sábado, 12 de dezembro de 2020

[Especial Zafón] Rosa de Fuego (conto) - Carlos Ruiz Zafón - Resenha

 Por Eric Silva para o Especial Zafón

12 de dezembro de 2020

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Conto breve que remota às origens do Cemitério dos Livros Esquecidos, Rosa de Fuego retrocede até a Barcelona do século XV, em meio a tragédia de uma praga de febre e das atrocidades cometidas pelo Tribunal do Santo Ofício, para contar como tudo começou e como chegou a um dos primeiros membros da família Sempere a semente que originaria o lendário e labiríntico palácio feito de livros que povoa as narrativas da série que leva seu nome. Uma história curta e de cunho fantástico que até então nunca foi traduzido para o português e que compõe o livro póstumo do autor, La Ciudad de Vapor.

Confira a resenha de mais esta obra em mais uma postagem do projeto do Especial Zafón, que faz um raio-X de toda a obra publicada do autor.

Resenha

Publicado em 2012 pela revista Magazine y Diário de Ibiza[1], só um ano depois após o lançamento de O Prisioneiro do Céu, Rosa de Fuego é um pequeno conto pertencente à série do Cemitério dos Livros Esquecidos e que fora escrito em comemoração ao Dia do Livro naquele ano.

Apesar de nunca ter sido traduzido para o português, assim como outras histórias curtas do autor, Rosa de Fuego pode ser considerada como marco inicial na cronologia da série por fazer um longo retrocesso no tempo até o ano de 1454 para contar as origens mais remotas do intrincado labirinto que daria origem ao cemitério de livros, um velho e secreto palacete barcelonês onde ao longo de séculos foram escondidos milhares de livros, desde obras raras ou desconhecidas até aqueles tomos que precisaram ser protegidos em tempos ditatoriais e de censura.

O Cemitério dos Livros Esquecidos funciona como um importante personagem dentro d atrama da série iniciada com A Sombra do Vento e é citado em todos os livros que compõe a tetralogia. No entanto, sua origem é totalmente desconhecida e permanece na obscuridade durante toda a série. Não obstante, em Rosa de Fuego Zafón dá as primeiras indicações da origem do colossal templo literário, a catedral de livros que muito atiçou o fascínio e curiosidade dos personagens e leitores de Zafón.

Como se trata de um relato brevíssimo (perto de 10 páginas) dividido em sete capítulos de aproximadamente uma página, é muito difícil resenhá-lo sem dar spoilers consideráveis, mas em resumo, o enredo gira entorno de um dos mais antigos antepassados da família Sempere, o impresor (impressor) Raimundo de Sempere, o inquisidor Jorge de Léon e o misterioso e quase forasteiro Edmond de Luna, um construtor barcelonês  de labirintos que fizera fama em terras estrangeiras.

A história se passa logo depois que uma praga de febre quase havia dizimado a população de Barcelona durante o inverno de 1454 e, por conta da epidemia, a cidade catalã havia sido selada pelo Santo Oficio, cujas investigações (nem um pouco imparciais) haviam apontado a origem da moléstia um poço próximo ao bairro judio de Call de Sanaüja, supostamente envenenado pelos semitas ali residentes, o que valeu aos judeus a expropriação de seus bens e o descarte de seus corpos em um pântano. Enquanto isso, os cadáveres dos mortos pela febre perniciosa se acumulavam nas fogueiras ascendidas pelas ruas para incineração.

É em meio a este cenário desolador que uma embarcação arruinada chega ao porto de Barcelona trazendo em seu interior uma dúzia de sarcófagos e um único sobrevivente: Edmond de Luna, um engenheiro “hacedor de labirintos” que trazia consigo apenas uma relíquia e um diário de bordo que continha a sua história e a do objeto que portava consigo.

Imediatamente após o seu resgate, Edmond é entregue aos oficiais do Santo Ofício sob o comando do ambicioso inquisidor Jorge de Léon. Como o caderno encontrado com Edmond se encontrava escrito em um idioma desconhecido ao inquisidor, Léon confia a tarefa de traduzir os escritos do engenheiro ao impressor Raimundo de Sempere e o que este encontra naquele diário leva a cidade a um segundo suplício, desta vez de fogo e cinzas. A partir daqui é melhor eu não contar mais nada.

O conto de Zafón vai para o gênero fantástico ou de fantasia até então pouco explorado pelo autor na série, mas que é figura carimbada em seus livros da Trilogia da Névoa. Contudo, o estilo usado é muito distinto daquele que encontramos no segundo romance da série, O Jogo do Anjo, que não é só gótico como trata de elementos sobrenaturais. Por isso, Rosa de Fuego está mais próximo das narrativas da supracitada Trilogia da Névoa, do que de sua série original. Ainda assim, acho que ela se enquadraria melhor entre as narrativas de fantasia que utilizam o mundo medieval como cenário, unindo elementos reais com aqueles de natureza mítica, o que faz com que este conto faça uma curva e se distancie bastante da matéria do qual é feita a série do Cemitério dos Livros Esquecidos e se aproxime do estilo mágico-sobrenatural de O Príncipe da Névoa  e O Palácio da Meia-noite, sem, no entanto, ter temáticas, cenários, período e nível linguístico dos mesmos.

A mim parece que o autor quis dar um tom mais fantástico para a origem do misterioso e secreto palácio de livros para assim acrescentar o gênero fantasia à hibridização de gêneros que marca suas obras. Mas a pesar disso, o que mais chamou a minha atenção no conto foram suas referências históricas ao período medieval barcelonês que muito bem conheci com a leitura de outro livro, A Catedral do Mar do também hispânico Ildefonso Falcones. Neste bildungsroman, termo alemão para designar o romance de formação ou de aprendizagem, Falcones faz um verdadeiro panorama histórico-cultural e social da Idade Média catalã e faz referências muito próximas daquelas que foram feitas em Rosa de Fuego por Zafón. Alguns desses pontos de semelhança são as referências ao trabalho parcial e tendencioso das autoridades do Tribunal do Santo Ofício, à perseguição religiosa e fanática aos judeus e às constantes epidemias que, vez por outra, dizimavam parte da população e cujas origens, quase sempre, eram atribuídas a desígnios divinos ou a suposta vilania dos judeus – odiados pelos cristãos por fazerem parte do povo que julgou e condenou Cristo ao flagelo da cruz.

Quanto ao estilo, Zafón preserva neste conto toda a estética linguística e literária com o qual descreveu sua Barcelona feita de vapor nos romances da referida série. Mais do que isso, ler este conto em seu idioma original reforçou em mim a certeza que a tradução para o português muito bem representou o estilo do autor, suas construções metafóricas cheias de “arabescos” e seus jogos inusitados de palavras que caracterizam seu estilo.

Infelizmente, para aqueles que não dominam o espanhol, os contos de Zafón nunca foram traduzidos para o português (nem mesmo para o lusitano, ao que me parece) e o conto, apesar de se encontrar gratuitamente em forma digital nas plataformas brasileiras da Amazon e do Google Play, está em espanhol. A esperança de tê-los traduzidos, porém surgiu em novembro quando foi lançado na Espanha o livro La Ciudad de Vapor, uma coletânea que reúne todos os contos publicados do autor e alguns ainda inéditos.

O livro não tem previsão de publicação no Brasil, mas como se trata de uma obra póstuma que homenageia o autor, e tendo sido toda a sua obra traduzida anteriormente em terras tupiniquins, é plausível afirmar que em breve teremos nossa versão traduzida de Rosa de Fuego e de outras dez narrativas que compõe o livro, dentre elas outro conto (quase uma novela) que ainda estou lendo: El Príncipe de Parnaso.

Então, até lá sugiro um bom dicionário (o meu é da Real Academia Española) e um pouco de esforço (bem recompensado e não tão grande haja vista o tamanho reduzido do conto) e saboreie o original em castelhano.

A edição lida é digital, distribuída gratuitamente pela Vintage Español, uma divisão da Random House. O conto tem aproximadamente 10 páginas e é do ano de 2012.

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[1]https://es.wikipedia.org/wiki/Rosa_de_fuego.

domingo, 29 de novembro de 2020

[Especial Zafón] O Palácio da Meia-noite - Carlos Ruiz Zafón - Resenha

 

Por Eric Silva para o Especial Zafón

21 de agosto de 2020

Citação

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Cinematográfico e pirotécnico, o segundo livro juvenil escrito por Carlos Ruiz Zafón viaja até a quente e misteriosa cidade de Calcutá para contar uma história sobre amizade, família e orfandade povoada de segredos do passado e assombrada por um poderoso e perverso espírito de fogo que mesmo depois de décadas ainda espalha sobre a vida de muitos a sua fúria destrutiva e seu desejo implacável de vingança.

Confira a resenha de O Palácio da Meia-noite (El Palacio de la Medianoche), mais uma obra do escritor barcelonês resenhado para o Especial Zafón.

Sinopse do enredo

Maio de 1916, Calcutá, Índia.

Acossado por um assassino implacável e sobre-humano, o tenente do Exército Britânico, Peake, corta a noite úmida e escura da cidade indiana carregando consigo uma carga preciosa: dois bebês recém-arrancados das unhas de seu perseguidor – o diabólico Jawahal.

Em clara desvantagem em relação a seus adversários, o tenente percorre as ruelas da cidade negra, como era chamada a zona norte de Calcutá, até alcançar o velho casarão bengali onde vivia Argami Bosé, a última anciã da família Bosé e avó das duas crianças. Era preciso entregar-lhe os gêmeos, avisar-lhe da morte de seus pais e do perigo que as crianças e também ela corriam, o que ele felizmente consegue fazer antes de se entregar ao seu destino certo enquanto tentaria, por fim, despistar seu poderoso rival.

Sozinha com duas crianças pequenas e sabendo dos riscos que corriam, a velha matriarca não tem tempo para chorar a perda de sua única filha, mãe dos gêmeos, ou de seu genro, e resolve partir o quanto antes de Calcutá. No entanto, sabendo do perigo e das dificuldades de manter os irmãos juntos a ela, Argami resolve deixar para trás uma das crianças, entregando o menino aos cuidados de um velho amigo de seu falecido esposo, o inglês Thomas Carter, administrador do orfanato St Patrick’s, onde a identidade da criança se matéria incógnita, e partiu, levando consigo a menina, ainda que a estratagema não fosse o suficiente para apagar todos os rastros das duas crianças.

Dezesseis anos se passam e vivendo como órfão, Benjamin (Ben) está próximo de completar ele também seus 16 anos, idade na qual terá que deixar o orfanato com seus amigos mais próximos: Isobel, Roshan, Siraj, Michael, Seth e Ian. Juntos eles haviam formado, anos antes, um clube secreto, a Chowbar Society, cujas reuniões aconteciam à meia-noite em um velho e decadente palacete abandonado e por eles apelidados de “o Palácio da Meia-noite”, em alusão ao horário das reuniões. Muito unidos, ali, os jovens juraram ajudar-se mutuamente, garantindo a ajuda, o apoio e a proteção incondicional um dos outros, além de compartilharem entre si os conhecimentos que possuíssem.

No entanto, com a proximidade do décimo sexto aniversário de ingresso de Bem ao orfanato, a Chowbar Society se prepara para ser desfeita e ter suas últimas reuniões antes que Ian embarque para a Inglaterra, onde pretende estudar medicina, e que os demais tomem cada um seu próprio rumo na vida incerta que os esperava fora dos muros de St Patrick’s.

Contudo, após conhecerem a delicada e inteligente Sheere, as coisas começam a mudar rapidamente e eventos estranhos começam a acontecer no velho orfanato, fazendo emergir os segredos de um passado de dor e violência e prenunciando o retorno de um antigo inimigo feito de maldade, fúria e fogo.

Resenha

De todos os livros que já li de Zafón para o projeto do especial que leva seu nome, O Palácio da Meia-noite foi a obra que menos me cativou, que menos me envolveu em sua leitura e em seus mistérios tão infantis (talvez tão infantis quanto os presentes em O Príncipe da Névoa, mas aquele lá me agradou bem mais). Todavia é natural que isso aconteça com qualquer leitor fã de um dado escritor, e eu não me encontre isento disso, ainda que goste muito do autor, de sua escrita e da qualidade de suas narrativas. Também foi seu livro mais famoso, A Sombra do Vento, a inspiração para o projeto principal do nosso blog, a Campanha Anual de Literatura (CALCT), que já teve três edições desde 2016, mas infelizmente foi interrompido em 2019, no começo de sua quarta edição adiada para 2021. Ainda assim, gostar de um autor, não significa gostar de toda a sua obra. Abdiquemos então dos fanatismos sempre desnecessários, prejudiciais e que nada agregam, mas que, no entanto, costumam dividir e criar desarmonia. Mas voltando ao texto….

Há pouco mais de um mês (contando a data em que redijo a primeira versão desta resenha) entrei em contato com O Príncipe da Névoa, a primeira obra juvenil do autor barcelonês. Apesar de considerar esta obra de qualidade abaixo da obra mais madura do autor, teci vários elogios na resenha que escrevi sobre o livro, sobretudo porque o autor conseguiu criar personagens maduros e um desfecho um tanto incomum ao gênero; por fazer referências históricas que fizeram de um dos personagens juvenis um convocado à segunda grande guerra (ainda que o tema seja tratado com leveza) e, por fim, por optar por um terror não muito infantil (ainda que o seja) e que agora me parece ainda mais familiar com o estilo de Stephen King, sem, no entanto, ser propriamente similar ou copiado.

O que se pode julgar das minhas impressões sobre O Príncipe da Névoa, antecessor de O Palácio da Meia-noite, é que o livro de Zafón foi para mim agradável e estimulante, mas não está entre as grandes obras que entraram para o seleto grupo de meus livros preferidos, onde tem lugar cativo o já citado A Sombra do Vento, e obras de outros atores, a exemplo de A Catedral do Mar,  do também espanhol Ildelfonso Falcones, Admirável Mundo Novo de Huxley, Os Miseráveis, do francês Victor Hugo, As Mil e Uma Noites, principal obra da literária árabe, e, por fim, no universo literário nacional, O Caçador, de Ana Lúcia Merege, Capitães da Areia, de Jorge Amado, e Meu Pé de Laranja-lima, obra infantojuvenil consagrada de José Mauro de Vasconcelos. O Palácio da Meia-noite, por seu turno, fica ainda mais distante deste grupo de meus favoritos.

Como se vê, meu gosto é bem eclético, indo do clássico ao infantojuvenil, mas em termos de gênero temático tende sobretudo para o drama. Mas isso não me fez gostar de O Palácio da Meia-noite, que me agradou bem menos do que seu antecessor, sobretudo pela forma como sua narrativa foi construída e conduzida. O seu enredo em si não me atraiu e a verdade é que achei a simplicidade de O Príncipe da Névoa mais atraente do que o desenvolvimento da narrativa ambientada entre ruínas, palácios e ruas empoeiradas de uma Calcutá escaldante e ainda sob domínio britânico (e aqui vejo agora algumas similaridades com os cenários decadentes da Barcelona franquista onde se ambienta A Sombra do Vento).

Assim como em outros dos seus romances, Zafón dá destaque a uma cidade secular e envolta de mistérios ao escolher como cenário de sua narrativa a quente e populosa Calcutá, a atual capital do estado indiano de Bengala Ocidental, situada às margens do rio Hooghly, ao lado do qual, na história de Zafón fora erguida uma suntuosa e engenhosa estação ferroviária feita de aço e vidro, mas que fora destruída no dia de sua inauguração por um monstruoso incêndio que vitimou não só o engenheiro idealizador do projeto, como centena de crianças órfãs que participariam da viagem inaugural. O nome da estação era Jheeter’s Gate, cujas ruínas se destacavam sombriamente na paisagem como uma ferida na cidade. 

Calcutá em 1945. Wikimedia Commons.


As descrições que ele faz de Calcutá lembram de certa forma o que Zafón faria mais tarde em A Sombra do Vento ao construir a atmosfera melancólica e tensa da Barcelona franquista dos anos de 1960. Com parte da minucia que é característica do autor, ele descreve as divisões da cidade, seus guetos e áreas de maior presença colonialista, mas, provavelmente por conta de seu público-alvo ou da pouca maturidade de escritor em começo de carreira, não dá ao romance o peso criativo e a vivacidade narrativa que fez com que Barcelona se despisse ante os olhos de seus leitores tal como ela era na década de 60. E suspeito que falar sobre terras estrangeiras tenha sido também motivo para a menor força descritiva de seu livro juvenil. Ainda que Calcutá se torne visível e compreensível em O Palácio da Meia-noite, não consegui me sentir na Índia, tal como me senti caminhar à noite pelas ramblas barcelonesas com suas luzes vaporosas na companhia soturna de Daniel e Fermín em busca do paradeiro de Carax.

Talvez meu desalento com O Palácio da Meia-noite tenha sido efeito da falta de algumas características e marcas culturais das terras indianas que povoam o imaginário e senso comum ocidental, mas que facilmente nos remeteriam àquelas paragens, a exemplo dos desfiles de turbantes e saris coloridos, vacas “pastando” tranquilamente pelas ruas, mercados sortidos de especiarias multicores, brâmanes eremitas por toda parte e encantadores de serpentes com seus cestos e najas (caso queiramos ser ainda mais clichês). Pela pouca exigência que o gênero juvenil impõe, Zafón faz muito em suas descrições, mas não o faz com a vivacidade com a qual nos acostumamos em sua série mais famosa, (mas talvez eu esteja querendo demais).

Festival das Cores (Holi), Índia. Murtaza Ali/Pixabay.

Por outro lado, Zafón consegue evidenciar na trama um pouco do domínio cultural e político britânico sobre a cidade, o que se torna evidente nas muitas referências aos britânicos e nos nomes ocidentais de alguns dos integrantes da Chowbar Society, não esquecendo das nacionalidades e posições sociais de dois dos personagens centrais da trama, o tenente Peake e o administrador do orfanato, Thomas Carter, ambos ingleses de origem.

O enredo

Em relação ao enredo, Zafón tece uma narrativa que não é tão gótica (seu principal estilo) quanto é fantasmagórica e fantástica (o gênero), e que ele decide narrar sob dois focos narrativos. O primeiro mais poético e saudoso feito pelos olhos do mais frágil dos órfãos, Ian, que fora testemunha ocular de todos (ou quase todos) os fatos narrados, e o outro foco – predominante na obra – feito em terceira pessoa por um narrador onisciente e não-personagem.

A história dos jovens órfãos indianos gira entorno de lugares arruinados e de um espírito maligno com domínio sobre o fogo. Mortes e acidentes complementam o cenário que se inspira na velha fórmula de um grupo de jovens extremamente inteligentes que reúnem suas forças, coragem e capacidades para proteger uns aos outros. Por isso, o romance de Zafón é uma obra que versa sobe a amizade, a coragem e o companheirismo, mas também podemos acrescentar a esta lista a importância da união e do amor familiar, tanto por parte dos gêmeos separados na infância, como por parte dos fortes laços construídos entre os moradores de St Patrick’s. São essa união e o espírito de coletividade que guiam os vários personagens no enfrentamento a um adversário mais poderoso, com maiores recursos (inclusive sobrenaturais) e com a vantagem de saber mais sobre eles do que o grupo de adolescente, em contrapartida, possui sobre a identidade e história de seu antagonista, inclusive esta é daquelas narrativas onde conhecimento se torna crucial para virar o jogo.

A trama não é das mais instigantes, ainda que seja em muitos aspectos bastante original. O desenvolvimento é rápido e alguns pontos são propositadamente confusos, a fim de despistar o leitor. Contudo algumas resoluções encontradas pelo autor no desfecho poderiam ter sido melhor trabalhadas e acredito que este era um dos pontos que na ocasião da publicação do livro Zafón manifestou a vontade de mudar e reescrever a narrativa, mas não o fez para preservar a versão original da obra.

Por seu tamanho um tanto reduzido e narrativa sem muitos elementos a explorar, uma vez que a trama é demasiadamente simples, assim como são limitadas as possibilidades de ramificação da mesma, o livro não consegue desenvolver profundamente o número elevado e desnecessário de personagens (oito só no núcleo jovem que pouco criativamente possuem todos eles a mesma idade). Contudo, por ser um escritor talentoso, Zafón conseguiu imprimir em cada um deles um traço único que de certa forma os individualizam dentro do conjunto.

O mais cinematográfico até então

Uma característica marcante na narrativa de Zafón é sua estética particularmente cinematográfica. Zafón redige com uma riqueza de detalhes e imprime o cenário e também na narração um número tão grande de elementos estéticos, que ler seus livros se torna uma experiência quase fílmica, o que não é mera coincidência, mas um recurso do qual o barcelonês lançou mão para que não houvesse necessidade de que sua obra fosse posteriormente adaptada nem para a TV, nem para a telona. Desta forma, toda a narração de sua obra faz lembrar os planos de filmagem usados na cinematografia. Sinto isso quando ele descreve lugares e cidades como se quisesse desenhar long shots (planos gerais), ou quando vai descrevendo os interiores de casarões e palacetes como se a câmera andasse (o travelling). Mas mais do que isso, ele constrói elementos que dão ainda maior cinematografia ao texto, a exemplo da névoa, do jardim de pedra e do navio afundado que emerge do fundo do mar em O Príncipe da Névoa, ou os cenários chuvosos, decadentes, góticos e obscuros de A Sombra do Vento.

O Palácio da Meia-noite é, no entanto, o mais cinematográfico de todos, porque Zafón não só explora elementos arquitetônicos fabulosos como a imensa estação de trem feita de aço e ferro, arruinada pelo fogo e repleta de túneis obscuros que formam verdadeiros labirintos (outro elemento comum na sua obra), como também explora explosões e incêndios grandiosos (o fogo é outro fascínio de Zafón) e acrescenta ao enredo um fantasmagórico trem em chamas que corre desgovernado por sobre os trilhos e de onde se ouve os gritos de agonia de centenas de crianças consumidas vivas pelo fogo, mas que desaparece tão repentinamente quanto surge a sua frente. É quase uma cena de filme de terror num verdadeiro show pirotécnico no qual acabe a você imaginar tudo enquanto lê. Um deleite para os leitores de imaginação fértil. Enfim, o que quero dizer com isso é que, o que tem de fraca a narrativa de O Palácio da Meia-noite tem de riquíssima, por assim dizer, nestes elementos cinematográficos.

Chegando ao fim….

O Palácio da Meia-noite é exatamente o que propõe: um livro para adolescentes, sem muita profundidade, sem linguagem muito poética (salvo algumas falas de Ian e a simbologia das “lágrimas de Shiva” que encerram atrama), com linguagem nem rebuscada nem coloquial e infantil, com desenvolvimento rápido para não se tornar cansativo e com certa originalidade. Entretanto, no todo, seu enredo é mediano e sua melhor aposta está nos elementos cinematográficos.

Enfim, acho que Zafón cumpriu com seu objetivo de escrever uma obra que agrada uma faixa etária mais ampla, mas que não chama muito a atenção de quem conhece o outro Zafón, o do Cemitério dos Livros Esquecidos. Por isso, vamos a leitura de As Luzes de Setembro, livro que encerra a trilogia juvenil de Zafón, e depois à Marina, que parece ser a linha divisória entre aquele Zafón mais maduro de A Sombra do Vento, e este Zafón dos romances juvenis.

A edição lida é da Editora Suma das Letras, com tradução de Eliana Aguiar. Do ano de 2013 e possui 271 páginas. O título original em espanhol El Palacio de la Medianoche.

Sobre o autor

Saiba mais sobre Carlos Ruiz Zafón na postagem especial que fizemos sobre ele.

Preview do Google Books

Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível no Google Books.

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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

[Especial Zafón] O Príncipe da Névoa – Carlos Ruiz Zafón – Resenha

 

Por Eric Silva para o Especial Zafón

04 de julho de 2020

“As lembranças ruins perseguem você sem que precise carregá-las consigo”

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Um romance jovem intercortado pelo sobrenatural durante a tensão e as incertezas da guerra, Príncipe da Névoa é o livro com o qual Zafón principiou sua carreira nas letras e também seu primeiro romance juvenil. Já nessa época, o escritor barcelonês esboçava alguns traços do estilo gótico marcante em sua obra numa narrativa que, sem deixar de ser “juvenil”, já se encontrava no limiar de uma escrita que em pouco tempo se tornaria madura.

Confira a resenha.

Sinopse do enredo

No verão do ano de 1943, a batalha dos países Aliados contra os nazistas e fascistas durante a Segunda Guerra Mundial caminhava para completar seu quarto ano, e mesmo nos lugares onde os blindados da Heer e os aviões da Luftwaffe alemã ainda não haviam chegado, a tensão provocada pela guerra era tão presente quanto em qualquer outro lugar da Europa. O Velho Mundo vivia anos de horror, desolação e apreensão que se estenderiam até o verão de 1945.

Foi justamente para fugir da guerra que naquele mesmo ano o relojoeiro e inventor Maximilian Carver decidiu que ele e sua família deveriam mudar-se para outro lugar, um pequeno vilarejo no litoral, cujas casas pareciam ter saído de uma maquete. Porém, a nova moradia dos Carver era uma casa de praia com um passado trágico e cercado de mistérios. A abastarda família que havia morado ali anteriormente tinha se diluído por completo após a morte trágica de seu único herdeiro, Jacob, vítima de afogamento aos cinco anos. Desde então a casa esteve abandonada a espera de ser novamente habitada.

Quando finalmente a família do relojoeiro ali se instala, logo fica nítido que algo não está certo. Max, o curioso filho dos Carver, descobre atrás da casa um jardim de pedra abandonado que guardava em seu interior um estranho conjunto de estátuas e símbolos desconhecidos. A irmã mais velha de Max, Alicia, passa a ter sonhos perturbadores, e a caçula, Irina, ouve vozes que sussurram para ela de um velho armário.

Mas nem tudo naquela vida nova parecia ruim. Max e Alicia fazem um novo amigo, o jovem Roland, e com ele desbravam os segredos de um velho barco que naufragou há muitos anos, durante uma terrível tempestade. Daquele naufrágio só saiu vivo um único tripulante, o avô do rapaz, o engenheiro responsável por construir o farol no fim da praia, onde passou a viver durante todos aqueles anos, vigiando a costa.

Mas os obscuros segredos daquele pequeno vilarejo não tardam a se revelar e enquanto os adolescentes exploram os mistérios do lugar, se interpõe em seu caminho uma entidade diabólica que ao longo de muitos anos deixou para trás um rastro de mortes e destruição: o Príncipe da Névoa. Um ser enigmático com forma humana que há muito ilude os incautos[1] com sua capacidade de conceder desejos em troca de favores malignos.

Resenha

Escrever essa resenha hoje está sendo para mim, assim como foi a leitura deste livro, um exercício de autoconvencimento de que é fato a morte recente de Zafón e de que nunca mais sentirei a expectativa de esperar o próximo lançamento desse autor que foi importantíssimo para mim e para a história deste blog. Foram os livros do escritor espanhol que me ensinaram a amar a Espanha, e mais particularmente a Catalunha, bem como o romance com estética gótica e que me inspiraram a criar a Campanha Anual de Literatura do Conhecer Tudo em 2016. Novamente para homenageá-lo, retomo o especial sobre esse autor iniciado há quase dois anos, mas que não pude terminar por conta da rotina exaustiva de trabalho que se abateu sobre mim em 2019.

O Príncipe da Névoa: juvenil de fantasia gótica

Escrito na década de 1990, O Príncipe da Névoa pode ser considerado como o livro de estreia do falecido escritor barcelonês Carlos Ruiz Zafón, e o primeiro de uma série de romances voltados para o público juvenil, que inclui também O Palácio da Meia-noite e As Luzes de Setembro. Três livros que são considerados como “série”, mas que são independentes entre si e não possuem conexões diretas entre suas narrativas.



Em geral, Zafón é mais conhecido por sua série mais famosa, O Cemitério dos Livros Esquecidos, que gira entorno de escritores malditos dos anos da Espanha franquista e da colossal biblioteca secreta que dá nome a série. Contudo, o autor que nos deixou poucos livros escritos até seu falecimento prematuro aos 55 anos, também deixou ao seu público essa série composta de três livros juvenis que foram responsáveis por sua inserção no mundo das letras e que, já na década de 90, revelavam as nuances da estética literária gótica que mercariam seus livros posteriores.

No entanto, quem lê O Príncipe da Névoa pode se surpreender ao constatar que para um livro classificado como juvenil, ele tem contornos que não são tão comuns a esse tipo de narrativa. Mas isso não mudou o fato de que o livro fora escrito pensando nos leitores mais jovens, o que se constata pela brevidade da narrativa que pode ser facilmente entendida como uma novela; pela opção por personagens majoritariamente jovens e vivendo as primeiras descobertas da idade; pela alusão a elementos do imaginário infantil como palhaços e mágicos de circo; pelo desenvolvimento rápido de seus personagens e, por fim, por sua narrativa sem muita complexidade e com linguagem mais acessível.

Um artigo da Wikipédia[2] sobre literatura infantojuvenil classifica como as principais características que marcam os livros do gênero juvenil:

·         Apresentar temas de interesse ao jovem adolescente, alguns deles controversos, como sexo, violência, drogas, relacionamentos amorosos, etc;

·         Ter em sua trama personagens da mesma faixa etária dos leitores, especialmente seus protagonistas;

·         Podem ser ilustrados, ainda que não necessariamente;

·         E possuir um número maior de páginas, podendo alcançar 200 a 300 páginas.

Com exceção de não ser um livro ilustrado, O Príncipe da Névoa possui todos os elementos elencados e pode ser facilmente classificado como um livro da literatura juvenil por estes elementos, não obstante sua atmosfera e sua composição excedem o gênero em alguns pontos: há nele uma elevada maturidade de seus personagens, o seu desfecho que vai na contramão do que é comum ao gênero, a sua história permeada de um terror não tão infantil, além do fato de que um dos adolescentes está preste a ser convocado para lutar na guerra (um tema bem adulto, mas tratado com bastante leveza). Por conta destes elementos me surpreendi com a proposta de enredo do autor, ainda que eu a considere um tanto simplória.

Nas notas do livro, Zafón explica que quando era adolescente não costumava ler romances juvenis e por isso resolveu ao escrever O Príncipe da Névoa compor um romance que ele mesmo teria gostado de ler com 13 ou 14 anos, mas que ainda o interessasse depois de adulto. O resultado foi algo muito bom. Um livro ágil, instigante no qual terror, tragédia, romance e aventura se encontra nos níveis nos quais qualquer pré-adolescente se interessaria, mas que também é agradável a qualquer adulto que se disponha a lê-lo.

Eu, ao contrário do escritor espanhol, li e ainda leio muitos livros juvenis. Na minha infância de leitor cheguei a ler algumas obras classificadas como infantojuvenis ou apenas como juvenis que possuía alguma maturidade, geralmente em seus temas, como foi o caso de Tonico, de José Rezende Filho, que aborda a questão da pobreza e o trabalho infantil, e o bem pouco conhecido Anjos no Aquário, de Júlio Emílio Braz, que aborda o difícil tema da gravidez na adolescência. Mas havia também os livros que são maduros por seus desfechos como o inesquecível Meu Pé de Laranja Lima de José Mauro de Vasconcelos, que fala da aceitação da morte na infância e da violência revestida pelo rótulo tradicionalista de “educação doméstica”. Contudo, nunca li algo como O Príncipe da Névoa que se diferencia por ser maduro em seu desfecho, nas personalidades dos protagonistas, na atmosfera trágica da trama, no seu tema de terror sem comicidade. Um livro que em alguns momentos me fez lembrar das histórias de Stephen King sem, no entanto, apelar para a carnificina das mesmas.

A narrativa em si é muito simples e não muito original (pelo menos não para a literatura mais madura), reitero, porém, que seu estilo é marcadamente incomum entre as obras mais ingênuas classificadas como infantojuvenis ou apenas como juvenis. A narrativa como um todo se passa em um período muito curto de tempo (apenas algumas semanas do verão de 1943) e como quase qualquer história que use os verões litorâneos como cenário desenvolve uma súbita paixão entre adolescente em seu enredo.

Os personagens são desenvolvidos de forma breve por conta da extensão mais curta do romance e, para fazê-lo de forma mais propicia a cativa os narradores, Zafón foca suas energias em apenas uma parte do elenco já bastante reduzido: Max, sua irmã Alicia, o jovem Roland e seu avô Víctor Kray, que dividem entre si o protagonismo da narrativa junto com o ser sombrio da narrativa que é ora chamado de Dr. Cain, ora de Príncipe da Névoa.

Max é o personagem central da trama, a mente pensante do grupo. Um garoto introspectivo, perspicaz, inteligente e, por esses traços, bastante observador. Ele é o primeiro a notar as estranhezas daquele vilarejo: sua estranha aparência de maquete, o relógio da estação ferroviária que parecia andar para trás, a aura medonha que circunda o gato que sua irmã Irina adota assim que chegam de viagem.

Por suas características entre ele e o pai existe uma cumplicidade e autoentendimento difícil de descrever e que se produz com poucas palavras. Maximilian o estimula com leituras avançadas a exemplo dos tratados de Copérnico sobre o sistema solar e o menino responde às ações do pai com uma maturidade acentuada. As falas de Max são em geral bem calculadas e meticulosas, a menos que esteja sendo provocado pelas brincadeiras de Roland e sinta a necessidade de rebatê-las, ou quando quer ser divertido com o jovem casal que vai se formando entre seu novo amigo e sua irmã.

Alicia por sua vez é ainda mais introspectiva e de uma rebeldia silenciosa. Come pouco porque se preocupa com sua aparência e interage muito menos ainda com a família, preferindo o isolamento de seu quarto e de seus silêncios. De todos, ela é a quem menos se satisfez com a mudança repentina para o litoral, no entanto, Alicia é daqueles personagens que crescem e se modificam ao longo da narrativa e, por isso, vai aos poucos conquistando seu espaço, até se tornar um elemento importante da história, apesar do elevado protagonismo masculino da trama.

De sua parte, Roland é o típico rapaz criado em cidade pequena. Ativo, entusiasmado em interagir com os visitantes, desejoso de aventuras e por respirar outros ares longe da monotonia do pequeno vilarejo. Extremamente apaixonado pelo mar, o rapaz construiu sua própria cabana na praia, onde passa a maior parte de seu tempo quando não está com o avô no farol, ou vasculhando os restos de um velho navio naufragado perto da costa.

Expansivo, prestativo e brincalhão, Roland facilmente conquista a amizade de Max e Alicia que passam a segui-lo por toda parte, e acaba por ser a cola que começará a unir os dois irmãos que pouco conversavam. Ainda assim, paira sobre o rapaz, assim como sobre Max, a incerteza do futuro, uma vez que Roland está alistado no exército e teme que aquele seja seu último verão antes que seja convocado para o front de guerra. A Max restaria mais alguns anos de liberdade caso a guerra não encontrasse seu desfecho logo.

Entorno destes três personagens e do velho faroleiro girará a história do personagem principal da trama e que dá nome a mesma, o Príncipe da Névoa, Dr. Cain. Um mago, um bruxo, uma entidade maligna, não dá exatamente para precisar o quê, mas que ao longo de muitas décadas se dedicou a destruir muitas vidas através de seus dons de conceder desejos, pelos quais exigia um preço elevado demais.

Apreciação crítica

Confesso que apesar de ser um livro excelente, O Príncipe da Névoa não se compara ao estilo e qualidade literária atingido por Zafón quando este escreveu A Sombra do Vento, seu livro de maior sucesso. Provavelmente por isso que o autor teve que lutar contra seu desejo de reescrever a história deste livro, desejo este que ele expressou também na introdução de O Palácio da Meia-noite. No entanto, para uma trama de livro juvenil, O Príncipe da Névoa é um livro estimulante, porque um pouco da estética do escritor barcelonês já é visível, e sua predileção pelas temáticas góticas já são evidentes.

Ele escreve uma narrativa de terror, aventura e suspense com a estética gótica que marca seus livros, mas com uma delicadeza e uma sensibilidade acentuada. Não há nada no livro que dialogue com o universo barcelonês que serve de cenário a seus livros posteriores, nem mesmo a localização de onde se dão os fatos narrados em O Príncipe da Névoa são revelados, o que deu a cada série de livros uma alma e personalidade própria e distintas, estando ligados unicamente pela estética narrativa de seu autor.

A escrita é fluida, instigante, mais leve e delicada do que a encontramos nos livros da série d’O Cemitério dos Livros Esquecidos, mas mesmo ali a linguagem empregada por Zafón é de uma beleza poética que quase não é sentida, uma vez que suas narrativas têm um caráter cinematográfico proeminente que envolve o leitor na narrativa tal como se a vivesse ou a assistisse na penumbra de uma sala de cinema. Essa característica cinematográfica também já é notável em O Príncipe da Névoa que nos conduz a locais sombrios e paisagens marítimas.

Chamou-me a atenção sobretudo o desfecho que achei extremamente original e inesperado, ou melhor, esperado, se partíssemos de uma lógica mais racional. É um livro que acredito que deixou muitos de seus leitores com um leve aperto no peito e um sentimento de impotência. Igualmente belo é a forma como naturalmente os laços entre os personagens vão sendo construídos e fortalecidos, como se o encontro entre eles tivesse sido destinado a acontecer. A questão é que você vive com os personagens aquele verão, os acompanha a toda parte, e o laço se estende a você também. Trata-se de uma narrativa que fala do amor, da juventude, do medo e da necessidade de união para vencer as adversidades da vida.

Mesmo tendo me surpreendido com o desfecho escolhido pelo escritor para uma narrativa juvenil, reitero que a forma como ele decidiu fechar a trama é a parte mais original do livro, justamente por não seguir as velhas fórmulas já tornadas clássicas neste gênero. Senti-me frustrado apenas com o fato de não existir conexão entre as tramas dos livros seguintes que seguem como obras independentes. Ainda assim, sinto-me ansioso pelo que virá dos últimos livros escritos por Zafón que ainda não li, e ao mesmo tempo triste por saber que serão os últimos.

A edição lida é da Editora Suma de Letras, do ano de 2013 e possui 184 páginas. Título original: El Príncipe de la Niebla.

Preview do Google Books

Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível no Google Books.

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[1] “Diz-se de ou aquele que não tem cautela; descuidado, imprudente; que ou o que é destituído de malícia; crédulo, ingênuo” (Houaiss, 2009)

[2] LITERATURA INFANTOJUVENIL. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Literatura_infantojuvenil&oldid=57297725>. Acesso em: 05 jul. 2020.

 


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