quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Netflix: A Catedral do Mar (La Catedral del Mar) – Resenha


Por Eric Silva

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Adaptação da obra homônima de Ildefonso Falcones, a série A Catedral do Mar traz ao público uma versão muito fiel do livro numa produção belíssima e com ótimas interpretações.

Sinopse


A Barcelona do século XIV já era próspera e destino de camponeses fugidos de seus senhores. Também ali, no bairro da Ribeira, o povo mais humilde, à custa de seus esforços e da contribuição de mercadores e pessoas importantes da cidade, erigia a imponente Catedral de Santa Maria del Mar, cuja construção seria paralela a conturbada história de um dos seus mais devotados filhos, Arnau Estanyol, que de estivador se tornaria barão.

Filho de um camponês fugido, Arnau, ainda menino, conhece a tirania dos nobres, a revolta, a pobreza e a fome, mas, buscando sobreviver, vive uma vida fatigante, sempre à sombra da Catedral, e marcada por aventuras que lhe conduziriam a um destino surpreendente e épico.

Resenha

Da literatura para a televisão

Fotografia de Eric Silva dos Santos, novembro de 2018.
A Catedral do Mar foi primeira grande obra do espanhol Ildefonso Falcones e responsável por projetar internacionalmente sua carreira como escritor. Um bildungsroman[1] fenomenal no qual Falcones perfila um esboço da Idade Média, das relações servis e do poder da nobreza e da Igreja escrevendo uma sinopse das leis severas e das pesadas obrigações impostas aos camponeses, bem como aos cidadãos das poucas cidades livres da época, da perseguição religiosa aos judeus, da intolerância religiosa dos católicos e da intransigência dos Tribunais do Santo Ofício.

Inveja, intriga, soberba, ambição, preconceito e fanatismo, tudo está presente nesse romance de estreia cuja primeira edição transcursa 592 páginas sem se tornar cansativo ou monótono.

O título faz referência a catedral de Santa Maria del Mar, importante monumento histórico barcelonês e que figura como importante vetor na determinação da história dos personagens, como se fosse também um deles. Mas o tema principal é a luta pela liberdade e contra as injustiças cometidas em nome de valores distorcidos pela conveniência dos interesses.

O trabalho de pesquisa histórica é fantástico e cuidadoso e o livro abriga um séquito de personagens surpreendentes e pulsantes. Pessoas simples do povo, da elite, do clero, meretrizes, escravos e judeus. No conjunto, a história dessas pessoas faz refletir que não é o destino ou o divino que inflige ao homem o sofrimento, mas que ele é seu próprio lobo. Não são a Inquisição e os direitos feudais consequências da vontade divina, mas obra da vontade dos homens, que outorga para si o direito de infligir sofrimento ao outro em prol de seus próprios interesses.


O livro por si só é perfeito e um best-seller espanhol, mas em 2018, o diretor espanhol Jordi Frades entregou ao público uma série memorável em 8 episódios que narram a aventura épica de Arnau.
Jordi Frades é diretor de cinema e televisão espanhol. Seus primeiros trabalhos foram relacionados à televisão catalã, dirigindo, em 1994, vários capítulos da primeira telenovela em catalão, Poblenou, produzida e exibida pela TV3. Ao longo de sua carreira, Jordi foi responsável por diversas minisséries de televisão, a exemplo de Oh, Espanya! (1996-1997), El joc de viure (1997), La memòria dels Cargols (1999), Crims (2000), De moda (2004) e El cor de la ciutat (2005-2007).

Crítica

Para quem nunca leu o livro a série que adaptou A Catedral do Mar será um panorama muito fiel do que é o livro.

Ganhadora do Prêmio Iris (2018) de melhor produção, assim como o livro, a série faz um panorama do que foi a Baixa Idade Média (1300 a 1500 d.C.), uma época de dominação feudal, de histerismo religioso e da dizimação provocada pela fome e pela peste negra. É neste cenário que a catedral do povo é erigida tendo Arnau como sua testemunha.

Tudo na série dirigida por Jordi Frades me agradou, mas os melhores pontos foram a fidelidade a obra original e a produção caprichada e realista da série.

A Catedral do Mar é uma obra de muito impacto pelas injustiças cometidas por muitos de seus personagens e pela realidade dura e até brutal vivida por eles. É um livro de formação que conta toda a trajetória de vida do seu protagonista e emociona com uma narrativa bem-feita e épica.


Jordi preserva a atmosfera original do livro e se mantém fiel ao seu conteúdo. Apesar de ter lido o livro há aproximadamente dois anos atrás, não percebi grandes e relevantes alterações e nenhuma parte que foi omitida na série era essencial para seu entendimento, o que temos no final é um apanhado fidedigno do enredo imaginado por Falcones.

Achei, porém, que o foco demasiadamente detalhista dado a infância e o começo da juventude de Arnau tomou o espaço para a conclusão da narrativa que ficou, por assim dizer, um pouco apressada. Ainda assim, isso é algo que só nota quem leu a obra original, porque os últimos dois capítulos são bastante coesos e coerentes.

O filme parece não ter tido um grande orçamento, mas a sua produção foi caprichada com diálogos e interpretações que me mantiveram interessado na obra mesmo já conhecendo o seu enredo.

As caracterizações, cenários e figurinos demonstram um trabalho minucioso da arte e do elenco para tornar realista a trama. Os personagens são bem construídos e profundos. Além disso, são críveis com interpretações impecáveis e convincentes, sobretudo dos dois principais protagonistas da trama: Bernat, interpretado por Daniel Grao, e Arnau Estanyol interpretado, na infância, por Hugo Arbúes e, na idade adulta, por Aitor Luna.

Como a trama é forte e foi muito bem contada tornou-se impossível ser indiferente e não se sentir conectado aos personagens e aos seus sofrimentos pessoais, sobretudo por que a brutalidade daqueles tempos não foi ocultada ou romantizada, pelo contrário foi demonstrada em toda a sua ferocidade.

Os cenários apesar de escuros são grandiosos e revelam com fidedignidade os padrões de vida vividos e a realidade oposta daqueles que detinham o poder e daqueles que viviam na miséria e privação. Mesmo pela diferença da qualidade dos tecidos, das tonalidades de cores e de limpeza dos figurinos, se tem uma ideia nítida das diferenças sociais e do grau de riqueza proporcional de cada um, desde o mais miserável, passando pelos de posses mais parcas aos mais abastados.

A única coisa que não em chamou a atenção na série de Jordi foi a trilha sonora que ficou, para mim, esquecida. Nem se quer prestei atenção a ela. Erro meu, mas de pouca gravidade, presumo, pois se os sons fossem especialmente interessantes esse detalhe não havia me escapado.

Não falarei nada da dublagem, pois assisti o original em espanhol legendado para o português, o que achei ótimo, pois estou gradativamente me afastando das versões dubladas e apreciando a linguagem e os sotaques estrangeiros e originais dos filmes e séries que assisto.

Porém é necessário ressaltar que ainda que a produção seja excelente alguns pontos negativos e contradições podem ser observados na obra dirigida por Jordi.

Quem assiste a série sente que existe na trama uma busca por um realismo que, no entanto, não transparece nos aspectos, como, por exemplo na maquiagem. O exemplo mais clássico são pessoas extremamente pobres, porém higienicamente muito bem zelados (cabelos e dentes), como aponta Gustavo David do Metafictions. Além disso, alguns pontos cruciais sobre o funcionamento e as leis barcelonesas – intensivamente exploradas por Ildefonso em seu livro – são um tanto mal explicados ou pouco esclarecidas. Por fim, a série deixa mais evidentes algumas soluções forçadas encontradas pelo autor para dar saída aos problemas de seus personagens, contudo, acredito que essas saídas ganham mais evidência pelo fato da série explicar mal os costumes bastante peculiares da Barcelona do século XIV.

Posso concluir dizendo que a série dirigida por Jordi Frades não fica a desejar e atende às expectativas de qualquer expectador. O que mais me agradou foi a fidedignidade da produção com o livro, certamente o seu formato em série foi crucial para isso. Correu um pouco no final e deixou alguns pontos mal explicados, mas não desagradou.

A Catedral do Mar é uma produção dos estúdios Atresmedia, Televisió de Catalunya e Netflix, e foi exibida pela primeira vez em 2018. Tem 8 episódios com duração média de 55 minutos. Abaixo você pode conferir o trailer da série.

Trailer





[1]“Em crítica literária, designa o tipo de romance em que é exposto, de forma pormenorizada, o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político de um personagem, geralmente desde a sua infância ou adolescência até um estado de maior maturidade” (WIKIPÉDIA).

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