sábado, 8 de dezembro de 2018

Tsugumi – Banana Yoshimoto – Resenha


Por Eric Silva

 “Ao fitar o céu alaranjado na iminência do anoitecer, senti uma ligeira vontade de chorar.
Isso porque ocorre-me que o amor é um sentimento ilimitado e inesgotável que podemos doar à vontade, como a água canalizada distribuída pela rede de abastecimento do Japão. ”
(Tsugumi – Banana Yoshimoto).


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Nostálgico, intimista e poético Tsugumi (つぐみ), livro da japonesa Banana Yoshimoto (よしもと ばなな) fala de umas férias de verão e de dias singelos. Uma obra sobre uma amizade que supera as adversidades de um humor despótico e da saudade que a distância do lugar ao qual pertencemos pode imputar em nossa alma.

Confira a resenha do nono livro da III Campanha Anual de Literatura que em 2018 homenageia a literatura japonesa.

Sinopse

Deixar a terra natal não está sendo algo fácil para Maria Shirakawa que constantemente relembra o cheiro de maresia da raia onde crescera. Recém-instalada em Tóquio para onde se mudou com a mãe, ela rememora as lembranças da vida na pequena cidade litorânea e das primas Yoko e Tsugumi.

Apesar da bela Tsugumi sofrer de uma doença crônica séria, isso não impede que ela tenha uma personalidade forte, despótica e cruel, exigindo de todos a paciência digna de um santo. Mas por mais difícil que seja conviver com Tsugumi ela e a prima se compreendem e se gostam e, por isso, Maria aceita o convite de Tsugumi para voltar à cidade nas férias de verão, última estada juntas.

Publicado originalmente em 1988, Tsugumi é um livro sobre nostalgia e sobre a percepção que as pessoas possuem acerca da eminência da possibilidade do fim que não se concretiza, da possibilidade da morte e da separação. O livro rendeu à autora o prêmio Yamamoto Shūgorō e foi adaptada para o cinema por Jun Ichikawa, em 1990. No Brasil, só foi lançado em 2015, com tradução direta do japonês, pela Editora Estação Liberdade.

Resenha

Enredo

Narrado em primeira pessoa, Tsugumi (つぐみ) conta a história das últimas férias de verão de Maria na pousada de seus tios, ao lado das primas Yoko e Tsugumi. Uma narrativa bem cotidiana com duas protagonistas centrais: a que dá título ao livro e sua narradora.

Maria nasceu em uma pequena cidade pesqueira, na costa oeste de Izu, interior do Japão, onde viveu grande parte da sua vida sempre ligada ao mar e às primas. Durante muitos anos ela viveu com a mãe na edícula da pousada Yamamoto, propriedade de seus tios.

Seu pai durante muito tempo tentou se separar da primeira esposa sem obter sucesso e, por isso, levou anos até conseguir regularizar sua vida com a mãe de Maria e trazê-las para Tóquio para viverem com ele. Enquanto isso, a mãe de Maria ajudava na cozinha da pousada e suportava a situação em silêncio, mas por conta disso e por viver de favor na edícula, sempre se sentiu um parasita, sentimento que ocultava com bom humor e resignação.

Maria, por sua vez, era uma menina feliz e tinha uma vida alegre junto das primas que viviam na pousada. Apesar de se entristecer com a situação dos pais, ela gostava da cidade onde vivia, se sentia ligada ao mar e às suas amizades, mas sobretudo a Tsugumi, a prima mais nova.

Tsugumi desde a infância foi uma criança doente, de saúde muito delicada e possuía uma rotina de febres e internações que preocupavam a pequena família, no entanto, seu temperamento era dos mais difíceis. “Ríspida, boca suja, egoísta, mimada e ardilosa”, Tsugumi não hesitava em dizer o que pensava, ofender e ser desagradável, mas contraditoriamente todos buscavam ter paciência com ela e agiam de forma resignada. Apenas Maria costumava rebater as crueldades da prima e procurava ser dura com ela quando Tsugumi passava dos limites, mas também a compreendia e admirava, e a amizade entre as duas era mutuamente sincera. É narrando sua história simultaneamente a de Tsugumi, que Maria vai nos apresentando a peculiar figura da prima, seu gênio difícil e as pequenas aventuras irresponsáveis que muito prejudicavam a sua saúde. 

Apesar da alegria de finalmente se mudar para Tóquio com a mãe para viverem com o pai, a saudade do mar permanece no coração de Maria. Ela ganha a oportunidade de reviver aqueles dias quando sua prima a convida para passar as férias de verão na pequena cidade litorânea. A pousada seria vendida e a família de Tsugumi se mudaria para outra cidade onde abririam um novo negócio, por isso aquela seria então a despedida de ambas, a última oportunidade de viverem juntas a praia da infância.

Sobre nostalgia: tema e apreciação crítica

Fotografia da edição produzida por Eric Silva em dezembro de 2018.
Tsugumi é um livro moderno que fala do Japão contemporâneo, mas em sua essência incorpora traços da tradição literária japonesa.

Monotonia e contemplação são as principais marcas dos livros japoneses que já li esse ano, e isso não foi um problema para mim. Percebi isso logo com Beleza e Tristeza de Yasurai Kawabata, mas depois livros como A Fórmula Preferida do Professor, de Yoko Ogawa e Histórias da Outra Margem, de Nagai Kafu reforçaram essa impressão. O mesmo se deu com Botchan, de Natsume Soseki, e agora com Tsugumi, de Banana Yoshimoto. Todos são livros sobre o cotidiano em épocas distintas, mas voltados para falar da realidade cotidiana japonesa, hábitos e pequenos problemas. O que fez com que uma leitura fosse agradável e outra não foi exclusivamente o talento de escrita de seu respectivo autor.

Tsugumi tem uma leitura rápida, poética e com um drama sem tons de fato dramáticos – Tsugumi consegue espantar com seu humor excêntrico qualquer nuvem pesada que possa cair sobre a trama –, mas como não consegui me identificar com os personagens a leitura desse livro não conseguiu me causar nenhum arrebatamento ou vontade de tornar a lê-lo.

Banana Yoshimoto escreve bem e tem uma escrita por vezes profunda, lírica e bonita. A passagem que citei logo no começo dessa resenha é uma das mais belas e metafóricas e me inspirou bastante, contudo é a rotina de Maria, a narrativa repleta de repetitivos passeios, noites estreladas, dias de febre alta de Tsugumi e pores do sol que me causou monotonia.

Por ser é uma ficção realista pintado com tons de nostalgia, a realidade é que Tsugumi é verossímil demais, sem que seus personagens pareçam de fato reais. Todos que cercam Tsugumi são para mim calmos, pacientes e resignados demais com as travessuras da menina. Já aprendi que essa natureza serena e resignada dos japoneses é pura estereotipia. Eles são pessoas de carne e osso, e mais parecidos conosco do que se julga. Diferenças culturais são óbvias, mas há muito de ocidental no Japão moderno e, por isso, me custa acreditar que apenas porque Tsugumi era doente todos seriam assim tão pacientes e resignados diante de suas brincadeiras cruéis, de sua falta de noção e de educação.

Não digo que Tsugumi seja um livro ruim. Ele possui uma qualidade literária muito grande e o que mais gostei foi do seu tom poético, mas foram os personagens que não me cativaram. 

Tsugumi é um livro que dá pleno destaque as suas personagens femininas e cujo protagonismo é dividido entre mais de uma personagem. Tsugumi, Maria e Yoko cumprem o papel de uma tríade de protagonistas, no qual, no entanto, Maria e Tsugumi possuem o maior destaque dentro da narrativa.

Das três Tsugumi tem a personalidade mais forte. Ela é descrita com uma beleza estonteante que contrasta com a debilidade de sua saúde, porém, para se sobrepor a fragilidade de seu corpo, ela age de forma espontânea, impulsiva e até agressiva como se a todo momento exigisse de si mesma a energia para viver e isso se manifestasse na forma de traquinagens e atos impulsivos e irresponsáveis. Yoshimoto desenha uma personagem forte e determinada apesar de grosseira, altiva e mal-educada.

Maria e Yoko, por sua vez, possuem temperamentos mais brandos do que a de Tsugumi. Maria é ativa e forte, poética e determinada, mas também é bem mais responsável e sensata do que a prima. Yoko, por ser a mais velha, é madura e responsável, mas também frágil e chorosa. Na tríade ela é a mais apática e passiva, mas se revela uma boa amiga e uma irmã paciente e preocupada.

Esses três personagens foram muito bem construídos por Yoshimoto, mas os demais (os pais de Maria, a mãe de Yoko e Tsugumi, e, por fim, Kyoichi, o rapaz que se encontra na cidade durante o verão) não são muito convincentes. Mesmo Yoko não me convenceu o bastante. Digo isso por culpa de Tsugumi. Os atos da garota são revoltantes e de uma falta de educação e consideração que ultrapassam os limites do bom senso, mas todos a sua volta se mantêm resignados e aceitam-na como se fosse essa a única possibilidade. Foi essa resignação inverossímil que os fazem aceitar Tsugumi como ela é com pouca ou até sem nenhuma reclamação que os tornou, para mim, distantes da realidade. Excetuando Maria, parece que o pai de Tsugumi é a única exceção, o único a se revoltar – mesmo que silenciosamente –, mas ele é inativo na narrativa e quase não é mencionado.

Sou sincero em dizer que não gostei e nem me senti ligado aos personagens de Yoshimoto e, por consequência, também não me senti ligado ao livro.

Sinto que o propósito da escritora com seu livro é falar de nostalgia e recordações, mas também da possibilidade da morte e como cada um de nós reagimos a ela.

A primeira dessas percepções está ligada ao tom da obra e se confirma no epílogo do livro escrito pela autora. Tsugumi possui um tom nostálgico de uma recordação de um tempo perdido e impossível de ser recuperado. É como o resultado de alguém que mudou de vida deixando para trás a anterior, mas que por um curto período de tempo a resgata e se agarra a esta lembrança.

Maria viveu toda a sua vida naquela cidadezinha pesqueira e se sente ligada ao mar e as pessoas que ali vivem, por isso, ao se mudar para Tóquio ela se sente um tanto deslocada e a falta daquele lugar a acompanha. As férias de verão é uma oportunidade de reencontrar o passado recente, bem como de se despedir dele para aceitar um futuro em diferente que será construído em outro lugar.

Porém, é quando se lê o epílogo do livro que o leitor percebe que o significado dessa nostalgia é bem mais profundo. Yoshimoto inspira-se em sua própria experiência pessoal para escrever e compõe o livro com o objetivo de “registrar o estado de ócio” dos verões que ela costuma passar com a sua própria família numa localidade da costa de Izu e que serve de inspiração a sua trama. Ela resolve escrever uma trama que lembrasse aos seus os momentos em que viveram juntos, e que lhes fosse possível recordar a maresia, os passeios na praia, os banhos de mar.

Mas a outra temática é a possibilidade da morte. Tsugumi tem uma saúde frágil e debilitada, por conta disso o tema da morte lhe é rotineiro e uma sombra que paira sobre sua vida. A todo momento temos a perspectiva de que ela não sobreviverá. Porém, Tsugumi tem um posicionamento em relação a vida surpreendente: ela não se abate, não se faz de vítima, usa até o último fôlego de suas energias, não se sente deprimida e nem parece ter medo do fim, ela o aceita, mas, ao mesmo tempo, luta para viver de forma intensa cada um dos momentos mais banais ou sublimes de sua vida. Ela os vive ao seu modo e gosto, mas os vive sem arrependimentos. Trata-se de uma posição muito positiva em relação a vida e um desejo intenso de vivê-la. Esse aspecto é tão notável dentro da trama que me custa entender porque não me senti ligado a personagem.

Em conclusão: narração e escrita

Fotografia da edição produzida por Eric Silva em dezembro de 2018.
A narração se dá em primeira pessoa e é bastante linear, porém Maria usa de lembranças do passado que nos ajudam a compreender melhor sua vida passada e o temperamento de Tsugumi. Esses poucos e breves flashes se tornam, então, essenciais para a construção dos personagens e o entendimento de como vivem suas vidas. Mas os dois aspectos que mais marcar a narração e por consequência a escrita de Yoshimoto é o lado sensorial da história e a poética de sua escrita.

Apaixonada pelo mar Maria conduz uma narração bastante sensorial na qual os sentidos do olfato, do tato e da visão são constantemente invocados. Yoshimoto escreve cenas cheias de elementos naturais e poéticos e faz com que sensações como o cheiro da maresia sobretudo se torne um elemento desencadeador de lembranças e marcante na vida dos personagens. Do outro lado, ela também escreve a monotonia e tardes mornas cheias de poesia e lirismo, e este que é um livro intimista e sem grandes ápices se torne também muito poético, como nessa passagem à onde ele fala de noites estranhas e de sonhos:

"Às vezes a noite usa dessas pequenas artimanhas. O ar atravessa lentamente escuridão e, num local bem longínquo, encontra alguém com o mesmo estado de espírito formando uma estrela cadente que cai em suas mãos fazendo-o despertar. As duas pessoas sonham o mesmo sonho. Isso tudo ocorre durante a noite é uma sensação única. Na manhã seguinte, o que ocorreu se torna ambíguo e se confunde com a luz. Esse tipo de noite é longa. É eterna e brilhante como uma pedra preciosa."

Por fim, acrescento que o texto é fluido e a leitura muito rápida, sobretudo por conta dos capítulos pequenos (em geral 15 páginas) e por conta de uma escrita bem estruturada e com uma tradução impecável e numa linguagem acessível. Elogio ainda a edição que está belíssima e com notas de rodapé que economizam a pesquisa de termos japoneses que aparecem na trama com relativa frequência.

O desfecho surpreende porque nos dá uma possibilidade de esperança, mas não é um grande final. Yoshimoto prefere seguir o mesmo ritmo de toda a trama e fechar seu livro sem nenhuma grande reviravolta, mas com a expectativa de mudanças que estão por vir na vida de seus personagens.

A edição lida é da Editora Estação Liberdade, do ano de 2015 e possui 184 páginas.

Sobre o autor

Nascida em 24 de julho de 1964, em Tóquio, Banana Yoshimoto (よしもと ばなな) é o pseudônimo de Mahoko Yoshimoto.

Filha do filósofo, poeta e crítico literário Takaaki Yoshimoto, Banana é uma escritora contemporânea japonesa. Formou-se pela faculdade de Artes da Universidade Nihon, especializando-se em Literatura. Durante essa época, tomou para si o pseudônimo "Banana", por causa de seu amor por flores de bananeira.

Seu romance de estreia, Kitchen, foi um sucesso instantâneo no Japão e foi adaptado duas vezes para o cinema. Em novembro de 1987, recebeu o sexto Prêmio Kaien de Novos Escritores e o Prêmio Umitsubame de Primeiro Romance, bem como o décimo sexto Prêmio Literário Izumi Kyoka, em janeiro de 1988.

Alguns críticos dizem que muito de seu trabalho é superficial e comercial, mas seus fãs pensam que Banana Yoshimoto consegue capturar perfeitamente o que significa ser jovem e frustrado no Japão moderno. Os dois principais temas de sua obra, segundo a própria autora, são "a exaustão da juventude no Japão contemporâneo" e "a maneira como experiências terríveis modificam a vida de uma pessoa".

Preview do Issuu

Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível no Issuu.


Booktrailer





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