2016, o #AnoDaEspanha. 2017,
o #AnoDoBrasil. 2018 o #AnoDoJapão.
Olá, caros leitores.
A Campanha Anual de
Literatura do Conhecer Tudo (CALCT), o nosso projeto mais ambicioso, chega hoje
em sua terceira edição. Fomos da Europa para América e agora aterrissando em
terras asiáticas. A III CALCT inaugura o novo ano com um novo país para
homenagear: o Japão, a terra do sol
nascente.
Para quem não conhece o
projeto principal do nosso blog, todo os anos, desde 2016, fazemos um
itinerário de livros de um determinado país que é escolhido por votação pelos
usuários do Google Plus. Para a enquete é pré-selecionados cinco países
representando cada um dos cinco continentes do globo. Depois de escolhido o
país a ser homenageado, fazemos um itinerário de livros de diferentes autores
oriundos da nação homenageada e através de resenhas discutimos sobre os livros
escolhidos, apresentamos seus autores e, em postagens especiais, discutimos os
temas relacionados ao país e que surgem nos livros do itinerário: aspectos culturais,
turísticos, históricos, sociais, etc.
Na pré-seleção para a III
CALCT, cinco países estiveram na disputa: Austrália (Oceania), Cuba (América),
França (Europa), Japão (Ásia) e Moçambique (África). Foram 3 meses de votação
que contou com a participação de 382 pessoas. E com 35% dos votos o Japão foi
escolhido para ser o país homenageado em 2018.
Durante doze meses, nos
aventuraremos pela literatura nipônica. Olharemos de mais de perto para um país
cheio de cultura secular que respira história e tradição enquanto se lança para
a modernidade. Um país de beleza cultural e natural surpreendente.
Visitá-lo-emos pelo olhar de
seus escritores e das obras por eles concebidos, conhecendo algumas das
milhares de facetas do povo japonês através da literatura. E, em paralelo,
falaremos também de filmes do cinema nacional.
É claro que assim como nos
anos anteriores, nosso foco não será exclusivo para esta campanha, ainda mais
que outros projetos exigem nossa atenção, mas será prioritário e a marca
principal do Conhecer este ano.
Quem quiser dar sugestões de livros para o itinerário,
fique à vontade para postar nos comentários.
Então é oficial, 2018 é o #AnoDoJapão no Conhecer Tudo e
estaremos em páginas japonesas.
Atte.,
Conhecer Tudo,
01 de Janeiro de 2018, Ano do
Japão.
Os livros do nosso itinerário
resenhados até agora:
Abaixo você pode localizar,
no mapa do Japão, os locais onde se desenrolam as tramas dos livros lidos à
medida que eles são resenhados, ou as cidades de origem dos escritores no caso
de tramas que se desenrolam em outros lugares reais ou fictícios. Clicando nos ícones do mapa você pode saber mais sobre o livro resenhado e conferir imagens da capa e do local da história ou de nascimento do autor.
Nota: todos os termos com números entre colchetes [1]
possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias,
prévias, banners ou postagens relacionadas.
Diga-nos o que achou da
resenha nos comentários.
Está sem tempo para ler? Ouça a nossa
resenha, basta clicar no play.
Em um tempo no qual a guerra e a perseguição ideológica
faziam muitas vítimas e prisioneiros, uma mãe precisa dar tudo de si para
manter sua família após a prisão injusta de seu marido. O que ela encontra pela
frente é um Japão marcado pela privação e austeridade, por uma guerra sem
sentido que manda centenas de jovens para os campos de batalha sem a certeza de
retorno e por uma censura que por décadas perseguirá aqueles que se opõem a
insanidade do conflito.
Bonito, raro e delicado, Kabei, nossa mãe, é um filme que traz todas as características que
fazem o cinema japonês ser excelente. Confira a resenha.
Sinopse do enredo
Tóquio, 1940, durante os
primeiros anos da Segunda Guerra Mundial a vida da Família Nogami muda
repentinamente quando o pai, Shigeru (Bandō Mitsugorō X), é preso pela força
policial especial do Japão, a Tokkō,
acusado de ter violado a Lei de Preservação da Paz com suas ideias comunistas.
Após sua prisão a vida de
toda a família se torna muito difícil, e sua esposa, Kayo (Sayuri Yoshinaga),
passa a trabalhar freneticamente como professora para manter a casa e criar as
duas filhas, tendo como único apoio a irmã de Shigeru, Hisako (Rei Dan), e um
dos ex-alunos dele, Yamazaki (Tadanobu Asano), que gradativamente vão se
tornando imprescindíveis à família.
A prisão abala toda a
família, mas sobretudo às duas meninas do casal. Além disso, as dificuldades
para falar com Shigeru são enormes, a família passa por muitas humilhações e as
condições da pressão são as piores possíveis, deteriorando rapidamente a
qualidade de vida do professor.
O tempo passa, mas Shigeru
não é liberado pela polícia. Enquanto isso a guerra avança e o país passa a
viver momentos de austeridade, radicalismo patriótico e mesmo os homens com
deficiências físicas são convocados para o front,
mas Kayo ainda tenta com todos os seus esforços sustentar sua família e não
desanimar apesar das diversidades, até que a trama encontra o seu desfecho com
o fim da guerra, quando ocorre o desastre de Nagasaki e Hiroshima, quando o
Japão derrotado pelos americanos se retira
da Guerra.
Um drama familiar cru e sem
muitos floreios ou poesia, mas, ainda assim, delicado e profundo, Kabei é um filme que fala de
perseverança para enfrentar momentos difíceis e até mesmo desesperadores, nos
quais a intransigência e ambição dos mais poderosos tira a liberdade individual
e submete a todos a momentos de grande dificuldade.
Resenha
Contexto
e personagens
Delicado, singelo e muito bem
interpretado e dirigido, Kabei, nossa mãe
é um filme que me deu muito trabalho conseguir: duas duras semanas de pesquisas
em locadoras, streaming de filmes e
downloads em sites duvidosos do exterior. Mas, no final, o esforço valeu à pena
e assisti a um dos melhores filmes japoneses não-animado que já vi, tão digno
quantoDare mo Shiranai, outro filme japonês que resenhei recentemente no blog.
A Família Nogami
Apesar de pouco conhecido no
Brasil, Kabei foi dirigido por Yôji
Yamada, diretor da trilogia Samurai (Kakushi
ken: Oni no tsume, Bushi no Ichibun e TasogareSeibei) e de mais de 70
longas-metragens. O filme foi exibido nas salas de cinema japonesas no ano de
2008 e foi baseado no romance autobiográfico, Requiem For a Father, de Teruyo Nogami, que por muitos anos
trabalhou com o diretor Akira Kurosawa, muitas vezes como supervisora de
roteiro.
Com muita sensibilidade o
filme aborda a situação do povo japonês durante a Segunda Guerra Mundial quando
o Japão entra no conflito ao lado da Itália fascista e da Alemanha de Hitler.
Os alistamentos forçados, o radicalismo patriótico e sobretudo a censura que
perseguia os intelectuais de esquerda. Na época, em todo o território japonês
havia sido imposta a Lei de Preservação da Paz que vigorava desde 1925[1].
Essa lei foi promulgada como forma de combater as ideias socialistas,
comunistas e os anarquistas da época, mas, na prática, qualquer oposição política
era enquadrada em sua normativa e punida com a prisão (pena máxima de dez),
reeducação ou até mesmo a morte[2].
No ano de 1941, a lei se
torna mais severa e até mesmo organizações religiosas passam a ser incluídas e
cortes de apelação foram abolidas. Entre os anos de 1925 a 1945, mais de 70.000
pessoas foram presas e a lei só foi revogada com o fim da guerra pelas
autoridades de ocupação dos Estados Unidos.
Na época em que esteve em
vigor, foi criada especialmente para o cumprimento da Lei de Preservação da Paz
uma seção de “Polícia do Pensamento”
para monitorar atividades socialistas e comunistas, e uma seção estudantil para
monitorar professores e estudantes universitários, além de “Promotores do Pensamento” especiais
designados apenas para combater os chamados “Crimes do Pensamento”[3].
Cena da prisão de Shigeru
Kabei, nossa mãe é
um retrato simultâneo do Japão intransigente e difícil da Segunda Guerra e da
perseguição ferrenha aos socialistas e opositores do governo autoritário,
sobretudo daqueles contrários à guerra contra a China.
Shigeru Nogami, a quem a
família chamava carinhosamente de Tobei, era um professor universitário
reconhecido, mas que fazia forte oposição à guerra. Por conta de suas ideias,
ele não conseguia que seus livros fossem aprovados pela censura e sua família
começava a passar por dificuldades financeiras. Mas além de censurado, suas
ideias o levam à cadeia quando no início do ano de 1940 ele é preso pela Tokkō, a polícia especial, fundada
especificamente para investigar e controlar grupos políticos e ideologias
consideradas subversivas[4]. Sua prisão se torna um
motivo de vergonha para seu sogro, chefe de polícia da capital da província de
Yamaguchi, e deixa sua esposa, Kayo, em profundas dificuldades financeiras e
com problemas com a própria família, ou seja, com o pai.
Kayo, que as crianças chamam
de Kabei, apelido ao qual o título do filme faz referência, é uma mulher forte
e perseverante, mas de constituição física frágil. Com a ajuda da cunhada, mas
sobretudo de Yamazaki ela luta pela sobrevivência da família e para conseguir
cuidar do marido preso. A interpretação de Sayuri Yoshinaga é suave e delicada,
expressando com originalidade e vivacidade cada uma das emoções vividas por sua
personagem. Ela é, junto com a personagem de Yamazaki, o coração da história e
um exemplo de hombridade, delicadeza e determinação silenciosa.
Por sua vez, Yamazaki é um
jovem estudante, muito formal, meio desajeitado e sem nenhuma condição
financeira, como denotam suas meias furadas e seus sapatos rotos. Ele se
oferece para ajudar a família Nogami em tudo quanto for possível, e
gradativamente vai se tornando um importante pilar e uma pessoa imprescindível
para Kayo e suas filhas, uma figura masculina, de presença frequente e de ajuda
sincera. A pouca felicidade que a família passa a ter depois da prisão de
Shigeru é oportunizada por sua presença e gradualmente aquela se torna também a
sua família.
A atuação das suas meninas,
Hatsuko Nogami (Mirai Shida), apelidada de "Hatsubei", e de Teruyo Nogami (Miku Satō), a pequena e
esfomeada "Terubei", também
foram enriquecedoras e imprescindíveis para a composição da curva dramática da
história.
Crítica
O filme como um todo é uma
produção simples e claramente com baixo orçamento, mas a sua delicadeza lhe dá
uma qualidade relevante e sobressalente. Não há nenhum aspecto da trama ou da
produção da película que não tenha me agradado.
Dramático sem ser piegas
Como meus leitores já sabem,
costumo ignorar detalhes como figurinos,
maquiagens e trilhas sonoras. É uma falha minha, mas não costumo pensar em
detalhes como esse. Em Kabei, o que mais me chamou a atenção
foi a dramaticidade da narrativa que possui aquele traço típico dos japoneses
de interpretações contidas, mas profundas e verossímeis, e, também, o contexto
histórico que descrevia anteriormente. Ainda assim, a singeleza dos
cenários, dos objetos e da cenografia é evidente e se sobressai chamando nossa
atenção, além de ser condizente com os tempos austeros que o Japão vivia.
Notamos pelos cenários e até figurinos a ambivalência dos costumes orientais
tradicionais – sobretudo nas roupas utilizadas por Kayo e Shigeru, como em todo
o estilo de sua casa – e a inserção da cultura ocidental que pouco a pouco
penetrava no estilo de vida japonês e ganhava raízes profundas.
Não há aspecto do filme que
eu não tenha gostado, nem da trama ou da interpretação de seus atores. O que me
irritou bastante foi, no entanto, a grande dificuldade de conseguir o filme e
legendas apropriadas.
Os diálogos são muito bem
construídos e transmitem para a tela os sentimentos de suas personagens de
forma com que quem assiste fica imerso na narrativa e nos dramas vividos pelas
personagens. Como já disse as interpretações são contidas, como é típico dos
japoneses, e evita o dramalhão comum a outras escolas de cinema tipicamente
ocidentais.
Apesar de baseada em fatos reais a trama é bastante viva
e se alimenta do absurdo de uma época onde a censura e falta de liberdade de
pensamento, bem como a guerra consumia vidas e destruía famílias de forma
indiferente e cruel. Desta forma o tom
geral de um roteiro que é que ainda que real é instigante é de uma melancolia
que se alterna com pequenos momentos de humor e descontração, ao mesmo tempo
que descreve um período importante na história do Japão.
Destaque para os olhos
A câmera de Yamada explora
bastante as emoções em enquadramentos que destacam sobretudo os olhos dos
atores. Mas o que mais se sobressai são
os planos mais amplos que colocam em um só enquadramento todos os personagens,
mostrando-os como um conjunto unido, inseparável, o que nos transmite a
sensação de uma família que não deseja ser separada, mas estar sempre junta, e
cujo desejo maior é se reunir com o pai preso. Por fim, há também outros
ângulos da câmera de Yamada, sobretudo aqueles ângulos a partir de cantos e
cômodos da casa, que capturam cenas do cotidiano como alguém que espia, por uma
porta aberta, a intimidade de uma refeição, na qual a presença do pai é apenas
uma fotografia para qual as meninas insistem de oferecer o jantar.
Mas se a câmera e seus
ângulos me chamaram a atenção, também as cores e a iluminação destacam nesse
filme. As cores quase sempre em tons neutros de bege, cinza e branco se mesclam
aos tons escuros que realçam a melancolia daqueles dias de incerteza. Mas,
contraditoriamente, Kabei é um filme
de muita luz e cenários claros o que não permite que a desesperança contagie o
telespectador que espera do filme um desfecho propício, ou quem sabe um final
feliz.
Enquadramento a partir de cantos da casa
Enfim, Kabei é um filme de altíssima qualidade narrativa,
um drama que não é piegas, mas, ainda assim, comovente e delicado. Seus personagens muito bem construídos são cativantes e
no enredo cumprem papéis fundamentais e bem demarcados. Ele atinge todas as
expectativas e tem todas as nuances que normalmente encontro nos dramas
japoneses: interpretações contidas, narrativas delicadas, dramatizações sem dramalhão
e um certo humor muito bem dosado que surge somente no momento que é mais
propício para ele.
O desfecho pode não agradar quem espera um final feliz,
mas é realista – lembremos que o filme é baseado numa história real –, ainda
assim, tem sua poesia e me agradou bastante, assim como me comoveu. Ele nos faz
lembrar que a vida não é justa e está longe de ser perfeita, mas, ao mesmo
tempo, traz uma mensagem de perseverança, ao nos lembrar que tempos difíceis
passam e a vida prossegue seu curso inexorável.
Kabei, nossa mãe é de fato um bom filme, que valeu a pena o esforço de conseguir e traz, em si, o melhor
que o cinema japonês tem a oferecer: dramas singelos e delicados, que mostram o
quão frágil é a existência humana.
A película é uma produção dos
estúdios Shochiku e entrou em cartaz no ano de 2008. Tem duração de 133
minutos. Abaixo você pode conferir o trailer do filme:
Nota: todos os termos com números entre colchetes [1]
possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias,
prévias, banners ou postagens relacionadas.
Diga-nos o que achou da
resenha nos comentários.
Está sem tempo para ler? Ouça a nossa
resenha, basta clicar no play.
Um samurai com uma perversão sádica e necrófila e um
escritor que parte em uma jornada em busca de inspiração, A Vida Secreta do Senhor de Musashi é a reunião de duas novelas que
inicialmente chama à atenção por uma temática muito peculiar e provocativa, mas
que no final não impressiona.
Confira a resenha do décimo livro da III Campanha Anual
de Literatura do Conhecer Tudo que em 2018 homenageia literatura japonesa.
Um
livro, dois enredos distintos
Retratando duas épocas
distintas da história do Japão, as duas novelas que compõem esse livro possuem
tons e temáticas bastante distintos ainda que abordem a cultura de um mesmo
país.
A primeira novela, que dá
nome ao livro, relata a história de Terukatsu, o filho de um poderoso senhor de
terras, que na infância foi conhecido por Hôshimaru e, na idade adulta,
chegaria a suceder seu pai como o senhor de Musashi.
A Vida Secreta do Senhor de Musashi começa contando como, ainda na infância, Hôshimaru havia
perdido sua inocência e adquirido uma certa inclinação sexual sadista.
Quando ainda era criança seu
pai, Terukuni, selou um acordo político de paz com Tsukuma Ikkansai, senhor do
castelo de Ojika. Nos termos desse acordo, Terukuni entregou seu filho mais
velho e herdeiro, de apenas seis anos, como refém de Ikkansai. Hôshimaru foi
então separado de sua família e levado ao castelo de Ojika, onde viveu por dez
anos recebendo instrução em literatura e artes marciais para que se tornasse um
samurai.
É nesse período que o castelo
de Ojika é cercado por tropas inimigas e após semanas de cerco ameaça é tomado
pelos inimigos. Por ser ainda menino e incapaz de lutar, Hôshimaru fica isolado
com as mulheres e outras crianças no interior do castelo enquanto a guerra não
é decidida. Inconformado por não poder participar das lutas, o menino fica
curioso acerca das batalhas que acontecia fora dos muros do castelo até que ele
encontra a oportunidade de presenciar um dos mais importantes rituais de guerra
da cultura japonesa da época: o trato das cabeças decapitadas dos inimigos
vencidos em batalha.
Ajudado por uma das mulheres
que cuidavam das cabeças recolhidas pelos guerreiros de Ikkansai, Hôshimaru
foge até um sótão isolado do castelo e lá assiste a um grupo de mulheres, entre
elas uma linda jovem, que lavavam, penteavam e maquiavam as cabeças
decapitadas. Maravilhado com aquele ritual e sobretudo com o zelo extremado com
o qual a mais jovem das mulheres tratava as cabeças dos samurais, o menino
desperta para sua sexualidade e tem o gatilho para o desenvolvimento de um
fetiche sexual sádico e necrófilo que o acompanhará pelo restante da vida e que,
de modo direto, influirá na sua personalidade, nas suas ações depois de adulto
e nas suas decisões enquanto guerreiro e senhor feudal.
Por usa vez, na segunda
novela, Kuzu, Junichiro Tanizaki
conta a história da jornada de dois amigos à remota povoação que dá nome à
história. O narrador de Kuzu é um
escritor que busca inspiração para seu novo livro e decide partir em uma viagem
à região de Yoshino, em Yamato, onde poderia resgatar informações sobre a vida
de uma importante figura da história medieval japonesa: o Imperador Celestial.
Com ele viaja um antigo amigo que busca alguns parentes e com eles as origens e
a história de sua mãe falecida ainda muito jovem. Juntos eles seguem uma
jornada de encontros e reencontros com o passado. A história gira entorno dessa
busca dos dois personagens ao passo que se concilia com elementos da história e
da cultura secular japonesa.
Resenha
Capa da edição lida. Imagem produzida por Eric Silva, em dezembro de 2018.
À primeira vista A Vida Secreta do Senhor de Musashi e Kuzu podem parecer duas narrativas
bastante distintas, apesar de escritos pelas mesmas mãos. Essa sensação é em
decorrência das temáticas muito diferentes e discrepantes. Contudo notei várias
semelhanças no estilo de suas narrativas. A primeira delas foi a forma
documental com o qual se dá a narração.
Em ambas as novelas Tanizaki
traz um narrador que é também um investigador do passado. Tanto o narrador
observador de A Vida Secreta do Senhor de
Musashi quanto o narrador personagem de Kuzu
contam suas histórias com um profundo tom jornalístico que enfatiza bastante as
peculiaridades culturais e históricas dos momentos históricos por eles pesquisados.
O narrador da primeira novela
se apoia em escritos de pessoas próximas do senhor de Musashi para narrar sua
história. Ele interpreta os escritos o compara e aí reconstrói o mosaico
da vida sexual e particular do protagonista.
Enquanto isso, o narrador de Kuzu mescla
documentação histórica com história pessoal sua e de seu amigo, mas ainda aí há
um profundo tom de resgate e de documentação do passado.
Outro aspecto foi a ênfase
grande nos aspectos culturais de cada época. Muitas referências às artes
literárias e guerreiras, às fábulas e à cultura são feitas pelo escritor, com
maior destaque para Kuzu.
Contudo o conteúdo de A Vida Secreta do Senhor de Musashi é
mais inquietante, ainda que não seja um texto apelativo ou demasiadamente
pesado. Não é uma abordagem pornográfica e muito menos sensacionalista, mas que
ainda assim mexe com muitos tabus. Por sua vez, Kuzu tem uma temática bem mais leve e monótona – na verdade achei
todo o livro monótono.
Por ser profundamente ligado a elementos culturais do Japão,
esse segundo conto exige do leitor conhecimentos profundos sobre a literatura,
a história japonesa, do seu folclore e de seu teatro tradicional. Confesso que
me senti perdido na leitura dessa novela, que além de enfadonha é cheia de
citações e referências a coisas que simplesmente desconheço e cuja ausência de
notas de rodapé contribuíram para me manter na ignorância. Por isso, não
consegui me concentrar na leitura que foi mais maquinal e mecânica do que
imaginei que seria ao começar as primeiras páginas.
A escrita de Tanizaki não é atrativa, metafórica ou
lírica e poética, ainda que seja firme e fluida. Mesmo Kuzu com a beleza de seus cenários poderia ser um conto belo e
poético, mas foi seco e sem beleza.
Objetivamente, nada nos dois
contos me chamou muito a atenção. O caráter jornalístico das novelas foi o que
mais me desestimulou durante a narrativa com as constantes intromissões e
análises do narrador da primeira novela, bem como com a insistência do narrador
de Kuzu em fazer milhares de referências
e inferências a aspectos da história japonesa e de sua arte.
Quando li Beleza e Tristeza de Yasurai Kawabata me incomodou um pouco as constantes
e massivas referências ao mundo das artes e que davam base a trama, mas
consegui tolerá-las sem prejuízo da minha compreensão da narrativa. Em grande
parte, a escrita limpa de Kawabata e a construção dos personagens e do drama
entorno do qual gira a trama tenham contribuído enormemente para manter minha
atenção. Contudo, o mesmo não se deu com os escritos de Tanizaki. De certo modo a falta de sabor como o qual
a segunda metade da primeira novela se desenvolve foi o gatilho para que eu não
tivesse mais paciência para compreender Kuzu
de uma forma mais global. Confesso que só os últimos capítulos foram
para mim mais significativos e inteligíveis, porém o desfecho dessa segunda
novela foi tão fraco e decepcionante que me arrependi do tempo gasto em sua
leitura.
Aprendi um pouco mais da
história dos samurais e das guerras e conflitos medievais da história japonesa
e mesmo o rito das cabeças decapitadas me pareceu interessante. Por isso, e
somente por isso valeu a pena ler A Vida
Secreta do Senhor de Musashi, mas a história vai se tornando maçante e o
texto não possui uma beleza estética que me impressionasse.
Ademais, os personagens,
ainda que bem descritos e desenvolvidos, não impressionam nem cativam. Só
Hôshimaru intriga por suas ações e inclinações morais, mas ele sozinho não é o
suficiente para impedir que a trama se torne chata em grande parte do seu
desenvolvimento. Não senti nenhum humor na trama nem um sentimento forte o
suficiente para reduzir o forte tom jornalístico da primeira trama. Kuzu ainda suaviza esse seu caráter do
meio para o final da trama, mas não salva por completo a peça.
A edição lida é da Editora
Companhia das Letras, do ano de 2009 e possui 218 páginas.
Sobre
o autor
Junichiro Tanizaki (谷崎潤一郎) nasceu em 24
de julho de 1886, em Tóquio. É um dos
maiores autores da literatura japonesa moderna e o mais popular
romancista japonês depois de Natsume Soseki.
Estudou literatura japonesa
na Universidade Imperial de Tóquio e com influências de Poe, Baudelaire e Oscar Wilde, começou a
escrever desde cedo.Publicou seu primeiro trabalho em 1909, numa revista
literária que ajudou a fundar.
A partir de 1923, deixou-se
absorver pela cultura de seu país e abandonou a inclinação ocidentalizante,
vivendo nesse momento uma crise intelectual e emocional que contribuiu
decisivamente para torná-lo um dos nomes centrais da literatura japonesa do
século XX. O centro dos seus interesses é a preservação da língua e da cultura
tradicional do Japão.
Em 1949, recebeu o prêmio
Imperial de Literatura. Dentre suas principais obras estão Amor
insensato (1924), Voragem (1928), Há quem
prefira urtigas (1930), A chave (1956) e Diário de um velho louco (Estação
Liberdade, 2002).
Morreu em 30 de julho
de 1965, um ano após ter sido o primeiro autor japonês eleito membro
honorário da American Academy and Institute of Arts and Letters.
“Ao
fitar o céu alaranjado na iminência do anoitecer, senti uma ligeira vontade de
chorar.
Isso porque ocorre-me que o amor é um
sentimento ilimitado e inesgotável que podemos doar à vontade, como a água
canalizada distribuída pela rede de abastecimento do Japão. ”
(Tsugumi – Banana Yoshimoto).
Está sem tempo para ler? Ouça a nossa
resenha, basta clicar no play.
Nostálgico, intimista e poético Tsugumi (つぐみ), livro da
japonesa Banana Yoshimoto (よしもとばなな) fala de umas férias de verão e de dias singelos. Uma
obra sobre uma amizade que supera as adversidades de um humor despótico e da
saudade que a distância do lugar ao qual pertencemos pode imputar em nossa
alma.
Confira a resenha do nono livro da III Campanha Anual de
Literatura que em 2018 homenageia a literatura japonesa.
Sinopse
Deixar a terra natal não
está sendo algo fácil para Maria Shirakawa que constantemente relembra o cheiro
de maresia da raia onde crescera. Recém-instalada em Tóquio para onde se mudou
com a mãe, ela rememora as lembranças da vida na pequena cidade litorânea e das
primas Yoko e Tsugumi.
Apesar da bela Tsugumi sofrer
de uma doença crônica séria, isso não impede que ela tenha uma personalidade
forte, despótica e cruel, exigindo de todos a paciência digna de um santo. Mas
por mais difícil que seja conviver com Tsugumi ela e a prima se compreendem e
se gostam e, por isso, Maria aceita o convite de Tsugumi para voltar à cidade
nas férias de verão, última estada juntas.
Publicado originalmente em
1988, Tsugumi é um livro sobre
nostalgia e sobre a percepção que as pessoas possuem acerca da eminência da
possibilidade do fim que não se concretiza, da possibilidade da morte e da
separação. O livro rendeu à autora o prêmio Yamamoto Shūgorō e foi adaptada
para o cinema por Jun Ichikawa, em 1990. No Brasil, só foi lançado em 2015, com
tradução direta do japonês, pela Editora Estação Liberdade.
Resenha
Enredo
Narrado em primeira pessoa, Tsugumi (つぐみ) conta a história das últimas férias de verão de Maria
na pousada de seus tios, ao lado das primas Yoko e Tsugumi. Uma narrativa bem
cotidiana com duas protagonistas centrais: a que dá título ao livro e sua
narradora.
Maria nasceu em uma pequena
cidade pesqueira, na costa oeste de Izu, interior do Japão, onde viveu grande
parte da sua vida sempre ligada ao mar e às primas. Durante muitos anos ela
viveu com a mãe na edícula da pousada Yamamoto, propriedade de seus tios.
Seu pai durante muito tempo
tentou se separar da primeira esposa sem obter sucesso e, por isso, levou anos
até conseguir regularizar sua vida com a mãe de Maria e trazê-las para Tóquio
para viverem com ele. Enquanto isso, a mãe de Maria ajudava na cozinha da
pousada e suportava a situação em silêncio, mas por conta disso e por viver de
favor na edícula, sempre se sentiu um parasita, sentimento que ocultava com bom
humor e resignação.
Maria, por sua vez, era uma
menina feliz e tinha uma vida alegre junto das primas que viviam na pousada.
Apesar de se entristecer com a situação dos pais, ela gostava da cidade onde
vivia, se sentia ligada ao mar e às suas amizades, mas sobretudo a Tsugumi, a
prima mais nova.
Tsugumi desde a infância foi
uma criança doente, de saúde muito delicada e possuía uma rotina de febres e
internações que preocupavam a pequena família, no entanto, seu temperamento era
dos mais difíceis. “Ríspida, boca suja,
egoísta, mimada e ardilosa”, Tsugumi não hesitava em dizer o que pensava,
ofender e ser desagradável, mas contraditoriamente todos buscavam ter paciência
com ela e agiam de forma resignada. Apenas Maria costumava rebater as
crueldades da prima e procurava ser dura com ela quando Tsugumi passava dos
limites, mas também a compreendia e admirava, e a amizade entre as duas era
mutuamente sincera. É narrando sua história simultaneamente a de Tsugumi, que
Maria vai nos apresentando a peculiar figura da prima, seu gênio difícil e as
pequenas aventuras irresponsáveis que muito prejudicavam a sua saúde.
Apesar da alegria de
finalmente se mudar para Tóquio com a mãe para viverem com o pai, a saudade do
mar permanece no coração de Maria. Ela ganha a oportunidade de reviver aqueles
dias quando sua prima a convida para passar as férias de verão na pequena
cidade litorânea. A pousada seria vendida e a família de Tsugumi se mudaria
para outra cidade onde abririam um novo negócio, por isso aquela seria então a
despedida de ambas, a última oportunidade de viverem juntas a praia da
infância.
Sobre nostalgia: tema e
apreciação crítica
Fotografia da edição produzida por Eric Silva em dezembro de 2018.
Tsugumi é um livro
moderno que fala do Japão contemporâneo, mas em sua essência incorpora traços
da tradição literária japonesa.
Monotonia e contemplação são as principais marcas dos livros
japoneses que já li esse ano, e isso não foi um problema para mim. Percebi isso
logo com Beleza e Tristeza de Yasurai
Kawabata, mas depois livros como A
Fórmula Preferida do Professor, de Yoko Ogawa e Histórias da Outra Margem, de Nagai Kafu reforçaram essa impressão.
O mesmo se deu com Botchan, de
Natsume Soseki, e agora com Tsugumi,
de Banana Yoshimoto. Todos são livros sobre o cotidiano em épocas distintas,
mas voltados para falar da realidade cotidiana japonesa, hábitos e pequenos problemas.
O que fez com que uma leitura fosse agradável e outra não foi exclusivamente o
talento de escrita de seu respectivo autor.
Tsugumi
tem uma leitura rápida, poética e com um drama sem tons de fato dramáticos – Tsugumi consegue espantar com seu
humor excêntrico qualquer nuvem pesada que possa cair sobre a trama –, mas como
não consegui me identificar com os personagens a leitura desse livro não
conseguiu me causar nenhum arrebatamento ou vontade de tornar a lê-lo.
Banana Yoshimoto escreve bem e tem
uma escrita por vezes profunda, lírica e bonita. A passagem que citei logo no
começo dessa resenha é uma das mais belas e metafóricas e me inspirou bastante,
contudo é a rotina de Maria, a narrativa repleta de repetitivos passeios, noites
estreladas, dias de febre alta de Tsugumi e pores do sol que me causou
monotonia.
Por ser é uma ficção realista pintado com tons de
nostalgia, a realidade é
que Tsugumi é verossímil demais, sem
que seus personagens pareçam de fato reais. Todos que cercam Tsugumi são para mim
calmos, pacientes e resignados demais com as travessuras da menina. Já aprendi que essa natureza serena e
resignada dos japoneses é pura estereotipia. Eles são pessoas de carne e
osso, e mais parecidos conosco do que se julga. Diferenças culturais são óbvias,
mas há muito de ocidental no Japão moderno e, por isso, me custa acreditar que
apenas porque Tsugumi era doente todos seriam assim tão pacientes e resignados
diante de suas brincadeiras cruéis, de sua falta de noção e de educação.
Não digo que Tsugumi seja um livro ruim. Ele possui uma qualidade literária muito
grande e o que mais gostei foi do seu tom poético, mas foram os personagens que
não me cativaram.
Tsugumi é um livro
que dá pleno destaque as suas personagens femininas e cujo protagonismo é
dividido entre mais de uma personagem. Tsugumi, Maria e Yoko cumprem o papel de
uma tríade de protagonistas, no qual, no entanto, Maria e Tsugumi possuem o
maior destaque dentro da narrativa.
Das três Tsugumi tem a personalidade
mais forte. Ela é descrita com uma beleza estonteante que contrasta com a
debilidade de sua saúde, porém, para se sobrepor a fragilidade de seu corpo,
ela age de forma espontânea, impulsiva e até agressiva como se a todo momento
exigisse de si mesma a energia para viver e isso se manifestasse na forma de
traquinagens e atos impulsivos e irresponsáveis. Yoshimoto desenha uma
personagem forte e determinada apesar de grosseira, altiva e mal-educada.
Maria e Yoko, por sua vez,
possuem temperamentos mais brandos do que a de Tsugumi. Maria é ativa e forte,
poética e determinada, mas também é bem mais responsável e sensata do que a
prima. Yoko, por ser a mais velha, é madura e responsável, mas também frágil e
chorosa. Na tríade ela é a mais apática e passiva, mas se revela uma boa amiga
e uma irmã paciente e preocupada.
Esses três personagens foram
muito bem construídos por Yoshimoto, mas os demais (os pais de Maria, a mãe de
Yoko e Tsugumi, e, por fim, Kyoichi, o rapaz que se encontra na cidade durante
o verão) não são muito convincentes. Mesmo Yoko não me convenceu o bastante.
Digo isso por culpa de Tsugumi. Os atos da garota são revoltantes e de uma
falta de educação e consideração que ultrapassam os limites do bom senso, mas
todos a sua volta se mantêm resignados e aceitam-na como se fosse essa a única
possibilidade. Foi essa resignação
inverossímil que os fazem aceitar Tsugumi como ela é com pouca ou até sem
nenhuma reclamação que os tornou, para mim, distantes da realidade.
Excetuando Maria, parece que o pai de Tsugumi é a única exceção, o único a se
revoltar – mesmo que silenciosamente –, mas ele é inativo na narrativa e quase
não é mencionado.
Sou sincero em dizer que não gostei e nem me senti ligado
aos personagens de Yoshimoto e, por consequência, também não me senti ligado ao
livro.
Sinto que o propósito da escritora com seu livro é falar
de nostalgia e recordações, mas também da possibilidade da morte e como cada um
de nós reagimos a ela.
A primeira dessas percepções
está ligada ao tom da obra e se confirma no epílogo do livro escrito pela
autora. Tsugumi possui um tom
nostálgico de uma recordação de um tempo perdido e impossível de ser
recuperado. É como o resultado de alguém que mudou de vida deixando para trás a
anterior, mas que por um curto período de tempo a resgata e se agarra a esta
lembrança.
Maria viveu toda a sua vida
naquela cidadezinha pesqueira e se sente ligada ao mar e as pessoas que ali
vivem, por isso, ao se mudar para Tóquio ela se sente um tanto deslocada e a
falta daquele lugar a acompanha. As férias de verão é uma oportunidade de
reencontrar o passado recente, bem como de se despedir dele para aceitar um
futuro em diferente que será construído em outro lugar.
Porém, é quando se lê o
epílogo do livro que o leitor percebe que o significado dessa nostalgia é bem
mais profundo. Yoshimoto inspira-se em sua própria experiência pessoal para
escrever e compõe o livro com o objetivo de “registrar o estado de ócio” dos verões que ela costuma passar com a
sua própria família numa localidade da costa de Izu e que serve de inspiração a
sua trama. Ela resolve escrever uma trama que lembrasse aos seus os momentos em
que viveram juntos, e que lhes fosse possível recordar a maresia, os passeios
na praia, os banhos de mar.
Mas a outra temática é a
possibilidade da morte. Tsugumi tem uma saúde frágil e debilitada, por conta
disso o tema da morte lhe é rotineiro e uma sombra que paira sobre sua vida. A
todo momento temos a perspectiva de que ela não sobreviverá. Porém, Tsugumi tem
um posicionamento em relação a vida surpreendente: ela não se abate, não se faz
de vítima, usa até o último fôlego de suas energias, não se sente deprimida e
nem parece ter medo do fim, ela o aceita, mas, ao mesmo tempo, luta para viver
de forma intensa cada um dos momentos mais banais ou sublimes de sua vida. Ela os vive ao seu modo e gosto, mas os
vive sem arrependimentos. Trata-se de uma posição muito positiva em relação a
vida e um desejo intenso de vivê-la. Esse aspecto é tão notável dentro da
trama que me custa entender porque não me senti ligado a personagem.
Em conclusão: narração
e escrita
Fotografia da edição produzida por Eric Silva em dezembro de 2018.
A narração se dá em primeira
pessoa e é bastante linear, porém Maria usa de lembranças do passado que nos
ajudam a compreender melhor sua vida passada e o temperamento de Tsugumi. Esses
poucos e breves flashes se tornam, então, essenciais para a construção dos
personagens e o entendimento de como vivem suas vidas. Mas os dois aspectos que
mais marcar a narração e por consequência a escrita de Yoshimoto é o lado
sensorial da história e a poética de sua escrita.
Apaixonada pelo mar Maria
conduz uma narração bastante sensorial na qual os sentidos do olfato, do tato e
da visão são constantemente invocados. Yoshimoto escreve cenas cheias de
elementos naturais e poéticos e faz com que sensações como o cheiro da maresia
sobretudo se torne um elemento desencadeador de lembranças e marcante na vida
dos personagens. Do outro lado, ela também escreve a monotonia e tardes mornas
cheias de poesia e lirismo, e este que é um livro intimista e sem grandes
ápices se torne também muito poético, como nessa passagem à onde ele fala de
noites estranhas e de sonhos:
"Às vezes a noite usa dessas pequenas artimanhas. O ar atravessa
lentamente escuridão e, num local bem longínquo, encontra alguém com o mesmo
estado de espírito formando uma estrela cadente que cai em suas mãos fazendo-o
despertar. As duas pessoas sonham o mesmo sonho. Isso tudo ocorre durante a
noite é uma sensação única. Na manhã seguinte, o que ocorreu se torna ambíguo e
se confunde com a luz. Esse tipo de noite é longa. É eterna e brilhante como
uma pedra preciosa."
Por fim, acrescento que o texto é fluido e a leitura muito
rápida, sobretudo por conta dos capítulos pequenos (em geral 15 páginas) e por conta
de uma escrita bem estruturada e com uma tradução impecável e numa linguagem
acessível. Elogio ainda a edição que está belíssima e com notas de rodapé que
economizam a pesquisa de termos japoneses que aparecem na trama com relativa
frequência.
O desfecho
surpreende porque nos dá uma possibilidade de esperança, mas não é um grande
final. Yoshimoto prefere seguir o mesmo ritmo de toda a trama e fechar seu
livro sem nenhuma grande reviravolta, mas com a expectativa de mudanças que
estão por vir na vida de seus personagens.
A edição lida é da Editora
Estação Liberdade, do ano de 2015 e possui 184 páginas.
Sobre
o autor
Nascida em 24 de julho de 1964, em Tóquio, Banana Yoshimoto (よしもとばなな) é o
pseudônimo de Mahoko Yoshimoto.
Filha do filósofo, poeta e crítico literário Takaaki Yoshimoto,
Banana é uma escritora contemporânea japonesa. Formou-se pela faculdade de
Artes da Universidade Nihon, especializando-se em Literatura. Durante essa
época, tomou para si o pseudônimo "Banana", por causa de seu amor por
flores de bananeira.
Seu romance de estreia, Kitchen,
foi um sucesso instantâneo no Japão e foi adaptado duas vezes para o cinema. Em
novembro de 1987, recebeu o sexto Prêmio Kaien de Novos Escritores e o Prêmio
Umitsubame de Primeiro Romance, bem como o décimo sexto Prêmio Literário Izumi
Kyoka, em janeiro de 1988.
Alguns críticos dizem que muito de seu trabalho é superficial e
comercial, mas seus fãs pensam que Banana Yoshimoto consegue capturar
perfeitamente o que significa ser jovem e frustrado no Japão moderno. Os dois
principais temas de sua obra, segundo a própria autora, são "a exaustão da juventude no Japão
contemporâneo" e "a maneira
como experiências terríveis modificam a vida de uma pessoa".
Preview do Issuu
Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível
no Issuu.