lecionar, contudo, habilidade social não é seu forte, cuja personalidade ríspida e a falta de paciência lhe geram sérios problemas na nova cidade. Por consequência, ele acaba por se tornar alvo das brincadeiras e das maldades dos colegas e dos alunos da província.

Resenha

Lançado apenas um ano depois da publicação de seu primeiro grande sucesso, o livro Eu Sou Um Gato, Botchan é um clássico famoso e muito apreciado no Japão. Com um narrador único e uma história descontraída e carregada de humor, esse é um livro que, apesar de um tema sobre o cotidiano e ter sido escrito a pouco mais de um século, agrada bastante e até mesmo diverte o leitor acostumado ou conhecedor da cultura japonesa.

Concordo com Vilto Reis[2] quando este afirma que para entender o livro de Soseki é “precisamos ter certa noção cultural”. O livro faz referência ao modelo de educação japonesa, à sua etiqueta, às tradições culinárias e aos banhos públicos, além de citar as gueixas, os haikus (haicais), o ikebana, as artes figurativas e as danças tradicionais. Se não bastasse Botchan é um personagem atrevido e deslinguado que diz e age conforme suas convicções, por mais extremas que elas pareçam, e não se limitando a isso desdenha da cultura tradicional japonesa mostrando o quão ocidentalizados são os seus gostos. 

Comparado por muitos críticos com O Apanhador do Campo de Centeio, de J.D. Salinger, Botchan é um livro com um narrador marcante, de língua afiada, convicto de seus ideais e que mesmo sem entendê-lo por completo nos guia pelo universo tumultuoso das relações interpessoais e sociais.

Botchan: o enredo de um bildungsroman

Fotografia: Eric Silva, 2018.
Escrito por Nastume Soseki, no ano de 1906, Botchan é um bildungsroman, termo alemão dado aos romances de aprendizagem ou de formação, e é também um romance clássico contemporâneo da literatura japonesa. Como é comum aos romances de formação, Botchan é uma obra que transpassa todo o processo de desenvolvimento moral, psicológico e social de seu protagonista desde a infância até a idade adulta quando ele se torna professor de matemática em uma escola do interior do Japão.

Em Botchan, temos a história de um narrador que se identifica apenas por seu apelido de infância (o mesmo do título) e que narra sua própria história de vida começando pela infância vivida à sombra do irmão mais velho.

Botchan, como lhe chama a empregada da família, era um menino que por sua impulsividade se metia a fazer muitas travessuras pelas quais acabava sempre metido em confusões e brigas. Por elas também recebia reclamações dos vizinhos do bairro localizado em algum lugar da capital imperial japonesa, Tóquio. 

Por suas muitas traquinagens – as quais ele nunca negou ou fingiu inocência – Botchan sofria também com o desprezo do pai que, assim como a mãe, tinha suas atenções dirigidas para o mais velho e era particularmente mais severo com Botchan, dizendo que ele “nunca seria nada na vida”. Em casa, o garoto só possuía o apoio da empregada, Kiyo, que lhe emprestava dinheiro, dava-lhe presentes e pedia para que quando fosse adulto e tivesse sua própria casa, a contratasse como sua empregada. Bastante insociável, Botchan não entendia com qual propósito Kiyo lhe estimava e de certa forma se sentia desconfortável com seus carinhos e atenção mesmo sendo eles inocentes.

Após a morte da mãe, e alguns anos depois também do pai, o irmão mais velho herda os bens e a casa, e dá ao mais novo, agora um jovem adulto, uma certa quantia de dinheiro para que montasse um negócio ou investisse em seus estudos. Botchan aceita a quantia e se separa do irmão e Kiyo que o faz prometer que quando tivesse casa própria a mandaria buscar para trabalhar para ele.

O rapaz então se hospeda em uma pensão e por impulso investe o dinheiro em um curso de física, pelo qual, depois de formado, é convidado a trabalhar como professor de matemática em uma pequena cidade no litoral da ilha de Shikoku. Novamente por rompante ele aceita a proposta de trabalho e muda-se de Tóquio para a cidade provinciana, experimentando pela primeira vez um pouco da vida no interior, mas nada sai como ele imaginava. É hostilizado pelos alunos que estranham seu sotaque e fazem brincadeiras mordazes sobre seu apetite voraz. Se não bastasse, passa a viver em atrito com alguns professores por quem alterna confiança, admiração e aversão.

Tantas são as confusões, desencontros e equívocos na qual Botchan se envolve que o personagem vai se tornando divertido e até certo ponto jocoso ao longo do progresso da história.

Jovem Mestre: o narrador personagem e a oposição cidade grande X cidade pequena

Narrado em primeira pessoa pelo olhar de seu protagonista, Botchan é daqueles livros que possui um personagem que beira ao caricato, mas que ainda assim consegue ser marcante. Ele é um rapaz de cidade grande desbocado, corajoso e brigão, de personalidade impulsiva e teimosa, mas extremamente honesto, moral e ético. Uma de suas tiradas mais cômicas é quando revoltado com alguns alunos que não assumiram sua culpa em uma traquinagem cometida contra ele, afirma que na infância ele nunca negou nenhuma de suas travessuras e sempre as sustentou com honra e dignidade, pronto para qualquer castigo que lhe viesse por conta da ação feita.

Mas Botchan é também alguém extremamente ingênuo e influenciável por ser muito pouco sociável. Sem moderações ele possui seus rompantes e toma decisões de forma quase sempre impulsiva no calor de suas emoções, mas facilmente é levado a desistir de suas decisões, mesmo que temporariamente, quando vencido pelas argumentações. Por esse seu gênio que Kiyo o apelidou de botchan, que tudo indica significa jovem mestre, mas pode fazer referência também alguém puro e sincero.

“Quando por vezes veem alguém sincero e puro, eles o criticam e humilham, chamando-o de garotinho mimado ou Botchan”.

Apesar da crítica, mesmo ele dá apelidos a seus companheiros de trabalho tomando por referência certas manias e caraterísticas físicas dos mesmos como Porco-Espinho, Camisa Vermelha, Texugo e Fanfarrão.  

Em geral, não gosto de personagens planas, aquelas construídas em redor de uma qualidade ou de um defeito único, e isso, à primeira vista, me faria odiar esse livro e seu narrador porque Botchan é quase todo marcado pela sua integridade firme e impulsividade. Mas ele também não é exatamente plano, nem exatamente redondo ou evolutivo. Percebi que ele, assim como a maioria dos profissionais atuantes na escola funcionam como uma sátira aos intelectuais japoneses da época. Além disso, algumas mudanças operam no íntimo de Botchan ao longo da narrativa como efeito das experiências experimentadas por ele, que como efeito o mudam um pouco, mas não tão profundamente. Entretanto o que me encantou e me fez gostar do livro de Soseki, também no geral, foi o seu humor discreto e um narrador ácido e convicto de suas ideias transloucadas e de sua moral tão rígidas quanto a vareta de um bambu.

Como vimos, na infância, Botchan foi desprezado pelos pais e muitos destes traços que marcam o personagem do livro se deve a isso. Mas o curioso, como aponta Cadão Volpato[3], é que a biografia de Soseki se aproxima com esta parte da história de Botchan. Assim como seu protagonista Soseki, assinala Volpato, teve uma infância solitária, passou muitos anos vivendo com outra família, perdeu cedo a mãe, e foi rejeitado pelo pai.

Contudo, o principal tema que emerge de Botchan é a clássica oposição que se faz em relação a pequena e a grande cidade. Carregada de preconceitos essa oposição tenta ressaltar uma pretensa superioridade da grande cidade sobre a pequena que não se limitaria ao nível econômico e técnico, mas também cultural e social. Botchan é a caricatura do homem metropolitano que olha com arrogância e altanaria a “pequenez” que torna a cidade pequena, aos seus olhos, inferior e atrasada.

Botchan tem gostos cosmopolitas e por isso olha para a pequena cidade com um olhar crítico e ácido que não perdoa nenhum aspecto. Ele critica sua pequenez, os hábitos de seus moradores, sua falta de atrativos tanto turísticos como estéticos, o nível de seus restaurantes, a qualidade das pensões e o atendimento despendido por elas. Nada ali naquela cidade – que ele nem se dá o trabalho de dar nome – o satisfaz, mesmo a escola, os alunos, o diretor, a metodologia de trabalho, os colegas de profissão, nada o satisfaz ou o alegra. A tudo ele olha por um prisma arrogante e pretensioso, e tende a achar-se superior a tudo e a todos da pequena povoação, reprovando os gostos e costumes.

No entanto, a medida que a história se desenvolve percebemos que aquela altivez de citadino de uma grande metrópole, esconde, na verdade, suas enormes fraquezas e inabilidades.  Apesar de se portar como superior, gradativamente, sua falta de traquejo social e personalidade rústica e simplória vai se tornando evidente. À proporção que a narrativa se desenvolve o leitor nota que as pessoas que ele inicialmente despreza eram mais argutos e astutos do que ele e, mesmo quando eram igualmente rústicos, eram por outra via bem menos influenciáveis.

Além disso, como professor Botchan se revela um inábil. Ele não sabe lidar com os alunos e suas brincadeiras. Sua grande dificuldade de conviver socialmente não lhe permite saber de qual maneira neutralizar as travessuras e maldades dos estudantes e impor respeito às turmas que não o reconhecem e não o respeitam. O fato de ser novato e muito diferente de todos ali faz com que o choque cultural seja inevitável, e ele, o alvo preferido dos alunos que escapam quase sempre ilesos.

Sua inabilidade também se demonstra na facilidade com o qual ele é manipulado por um dos professores mais velhos. Ele simplesmente não consegue perceber as sutilezas e as diferenças entre os professores tomando seus comportamentos como referência e facilmente se deixa levar pelo maquiavelismo e dissimulação de um deles, não reconhecendo de imediato o caráter de outro que como ele é alvo do primeiro.

Notas finais: escrita, leitura e desfecho

Botchan é um livro que apesar de buscar não se influenciar pelo cenário político de sua época faz menção ao que acontecia no Japão do início do século XX. Essa menção fica ainda mais evidente quando, nos últimos capítulos, ele fala das comemorações a vitória japonesa provavelmente da guerra sino-japonesa (1894-1895), além de fazer uma menção mais breve as batalhas dos nipônicos contra os russos (1904-1905)[4].

Na provável época em que se passa a história e também no período em que o livro foi publicado (1906), o Japão ainda vivia o período Meiji, um momento marcado pelo desenvolvimento econômico e pelo expansionismo imperialista japonês. 

Ainda que mencione alguns acontecimentos nacionais da época, Botchan ainda mantém grande parte da sua neutralidade política contando uma história do cotidiano do povo japonês. A narração do jovem Botchan é linear e irônica –junto com o humor esse é o principal tom da história – e possui um certo carisma que somado as confusões vividas pelo seu protagonista prende o leitor, espantando qualquer possível monotonia em que a narrativa possa cair. Por isso o texto flui com tranquilidade.

A escrita de Soseki é muito bem estruturada e compreensível não exagerando nas descrições ou metáforas. A tradução realizada por Jefferson José Teixeira é impecável, mas senti falta de mais notas de rodapé com textos explicativos que ajudassem os leitores leigos em relação a cultura japonesa.

O que mais gostei na trama foram os seus personagens sobretudo o protagonismo de Botchan e sua personalidade forte e cômica. O livro não te faz rir, mas te diverte e descontrai. Mas seu principal ponto fraco foi, sem sombras de dúvidas, o desfecho. Apesar de fechado e ter uma passagem legal e surpreendente, o livro termina de forma súbita e com poucos detalhes sobre o desenrolar dos últimos acontecimentos. Botchan faz um breve resumo dos fatos ocorridos com ele e encerra a narrativa sem dar notícias sobre alguns fatos que interessariam ao leitor saber.

Do mais, Botchan é um livro descontraído, um clássico agradável e que justifica sua predileção por parte do público japonês. Um livro que nas entrelinhas fala da ocidentalização do Japão e satiriza o charlatanismo intelectual de alguns japoneses de sua época. Além disso, é um livro que aborda o contraste cultural entre as populações de cidades grandes e pequenas e que fala muito da ainda pouco conhecida cultura japonesa.

A edição lida é da editora Estação Liberdade, do ano de 2016 e possui 184 páginas.

Sobre o autor

Natsume Soseki (夏目 漱石), era o pseudônimo de Natsume Kinnosuke (夏目金之助). Nascido em 9 de fevereiro de 1867, em Edo, atualmente conhecida como Tóquio, foi um importante romancista japonês do período Meiji e o primeiro a retratar o moderno japonês intelectualmente alienado. Além de escritor foi filósofo.

Sua infância foi solitária. Os pais o deixaram com outra família quando era bebê, sendo devolvido apenas aos nove anos. Perdeu cedo a mãe, quando ainda tinha 14 anos e foi rejeitado pelo pai.

Se formou em inglês pela Universidade de Tóquio (1893) e lecionou nas províncias até 1900, quando foi para a Inglaterra em uma bolsa do governo. Sua reputação como romancista foi feita com seus dois primeiros romances Eu Sou um Gato (1905) e Botchan (1906).

Depois de 1907, quando desistiu de ensinar e dedicar-se à escrita, produziu seus trabalhos mais característicos, que eram sombrios, sem exceção.

Apesar de sua pouca tradição literária nativa e da sua modernidade, seus romances têm um lirismo delicado que é exclusivamente japonês. Foi através de Natsume que o romance moderno e realista, que tinha sido essencialmente um gênero literário estrangeiro, criou raízes no Japão.

Faleceu em 9 de dezembro de 1916, na cidade de Tóquio.

Confira quem são os outros autores participantes da Campanha deste ano no link: http://bit.ly/2n5OK6U.

Conheça os pontos do nosso itinerário no mapa do link: http://bit.ly/2G9Mkwx.

No link abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível no Issuu:

Preview do Issuu




[1] Termo alemão para designar o romance de aprendizagem, ou de formação. Segundo Felipe Araújo “sua característica principal é apresentar um personagem principal em jornada, da infância à maturidade, em busca de crescimento espiritual, político, social, psicológico, físico ou moral”.
[2] https://homoliteratus.com/botchan-ou-necessidade-do-contexto-para-entender-o-que-foi-um-romance-japones-transgressivo/

[3] https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/03/1751566-livro-de-soseki-percorre-terreno-acidentado-das-relacoes-humanas.shtml
[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Era_Meiji

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Netflix: A Catedral do Mar (La Catedral del Mar) – Resenha


Por Eric Silva

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Adaptação da obra homônima de Ildefonso Falcones, a série A Catedral do Mar traz ao público uma versão muito fiel do livro numa produção belíssima e com ótimas interpretações.

Sinopse


A Barcelona do século XIV já era próspera e destino de camponeses fugidos de seus senhores. Também ali, no bairro da Ribeira, o povo mais humilde, à custa de seus esforços e da contribuição de mercadores e pessoas importantes da cidade, erigia a imponente Catedral de Santa Maria del Mar, cuja construção seria paralela a conturbada história de um dos seus mais devotados filhos, Arnau Estanyol, que de estivador se tornaria barão.

Filho de um camponês fugido, Arnau, ainda menino, conhece a tirania dos nobres, a revolta, a pobreza e a fome, mas, buscando sobreviver, vive uma vida fatigante, sempre à sombra da Catedral, e marcada por aventuras que lhe conduziriam a um destino surpreendente e épico.

Resenha

Da literatura para a televisão

Fotografia de Eric Silva dos Santos, novembro de 2018.
A Catedral do Mar foi primeira grande obra do espanhol Ildefonso Falcones e responsável por projetar internacionalmente sua carreira como escritor. Um bildungsroman[1] fenomenal no qual Falcones perfila um esboço da Idade Média, das relações servis e do poder da nobreza e da Igreja escrevendo uma sinopse das leis severas e das pesadas obrigações impostas aos camponeses, bem como aos cidadãos das poucas cidades livres da época, da perseguição religiosa aos judeus, da intolerância religiosa dos católicos e da intransigência dos Tribunais do Santo Ofício.

Inveja, intriga, soberba, ambição, preconceito e fanatismo, tudo está presente nesse romance de estreia cuja primeira edição transcursa 592 páginas sem se tornar cansativo ou monótono.

O título faz referência a catedral de Santa Maria del Mar, importante monumento histórico barcelonês e que figura como importante vetor na determinação da história dos personagens, como se fosse também um deles. Mas o tema principal é a luta pela liberdade e contra as injustiças cometidas em nome de valores distorcidos pela conveniência dos interesses.

O trabalho de pesquisa histórica é fantástico e cuidadoso e o livro abriga um séquito de personagens surpreendentes e pulsantes. Pessoas simples do povo, da elite, do clero, meretrizes, escravos e judeus. No conjunto, a história dessas pessoas faz refletir que não é o destino ou o divino que inflige ao homem o sofrimento, mas que ele é seu próprio lobo. Não são a Inquisição e os direitos feudais consequências da vontade divina, mas obra da vontade dos homens, que outorga para si o direito de infligir sofrimento ao outro em prol de seus próprios interesses.


O livro por si só é perfeito e um best-seller espanhol, mas em 2018, o diretor espanhol Jordi Frades entregou ao público uma série memorável em 8 episódios que narram a aventura épica de Arnau.
Jordi Frades é diretor de cinema e televisão espanhol. Seus primeiros trabalhos foram relacionados à televisão catalã, dirigindo, em 1994, vários capítulos da primeira telenovela em catalão, Poblenou, produzida e exibida pela TV3. Ao longo de sua carreira, Jordi foi responsável por diversas minisséries de televisão, a exemplo de Oh, Espanya! (1996-1997), El joc de viure (1997), La memòria dels Cargols (1999), Crims (2000), De moda (2004) e El cor de la ciutat (2005-2007).

Crítica

Para quem nunca leu o livro a série que adaptou A Catedral do Mar será um panorama muito fiel do que é o livro.

Ganhadora do Prêmio Iris (2018) de melhor produção, assim como o livro, a série faz um panorama do que foi a Baixa Idade Média (1300 a 1500 d.C.), uma época de dominação feudal, de histerismo religioso e da dizimação provocada pela fome e pela peste negra. É neste cenário que a catedral do povo é erigida tendo Arnau como sua testemunha.

Tudo na série dirigida por Jordi Frades me agradou, mas os melhores pontos foram a fidelidade a obra original e a produção caprichada e realista da série.

A Catedral do Mar é uma obra de muito impacto pelas injustiças cometidas por muitos de seus personagens e pela realidade dura e até brutal vivida por eles. É um livro de formação que conta toda a trajetória de vida do seu protagonista e emociona com uma narrativa bem-feita e épica.


Jordi preserva a atmosfera original do livro e se mantém fiel ao seu conteúdo. Apesar de ter lido o livro há aproximadamente dois anos atrás, não percebi grandes e relevantes alterações e nenhuma parte que foi omitida na série era essencial para seu entendimento, o que temos no final é um apanhado fidedigno do enredo imaginado por Falcones.

Achei, porém, que o foco demasiadamente detalhista dado a infância e o começo da juventude de Arnau tomou o espaço para a conclusão da narrativa que ficou, por assim dizer, um pouco apressada. Ainda assim, isso é algo que só nota quem leu a obra original, porque os últimos dois capítulos são bastante coesos e coerentes.

O filme parece não ter tido um grande orçamento, mas a sua produção foi caprichada com diálogos e interpretações que me mantiveram interessado na obra mesmo já conhecendo o seu enredo.

As caracterizações, cenários e figurinos demonstram um trabalho minucioso da arte e do elenco para tornar realista a trama. Os personagens são bem construídos e profundos. Além disso, são críveis com interpretações impecáveis e convincentes, sobretudo dos dois principais protagonistas da trama: Bernat, interpretado por Daniel Grao, e Arnau Estanyol interpretado, na infância, por Hugo Arbúes e, na idade adulta, por Aitor Luna.

Como a trama é forte e foi muito bem contada tornou-se impossível ser indiferente e não se sentir conectado aos personagens e aos seus sofrimentos pessoais, sobretudo por que a brutalidade daqueles tempos não foi ocultada ou romantizada, pelo contrário foi demonstrada em toda a sua ferocidade.

Os cenários apesar de escuros são grandiosos e revelam com fidedignidade os padrões de vida vividos e a realidade oposta daqueles que detinham o poder e daqueles que viviam na miséria e privação. Mesmo pela diferença da qualidade dos tecidos, das tonalidades de cores e de limpeza dos figurinos, se tem uma ideia nítida das diferenças sociais e do grau de riqueza proporcional de cada um, desde o mais miserável, passando pelos de posses mais parcas aos mais abastados.

A única coisa que não em chamou a atenção na série de Jordi foi a trilha sonora que ficou, para mim, esquecida. Nem se quer prestei atenção a ela. Erro meu, mas de pouca gravidade, presumo, pois se os sons fossem especialmente interessantes esse detalhe não havia me escapado.

Não falarei nada da dublagem, pois assisti o original em espanhol legendado para o português, o que achei ótimo, pois estou gradativamente me afastando das versões dubladas e apreciando a linguagem e os sotaques estrangeiros e originais dos filmes e séries que assisto.

Porém é necessário ressaltar que ainda que a produção seja excelente alguns pontos negativos e contradições podem ser observados na obra dirigida por Jordi.

Quem assiste a série sente que existe na trama uma busca por um realismo que, no entanto, não transparece nos aspectos, como, por exemplo na maquiagem. O exemplo mais clássico são pessoas extremamente pobres, porém higienicamente muito bem zelados (cabelos e dentes), como aponta Gustavo David do Metafictions. Além disso, alguns pontos cruciais sobre o funcionamento e as leis barcelonesas – intensivamente exploradas por Ildefonso em seu livro – são um tanto mal explicados ou pouco esclarecidas. Por fim, a série deixa mais evidentes algumas soluções forçadas encontradas pelo autor para dar saída aos problemas de seus personagens, contudo, acredito que essas saídas ganham mais evidência pelo fato da série explicar mal os costumes bastante peculiares da Barcelona do século XIV.

Posso concluir dizendo que a série dirigida por Jordi Frades não fica a desejar e atende às expectativas de qualquer expectador. O que mais me agradou foi a fidedignidade da produção com o livro, certamente o seu formato em série foi crucial para isso. Correu um pouco no final e deixou alguns pontos mal explicados, mas não desagradou.

A Catedral do Mar é uma produção dos estúdios Atresmedia, Televisió de Catalunya e Netflix, e foi exibida pela primeira vez em 2018. Tem 8 episódios com duração média de 55 minutos. Abaixo você pode conferir o trailer da série.

Trailer





[1]“Em crítica literária, designa o tipo de romance em que é exposto, de forma pormenorizada, o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político de um personagem, geralmente desde a sua infância ou adolescência até um estado de maior maturidade” (WIKIPÉDIA).

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Orlando e o Escudo da Coragem – Ana Lúcia Merege – Resenha


Por Eric Silva

Nota: todos os termos com números entre colchetes [1] possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias, prévias, banners ou postagens relacionadas.
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Orlando e o Escudo da Coragem é o mais novo infantojuvenil do universo de Athelgard, criação da escritora brasileira Ana Lúcia Merege. Em seu novo livro, Merege conta as aventuras de Orlando, um menino de 12 anos filho de um poderoso senhor de terras em Athelgard, que apesar de sua pouca idade enfrenta uma perigosa prova de coragem para mostrar o seu valor. Um livro criativo e sensível, com uma escrita acolhedora e uma narrativa que ensina o valor da coragem.

Sinopse

Orlando é o mais jovem dos filhos do thane[1] de Leighdale, um garoto esperto, gentil e corajoso de descendência élfica e com o dom da magia, mas que, no entanto, vive à sombra do seu meio-irmão mais velho, Lionel, conhecido por todos pela nobreza e bravura.

O garoto é tão honrado e capaz quanto seu irmão por quem ele tem uma grande admiração, mas ainda não conhece as próprias potencialidades. Em casa, todos implicam por ele insistir em treinar um falcão estrábico, o Vesgo, mas Orlando sabe que assim como ele o pequeno falcão possui potenciais inexplorados e por isso insiste no treinamento do falcão.

Entretanto chega o dia no qual, as potencialidades tanto do menino quanto as do falcão são postas à prova quando Lionel viaja para participar de um torneio e Orlando o acompanha como escudeiro. Naquela viagem às desconhecidas terras das Colinas Negras, por conta de uma série de mal-entendidos e confusões, o menino e seu falcão vivem uma grande e perigosa aventura na qual são testados e levados a mostrar os quão corajosos e capazes eram.

Resenha
Orlando, Lionel e um conto de cavalaria

Imagem: Eric Silva, 2018.
Orlando e o Escudo da Coragem possui uma série grande de personagens importantes, como Brian, que participa do torneio ao lado de Orlando, os caçadores Raylin e Ellak, e o senhor das Colinas Negras, Turnedil, mais a sua esposa, a Dama Elfrida. Porém destacarei apenas Orlando e seu irmão Lionel.

Orlando é um garoto repleto de qualidades positivas. Ele é amigável, aplicado, humilde e sensível, além de guardar em si acentuados graus de sabedoria, maturidade e senso de justiça. Isso tira, na visão de um adulto, um pouco da verossimilhança do personagem, mas para o público infantil ele é um símbolo de retidão e moralidade a ser seguido. Um garoto honesto e bom. Contudo, mesmo aí, o personagem se encaixa perfeitamente dentro das clássicas histórias de cavalaria, onde os cavaleiros tidos como justos eram, em sua maioria, exemplos de nobreza, cristandade e retidão de caráter.

É sem dúvida um personagem que possui seus medos e inseguranças sobretudo pela sua falta de experiência e pouca idade, entretanto ele busca a coragem para vencer seus medos e dar seu melhor.
Lionel é descrito como corajoso e habilidoso estando muito à frente de seu irmão menor, mas também é um bom irmão, atencioso e carinhoso. Defende-o, o estimula e incentiva, além de ensiná-lo, por isso, em lugar de competir com Lionel, Orlando sente admiração e não se importa profundamente de estar à sua sombra. São, em suma companheiros e bons irmãos.

Com precisamente 100 páginas Orlando e o Escudo da Coragem é uma pequena novela que se inspira nos antigos contos de cavalaria medievais. Como é especialidade da sua autora, trata-se de um livro cheio de magia e ensinamentos pensado para o público infantojuvenil, mas escrito com a qualidade de um livro sem faixa etária determinada.

Imagem: Eric Silva, 2018.
No blog da editora Draco[2], Merege conta que teve a ideia do livro depois que viu a imagem de um rapaz falcoeiro com o seu falcão, na imagem um falcão peregrino. Dali junto com o desejo de escrever mais livros voltados para o público infantojuvenil que usasse o universo de Athelgard como plano de fundo, a autora foi, durante o processo de escrita, compondo a narrativa de Orlando.
Para escrever seu livro Ana Lúcia buscou se aprofundar no universo da falcoaria, da cavalaria e dos torneios de justas. Em seu texto ela explica que a relação entre Orlando e seu meio-irmão Lionel foi inicialmente inspirada em “A Espada era a Lei”, e o tema em contos de cavalaria como “Sir Gawaine e o Cavaleiro Verde”. Daí nasceu a ideia de uma novela infantojuvenil inspirado nos romances de cavalaria e histórias de fantasia com a falcoaria, os torneiros medievais, o respeito as diferenças e a coragem como os principais temas abordados.

A falcoaria é uma prática antiga e hoje quase extinta que remota do período medieval. Trata-se da prática de caçar com falcões treinados para este fim. Era uma atividade comum entre a elite medieva e foi o esporte preferido de reis e senhores feudais da época[3]. Para amestrar as aves era necessário paciência e tempo e por isso é preciso escolher muito bem o animal e começar a treiná-la ainda filhote.

No livro de Merege falcoaria e respeito às diferenças se encontram para falar da relação de Orlando com sua ave, o Vesgo. Orlando dedica seu tempo a uma ave estrábica e que provavelmente nunca aprenderia a caçar por conta da alta precisão na visão necessária às aves nessa prática. Contudo, ele não abandona nem despreza Vesgo pelas suas condições físicas e busca explorar seus potenciais ao máximo, jamais desistindo, e irrita-se quando sua ave é descriminada pelos adultos e pelos amigos do irmão.

Image: Eric Silva, 2018.
O tema do respeito às diferenças é marcante na narrativa desse livro e vai muito além da história de Orlando e seu falcão. Ela permeia as relações humanas com os elfos e as criaturas míticas e é um dos principais valores defendidos por Merege em sua obra.

O outro valor é a coragem que vem na trama ligada as grandes dificuldades enfrentadas pelos cavaleiros nos torneios medievais.

Os torneios medievais ou justas eram competições de cavalaria ou pelejas comuns entre os séculos XII ao XVI na Europa[4], e utilizadas como populares formas de diversão executada pelos nobres, mas que atraía também a atenção da população camponesa que assistia às competições.

Todas as provas aplicadas nestes torneios implicavam riscos aos seus participantes e por isso funcionavam também como treinamento e teste de coragem. Mas a coragem de que fala Merege não se resume a bravura, mas a coragem de fazer o que é certo e de ser justo sempre, e Orlando enfrenta suas provações buscando mostra que a coragem possui um significado mais largo e amplo do que a qualidade de não ter medo. O torneio idealizado por ela baliza e faz aflorar a essência dos competidores fazendo emergir os preconceitos e valores: arrogância, bravura, honestidade, compaixão, egoísmo, descriminação, tudo aflora em cada competidor e são jugadas pelos idealizadores da disputa com equidade e justiça.

Essas associações e ensinamentos são comuns na obra de Merege. A autora sempre busca através de suas histórias trazer ao leitor adulto e infantojuvenil algum tipo de aprendizado. Neste livro coragem significa ser justo, não buscar o caminho mais curto, respeitando as diferenças e o outro enquanto busca abrir seu caminho pela vida. Ser corajoso é nunca recuar diante da adversidade e lutar por justiça.

Por esses ensinamentos Orlando e o Escudo da Coragem é um livro que dialoga intensamente com os demais da coleção que compreende o universo ficcional criado pela autora, porque em todos ela encerra algum tipo de ensinamento e valor essencial ao crescimento pessoal das pessoas. Esse diálogo é ainda mais intenso com Anna e a Trilha Secreta, outro livro infantojuvenil sobre a necessidade de que trilhemos caminhos que nos leve ao autoconhecimento, a autocitação e ao respeito às diferenças.

Características gerais e apreciação crítica

Imagem: Eric Silva, 2018.
Uma talentosa contadora de histórias, a escrita de Merege é o ponto que mais me agrada em sua obra. Seja lá qual for a temática que ela escreva, esteja na forma de romances, novelas ou mesmo de contos, e independentemente de para quais públicos ela escreva, sua escrita sempre me dá uma sensação de conforto que poucos autores me causam.

Quando você penetra em seus cenários primorosamente construídos é como se estivesse realmente vivenciando aqueles cenários medievais, bosques e florestas. A linguagem é coerente e adequada, você compreende completamente a história ainda que ela faça referências a elementos e objetos de época que não são conhecidos do público geral. Trata-se de liberdade criativa ampla sem perder o rumo ou deixar o leitor confuso.

A narração é limpa e se limita ao essencial sem perder, porém, a beleza de um texto que te envolve e prende. O narrador não opina nem interfere na narrativa, mas lhe diz o suficiente para que você entenda que toda a peça cumpre o papel de te ensinar algo.

O livro é curto e dividido em 13 capítulos pequenos e por isso a leitura é rápida. Como o texto é fluido e muito bem construído você nem sente quando a história acaba. A linguagem é acessível e mesmo os termos técnicos e históricos não atrapalham o entendimento geral da narrativa, deixa apenas o leitor na curiosidade para saber o que é um jarl (“título usado na Era Viquingue e no início da Idade Média para designar o governador de uma região relativamente grande ou o braço-direito de um rei”)[5] ou um thane (título dado a um oficial do rei local)[6].

Os personagens são construídos conforme suas características e valores, mas como o objetivo da trama é fazer emergir o que está oculto bem poucos são os personagens planos, o que se destaca são os personagens que evoluem com a trama e se transformam. O principal deles é Brian, um dos principais competidores do torneio e que ao longo da história mostra muitas de suas facetas. Isso torna interessante a narrativa e instigante, porque os personagens deixam de ser previsíveis, e ainda que o desfecho da história o seja, não sabemos por quais caminhos a história passará antes de desembocar no resultado que o leitor espera.

A edição é muito semelhante ao livro Anna e a Trilha Secreta e possui o mesmo desenho gráfico e diagramação. O livro é também ilustrado com os desenhos de Ericksama que além de bonitos são também delicados.

Novamente o que mais gostei em Orlando e o Escudo da Coragem é o que costumo gostar e me atrair na obra de Merege: os temas, cenários e a escrita aconchegante e gostosa de se ler. Não vejo pontos fracos em uma trama que foi pensado para o público infantil. Há alguns clichês e o uso de fórmulas já clássicas, mas isso é tudo e está totalmente condizente com o gênero e com o público a que o livro está dirigido. Ainda assim, Merege se sobressai com o seu talento e originalidade nos seus pontos mais fortes. Seus propósitos são claros: divertir, encantar e ensinar, e essas metas o livro cumpre com maestria.

A edição lida é da Editora Draco, do ano de 2018 e possui 100 páginas.

Sobre a autora

Nascida em 1969, na cidade do Rio de Janeiro, Ana Lúcia Merege é romancista e bibliotecária. Possui mestrado em Ciência da Informação, pelo IBICT/UFRJ-ECO, tendo defendido, em 1999, sua dissertação intitulada O livro impresso: trajetória e contemporaneidade. É também formada em Biblioteconomia pela UNIRIO e, desde 1996, trabalha no Setor de Manuscritos da Biblioteca Nacional, onde atua no trabalho com material original, fontes primárias, identificação de documentos e organização de exposições.

Seu primeiro romance publicado, O Caçador (2009), foi também o primeiro do gênero fantasia escrito pela autora que desde então vem se dedicando a organização de diversas coletâneas do gênero, além de contos e romances. Suas principais obras estão ligadas ao universo de Athelgard, criado pela escritora para ambientar sua mais recente trilogia que se inicia com o romance O Castelo das Águias e ganha sequência com os livros A Ilha dos Ossos e A Fonte Âmbar, todos publicados pela editora paulista Draco.

Com vasta experiência com manuscritos e forte interesse pela história do período medieval, Merege foi responsável ainda, na mesma editora, pela organização das coletâneas Excalibur: histórias de reis, magos e távolas redondas e Medieval: Contos de uma era fantástica, este último em parceria com o escritor brasileiro Eduardo Kasse.

A escritora ainda ministra cursos e palestras em instituições e escolas.




[1] Título dado a um oficial do rei local (Wikipédia).
[2] https://blog.editoradraco.com/2018/07/como-escrevi-orlando-e-o-escudo-da-coragem/
[3] Enciclopédia Delta Júnior
[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Torneio_medieval
[5] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jarl
[6] https://en.wikipedia.org/wiki/Thane_(Scotland)


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