Eric Silva
Quem lê Agatha Christie
sabe porque a autora é chamada de a rainha
do crime. São poucos os autores de romances policiais que se aproximam de
sua genialidade em compor uma trama intricada, um mistério aparentemente irresolvível
ou cegar o seu leitor para que ele não enxergue o que é obvio. Tive provas
destes fatos quando li A Mansão Hollow (The
Hollow, 1946) e Um Gato entre os Pombos (Cat Among the Pigeons, 1959) ambos com o
detetive belga Hercule Poirot. Hoje, estou aqui para falar de mais um Christie, de mais um dos seus celebres
casos policiais. Impressiona-me a forma como Agatha consegue levar até as
últimas páginas o mistério de quem é o assassino, de quais eram suas reais
intensões e nos faz suspeitar de todos, mesmo quando álibis muito consistentes
são apresentados.
Minha última leitura de
Agatha foi Treze à Mesa publicado pela
autora ainda no ano de 1933 com o nome original de Lord Edgware Dies, ou literalmente A morte de Lord Edgware. Narrado em primeira pessoa, é pela voz do
amigo inseparável de Poirot, o capitão Hastings, que ficamos sabendo de toda a trama
acompanhado de sua impressão dos fatos, das atitudes tomadas pelos demais personagens
ora nos dando pistas pelas suas observações, ora nos desviando sem querer da trilha
do assassino.
Poirot e Hastings assistiam
em um teatro londrino à apresentação do espetáculo da atriz americana Carlota
Adams, que fazia no momento um sucesso estrondoso nos palcos ingleses. Em sua exibição
a Carlota encenava uma série de esquetes – peças de curta duração e de caráter
cômico – que finalizava com a imitação de pessoas famosas do cinema, entre elas
Jane Wilkinson, outra atriz de grande fama entre os ingleses e que por
coincidência se encontrava na plateia assistindo a encenação na companhia de
outro astro, o ator Bryan Martin. Hastings não deixa de notar a presença de
Jane na casa e se surpreende com a forma bem humorada como ela assiste à sua
imitante.
Após o término da
apresentação Poirot e Hastings seguem para jantar no luxuoso hotel Savoy onde,
por coincidência – se é que elas existem nas narrativas de Christie –,
encontram Jane, Bryan e outros dois convivas e também Carlota Adams em
companhia de um rapaz. Ao reconhecer Poirot Jane Wilkinson se aproxima dos dois
amigos para cumprimentá-los e solicita uma entrevista com Poirot, ali mesmo no
seu apartamento onde receberia também seus acompanhantes e Carlota com seu
companheiro para um jantar. Hastings deixa transparecer em sua narrativa a
forma impetuosa com que Jane levantou-se e dirigiu-se aos dois imprimindo
claramente a urgência com o qual precisava falar com o detetive.
Antes que todos se
dirigissem ao apartamento, a atriz conduz Poirot e Hastings para seus aposentos
e lá esclarece aos dois que o motivo de sua urgência em fala-los era a
necessidade imperativa de livrar-se de
seu marido, o barão Edgware. Jane conta o seu desejo de divorciar-se do barão
para casa-se com outro nobre inglês, o Duque de Merton, e da recusa de seu
marido em conceder-lhe a separação. Por isso a atriz tenta convencer a Poirot a
advogar pela sua causa junto ao Lord Edgware e persuadi-lo a aceitar o
divórcio. Mostra-se inclusive disposta a ir ao extremo de cometer um homicídio
para alcançar o que desejava.
“Levantou-se, apanhou o abrigo branco e ficou parada, com uma expressão suplicante no rosto. Escutei um rumor de vozes no corredor. A porta estava entreaberta.
— Caso contrário... — continuou ela.
— Caso contrário, Madame?
Deu uma risada.— Terei de chamar um táxi e ir dar cabo dele pessoalmente”.
Mesmo relutante Poirot
aceita a causa e passa ali parte da noite em companhia dos convidados da atriz
que chegam logo após o término da entrevista.
Cena do crime em versão para a televisão
dirigido por Brian Farnham. No
canto esquerdo, Poirot interpretado
por David Suchet. Fonte: Investigating
Agatha Christie's Poirot
|
Mais à frente, Poirot
consegue obter uma entrevista com o barão Edgware e este lhe revela algo
inesperado: ele estava disposto a conceder a separação à esposa e que, inclusive,
já havia há algum tempo escrito uma carta avisando-a de sua intenção. Diante daquilo
Poirot e Hastings vão ao encontro de Jane e dão lhe as boas novas que ela
recebe com alegria. O caso estava resolvido! Era ao menos o que Poirot
considerava.
No dia seguinte o
detetive é surpreendido com a vista do inspetor Japp. Lord Edgware havia sido
encontrado morto em sua biblioteca apunhalado na nuca e a principal suspeita
era a própria Jane Wilkinson com quem o barão havia se encontrado horas antes
de ser descoberto morto. Mas Poirot não se convence da suposição da polícia,
afinal, como Jane poderia ter assassinado o marido no mesmo momento em que
estivera em um jantar na companhia de mais de uma dezena de pessoas? Haviam
muito mais mistérios naquela morte do que a polícia imaginava.
Treze à Mesa é uma trama de muitos enganos capazes até mesmo de confundir a própria
genialidade do mais famoso detetive de Agatha Christie. Cheia de pistas e fatos
aparentemente desconexos que nos deixam a todo momento inseguros em apontar um
possível assassino. Saltamos de um forte candidato a outro à medida que novas
pistas são reveladas. Descartamo-los e voltamos a reconsiderá-los. Todos tem
motivos de sobra para matar o barão que aos poucos é revelado como um homem
odioso e com vários desafetos.
Mas mais surpreendente
ainda é o desfecho inusitado em que nos é revelado a forma como tudo foi feito:
uma trama intrincada, um crime quase perfeito e ousado, digno de um gênio do
crime. Inimaginável para nós que contávamos apenas com algumas poucas pistas
soltas. Digo que o ponto mais forte da história é, com certeza, o seu desfecho:
a ousadia dos métodos do criminoso que por muito pouco não saiu impune.
Contudo Treze à Mesa tem também seus pontos
problemáticos para quem o lê em nossa época.
Foto de pince-nez, antigo modelo de óculos usado entre
os séculos de XV e XX. Fonte: Wikimedia Commons
|
A edição lida é da Editora
Nova Fronteira, com 166 páginas, tradução de Milton Persson.
Nenhum comentário:
Postar um comentário