Por Eric Silva para o Especial Zafón
12 de dezembro de 2020
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Resenha
Publicado em 2012 pela
revista Magazine y Diário de Ibiza[1],
só um ano depois após o lançamento de O
Prisioneiro do Céu, Rosa de Fuego
é um pequeno conto pertencente à série do Cemitério dos Livros Esquecidos e que fora
escrito em comemoração ao Dia do Livro naquele ano.
Apesar de nunca ter sido
traduzido para o português, assim como outras histórias curtas do autor, Rosa de Fuego pode ser considerada como
marco inicial na cronologia da série por fazer um longo retrocesso no tempo até
o ano de 1454 para contar as origens mais remotas do intrincado labirinto que
daria origem ao cemitério de livros, um velho e secreto palacete barcelonês
onde ao longo de séculos foram escondidos milhares de livros, desde obras raras
ou desconhecidas até aqueles tomos que precisaram ser protegidos em tempos
ditatoriais e de censura.
O Cemitério dos Livros
Esquecidos funciona como um importante personagem dentro d atrama da série
iniciada com A Sombra do Vento e é citado em todos os livros que compõe a
tetralogia. No entanto, sua origem é totalmente desconhecida e permanece na
obscuridade durante toda a série. Não obstante, em Rosa de Fuego Zafón dá as primeiras indicações da origem do
colossal templo literário, a catedral de livros que muito atiçou o fascínio e
curiosidade dos personagens e leitores de Zafón.
Como se trata de um relato
brevíssimo (perto de 10 páginas) dividido em sete capítulos de aproximadamente
uma página, é muito difícil resenhá-lo sem dar spoilers consideráveis, mas em resumo, o enredo gira entorno
de um dos mais antigos antepassados da família Sempere, o impresor (impressor) Raimundo de Sempere, o inquisidor Jorge de
Léon e o misterioso e quase forasteiro Edmond de Luna, um construtor
barcelonês de labirintos que fizera fama
em terras estrangeiras.
A história se passa logo
depois que uma praga de febre quase havia dizimado a população de Barcelona
durante o inverno de 1454 e, por conta da epidemia, a cidade catalã havia sido
selada pelo Santo Oficio, cujas investigações (nem um pouco imparciais) haviam
apontado a origem da moléstia um poço próximo ao bairro judio de Call de
Sanaüja, supostamente envenenado pelos semitas ali residentes, o que valeu aos
judeus a expropriação de seus bens e o descarte de seus corpos em um pântano.
Enquanto isso, os cadáveres dos mortos pela febre perniciosa se acumulavam nas
fogueiras ascendidas pelas ruas para incineração.
É em meio a este cenário
desolador que uma embarcação arruinada chega ao porto de Barcelona trazendo em
seu interior uma dúzia de sarcófagos e um único sobrevivente: Edmond de Luna,
um engenheiro “hacedor de labirintos”
que trazia consigo apenas uma relíquia e um diário de bordo que continha a sua
história e a do objeto que portava consigo.
Imediatamente após o seu
resgate, Edmond é entregue aos oficiais do Santo Ofício sob o comando do
ambicioso inquisidor Jorge de Léon. Como o caderno encontrado com Edmond se
encontrava escrito em um idioma desconhecido ao inquisidor, Léon confia a
tarefa de traduzir os escritos do engenheiro ao impressor Raimundo de Sempere e
o que este encontra naquele diário leva a cidade a um segundo suplício, desta
vez de fogo e cinzas. A partir daqui é melhor eu não contar mais nada.
O conto de Zafón vai para
o gênero fantástico ou de fantasia até então pouco explorado pelo autor na série, mas
que é figura carimbada em seus livros da Trilogia da Névoa. Contudo, o estilo usado é muito distinto daquele que
encontramos no segundo romance da série, O Jogo do Anjo, que não é só gótico como trata de elementos sobrenaturais. Por isso, Rosa de Fuego está mais próximo das
narrativas da supracitada Trilogia da Névoa, do que de sua série original. Ainda assim, acho que ela se enquadraria melhor
entre as narrativas de fantasia que utilizam o mundo medieval como cenário, unindo elementos reais com aqueles de
natureza mítica, o que faz com que este conto faça uma curva e se distancie
bastante da matéria do qual é feita a série do Cemitério dos Livros
Esquecidos e se aproxime do
estilo mágico-sobrenatural de O Príncipe da Névoa e O Palácio da Meia-noite, sem, no entanto, ter temáticas, cenários, período e
nível linguístico dos mesmos.
A mim parece que o autor
quis dar um tom mais fantástico para a origem do misterioso e secreto palácio
de livros para assim acrescentar o gênero fantasia à hibridização de gêneros
que marca suas obras. Mas a pesar disso, o que mais chamou a minha atenção no
conto foram suas referências históricas ao período medieval barcelonês que
muito bem conheci com a leitura de outro livro, A Catedral do Mar do também hispânico Ildefonso Falcones. Neste bildungsroman, termo alemão para designar o romance de formação ou
de aprendizagem, Falcones faz um verdadeiro panorama histórico-cultural e
social da Idade Média catalã e faz referências muito próximas daquelas que
foram feitas em Rosa de Fuego por
Zafón. Alguns desses pontos de semelhança são as referências ao trabalho
parcial e tendencioso das autoridades do Tribunal do Santo Ofício, à
perseguição religiosa e fanática aos judeus e às constantes epidemias que, vez
por outra, dizimavam parte da população e cujas origens, quase sempre, eram
atribuídas a desígnios divinos ou a suposta vilania dos judeus – odiados pelos
cristãos por fazerem parte do povo que julgou e condenou Cristo ao flagelo da
cruz.
Quanto ao estilo, Zafón
preserva neste conto toda a estética linguística e literária com o qual
descreveu sua Barcelona feita de vapor nos romances da referida série. Mais do
que isso, ler este conto em seu idioma original reforçou em mim a certeza que a
tradução para o português muito bem representou o estilo do autor, suas
construções metafóricas cheias de “arabescos” e seus jogos inusitados de
palavras que caracterizam seu estilo.
Infelizmente, para aqueles
que não dominam o espanhol, os contos de Zafón nunca foram traduzidos para o
português (nem mesmo para o lusitano, ao que me parece) e o conto, apesar de se
encontrar gratuitamente em forma digital nas plataformas brasileiras da Amazon
e do Google Play, está em espanhol. A esperança de tê-los traduzidos, porém
surgiu em novembro quando foi lançado na Espanha o livro La Ciudad de Vapor, uma coletânea que reúne todos os contos publicados
do autor e alguns ainda inéditos.
O livro não tem previsão
de publicação no Brasil, mas como se trata de uma obra póstuma que homenageia o
autor, e tendo sido toda a sua obra traduzida anteriormente em terras
tupiniquins, é plausível afirmar que em breve teremos nossa versão traduzida de
Rosa de Fuego e de outras dez
narrativas que compõe o livro, dentre elas outro conto (quase uma novela) que
ainda estou lendo: El Príncipe de Parnaso.
Então, até lá sugiro um
bom dicionário (o meu é da Real Academia Española) e um pouco de esforço (bem
recompensado e não tão grande haja vista o tamanho reduzido do conto) e
saboreie o original em castelhano.
A edição lida é digital,
distribuída gratuitamente pela Vintage Español, uma divisão da Random House. O
conto tem aproximadamente 10 páginas e é do ano de 2012.
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