Por Eric Silva
“Eu só queria alimentar o meu filho o suficiente para
satisfazê-lo.”
(trecho de bilhete suicida de uma mãe solo japonesa).
Está sem tempo para ler? Ouça a nossa
postagem, basta clicar no play.
Recentemente resenhei o filme japonês Dare mo Shiranai (誰も知らない), traduzido no Brasil como Ninguém Pode Saber. Baseado em
fatos reais, o filme dirigido por Hirokazu Kore-eda (是枝 裕和) conta a
história de quatro crianças que tentam sobreviver, ao longo de meses, ao
desamparo e a pobreza, após serem abandonadas pela mãe em um apartamento
diminuto no subúrbio da cidade de Tóquio.
Nessa
resenha falei um pouco sobre o filme, minhas impressões e também sobre seus
principais personagens, sobretudo o menino Akira (福島明),
e, de forma mais breve, sua mãe, Keiko Fukushima (福島けい子),
esta última, o personagem mais intrigante e oblíquo da narrativa.
A família Fukushima |
Ao longo dos meus comentários e análise da personagem interpretada por You (江原由希子 Ehara Yukiko), apontei que Keiko é uma mulher de fala e lógica muito infantil e que, por sua imaturidade, não foi capaz de seguir um planejamento familiar, tendo muitos filhos de pais diferentes e ausentes. Ao mesmo tempo, ela foi incapaz de manter-se junto as quatro crianças e após escondê-las da sociedade, privando-as de uma vida normal, também as abandona em troca de uma proposta de casamento. Ou seja, afirmei categoricamente que a família Fukushima é nitidamente desestruturada e o centro dessa falta de estrutura é a mãe das quatro crianças, principal responsável pela desventura dos filhos. Mas, na ocasião, também levantei um outro questionamento: seria realmente só isso? Não estaria fazendo uma análise superficial da personagem?
A minha tese é que analisar a personagem Keiko apenas por
suas características psicológicas, desconsiderando o contexto social no qual
ela se encontra é se manter na superfície dos fatos. Por mais desequilibrado, imaturo ou
irresponsável que seja o ser humano, suas escolhas e atitudes não são
determinadas de forma aparte do contexto social no qual se encontra inserido,
porque ser humano algum está imune das influências e determinações sociais.
Essa
linha de raciocínio fez então com que eu me questionasse qual seria, no Japão,
a realidade das mães solteiras, ou mães solo. E ao fazer algumas pesquisas,
constatei que, por detrás da Keiko que Kore-eda nos permite conhecer, há o peso de
uma sociedade na qual centenas ou até milhares de mães japonesas solteiras
passam por profundas dificuldades financeiras junto com seus filhos, a despeito
do avanço social apresentado pelo país.
Conhecer essa realidade até então ignorada por mim,
permitiu com que eu tivesse uma outra visão sobre a personagem de Dare mo Shiranai. Não uma visão
que justifica suas ações, mas que ao menos volta-se para ela com um olhar mais
humano.
Nessa
postagem especial apresento algumas informações sobre a situação da mãe solo no
Japão e falo um pouco da minha interpretação da personagem Keiko do filme de Kore-eda.
***
A mãe solo
(solteira) no Japão
As condições de vida das
famílias monoparentais chefiadas por mulheres no Japão nem sempre são as
melhores possível, podendo variar bastante de acordo com fatores como: a
escolaridade individual da mulher, seu histórico de trabalho, círculo social e
até mesmo recursos internos.
Segundo algumas pesquisas que
realizei na internet, muitas das mães de família solteiras se encontram na
linha da pobreza e até mesmo passam fome. Seus filhos são em média mais pobres
e apresentam níveis de escolaridade menor, além de menores perspectivas de
crescimento social[1].
No Japão, existe a tendência
de que as mulheres ganhem muito menos do que os homens na realização de tarefas
similares. Contudo, a situação se tornou ainda mais grave após muitos anos de
estagnação econômica ao qual o país se encontrou submetido. Segundo afirma
Yoshiaki Nohara, jornalista da agência de notícias nova-iorquina Bloomberg[2],
muitos postos de trabalho permanentes no Japão foram sendo gradativamente
substituídos por empregos de baixa remuneração com carga horária de meio
período ou por contratos. Essa nova realidade trabalhista teria afetado o modo
de vida de muitos japoneses, mas de forma especial às mães solo do país que
tiveram suas perspectivas de trabalho consideravelmente diminuídas.
Ainda segundo Nohara, a
maioria dessas mulheres conseguem se empregara apenas em ocupações temporárias,
de meio período ou por contratação, o que lhes dão não só rendimentos menores
como poucas garantias de benefícios sociais ou previdenciários. Por conta
disso, não é incomum que essas mulheres procurem vários empregos que lhe
garantam, no conjunto, o mínimo para suprimir as necessidades do núcleo familiar
que chefiam.
Ainda assim, segundo
estatísticas apresentadas por Akaishi Chieko, membro do Painel de Especialistas
em Apoio a Famílias Monoparentais no Conselho de Segurança Social do governo
japonês[3],
“mães solteiras que conseguem encontrar e
manter posições regulares recebem em média ¥2,7 milhões (R$ 80.730,00)
anualmente”, em contraposição àquelas que trabalham no regime de trabalhos
temporários, de meio período ou de pagamento por hora, e que acabam por receber
entorno de ¥1,25 milhões (R$ 37.375,00) valor que se encontra abaixo da metade
da média em relação a todas as famílias japonesas de classe média.
Chieko explica que a
origem do problema de tantas mães solo viverem em condição de pobreza está
enraizado na discriminação de gênero existente no país e que se combina com o
aumento da pobreza e da desigualdade de renda. Segundo a especialista, a
desigualdade salarial entre os gêneros no Japão está entre as maiores do mundo
industrializado, com as mulheres ganhando salários que no geral são baixos. Ela
afirma, inclusive, que a pobreza não é um caso isolado das mães solo, mas um
problema que vem crescendo para as mulheres japonesas no geral.
No caso específico das mães
que trabalham, afirma Chieko, estas recebem até 60% menos do que os pais que
trabalham. Em suas palavras esta disparidade de renda é resultante de “um sistema social construído com base na
concepção de que o marido é o chefe da família”. Ela ainda complementa:
“O sistema formou suas raízes nas décadas de 1950 e 1960 para dar apoio
à estrutura familiar padrão que consistia em um marido que trabalhava por
longas horas fora de casa; uma esposa que ficava em casa para fazer os serviços
domésticos, cuidar das crianças e dos idosos (suplementando a renda de seu
marido através de trabalhos de meio período quando necessário); e seus filhos.
O sistema dá tratamento preferencial para famílias com esposas dependentes
através do pagamento de pensões para cônjuges dependentes, da isenção de
imposto de renda para o cônjuge e subsídios para o cônjuge pagos por
empregadores corporativos”.
Por conta desse sistema, mais
da metade das mulheres japonesas param de trabalhar quando casam ou tem seu
primeiro filho e passam a se dedicar a família por tempo integral, tornando-se
dependente de seu cônjuge. Contudo, declara Chieko, “o peso econômico que o sistema impõe sobre aqueles que se afastam da
norma cai desproporcionalmente em cima das mães solteiras, as quais encaram o
desafio de conseguir dinheiro o suficiente para criar seus filhos em um mercado
de trabalho que foi montado para oferecer nada mais do que ganhos suplementares
às mulheres durante os anos de educação de seus filhos”.
O
resultado é que as mulheres que chefiam famílias monoparentais encontram
dificuldades muito grande para manter seus filhos em um país com elevado custo
de vida. Quando não conseguem postos regulares de trabalho, suas famílias
entram para a lista daqueles na linha de pobreza ou abaixo delas. Por isso, não
é incomum que elas evitem compartilhar com amigos e familiares a realidade de seus
relacionamentos, como declara a redação da revista Marie Claire em reportagem
de 2017[4].
Paulo
Sakamoto, do IPC Digital[5],
menciona um caso de 2013, ocorrido no distrito de Kita, em Osaka, no qual uma
mãe e seu filho foram encontrados mortos em um apartamento. Segundo ele não
havia alimento algum no local e fora encontrado um bilhete com as seguintes
palavras: “Eu só queria alimentar o meu
filho o suficiente para satisfazê-lo.” Segundo Sakamoto, esse caso foi o
motivador para o surgimento de uma ONG japonesa, o grupo “Ação Contra a Pobreza
Infantil de Osaka”, que vem trabalhando com mães solteiras em condições de
pobreza.
O nível de escolaridade é
outro ponto que, conforme declara Chieko, se configura como fator impulsionador
das dificuldades encontradas pelas mães solo do Japão. A especialista explica
que, no país, possuir um diploma de conclusão do ensino médio é pré-requisito
para licenças profissionais e também certificados. Segundo ela, aqueles que não
completaram o ensino médio possuem opções de carreira muito limitadas e acabam
ou desempregados ou em subempregos nos quais são muito mal pagos. Por conta
disso, o nível de escolaridade da mulher é um fator importante no que diz
respeito as condições de vida por ela enfrentadas quando se torna uma mãe solo.
Chieko afirma que no Japão
existem medidas e programas adotados pelo Estado japonês para prestar auxílio
social às mães solteiras ou divorciadas, mas ela adianta que essa assistência
pública é inadequada e, por isso, pouco auxiliam para a melhoria da qualidade
de vida das famílias monoparentais em situação de pobreza. Segundo a
especialista as duas principais formas de assistência públicas disponíveis no
país são: o subsídio de educação para as crianças (jidō fuyō teate), que é
utilizado principalmente por pais divorciados, e o subsídio infantil (jidō
teate), um benefício para famílias de baixa renda com filhos. Porém, ambos
possuem pagamentos muito baixos e o governo não oferece ajuda quanto aos custos
de seguro social, que, segundo Chieko, são “uniformemente
elevados” e “que as famílias
japonesas devem pagar aos sistemas de seguro de saúde e de pensões”.
Em suma, pode-se perceber que
as condições de vida das mães solo (solteiras) no Japão, mesmo em tempos
modernos, podem ser muito difíceis, marcadas por tabus e problemas econômicos,
a depender da escolaridade, histórico trabalhista e círculo social da mulher.
Isso me fez cogitar a ideia de que situações como estas podem levar muitas mães
desesperadas ou que ambicionam para si uma condição de vida mais estável e
favorável às atitudes extremadas e criminosas como as adotadas pela personagem
de Kore-eda e pela mulher real que inspirou o filme. Todo esse contexto social
parece estar nas entre linhas da história de Dare mo Shiranai, mas nem sempre é possível deduzi-lo ou cogitá-lo.
Depois de apresentar algumas
estatísticas falarei mais sobre Keiko Fukushima.
Algumas estatísticas
De
acordo com o Ministério da Saúde do Japão, 16% das crianças japonesas vivem
abaixo da linha da pobreza, número esse que aumenta para 55% entre famílias
monoparentais[6].
De acordo com o Ministério do Trabalho, no Japão, o número de famílias de mães solteiras aumentou cerca de 50% entre os anos de 1992 e 2016 (712.000 famílias)[7].
A taxa de pobreza infantil para famílias de mãe solteira que trabalha é de 56%, a mais alta entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)[8].
Segundo relatório do Governo Metropolitano de Tóquio, dos 1.447 casos de maltrato infantil computados entre março de 2003 e 2004, 32% ocorreram em famílias monoparentais e 31% em domicílios com dificuldades econômicas[9].
A idade média das mães solteiras no Japão é de 40 anos. Destas, 80,8% são divorciadas, 7,8% não se casaram e 7,5% são viúvas[10].
Apenas cerca de 40% das mães solteiras são classificadas como empregadas regulares e mais de 50% são empregadas não-regulares. A proporção entre não-regulares e regulares vem crescendo anualmente[11].
A porcentagem de mães solteiras que possuem apenas o ensino fundamental é de 13,3%[12].
A renda média anual para mães solteiras que não concluíram o ensino médio é de ¥1,29 milhões (R$ 38.571,00)[13].
De acordo com o Ministério do Trabalho, no Japão, o número de famílias de mães solteiras aumentou cerca de 50% entre os anos de 1992 e 2016 (712.000 famílias)[7].
A taxa de pobreza infantil para famílias de mãe solteira que trabalha é de 56%, a mais alta entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)[8].
Segundo relatório do Governo Metropolitano de Tóquio, dos 1.447 casos de maltrato infantil computados entre março de 2003 e 2004, 32% ocorreram em famílias monoparentais e 31% em domicílios com dificuldades econômicas[9].
A idade média das mães solteiras no Japão é de 40 anos. Destas, 80,8% são divorciadas, 7,8% não se casaram e 7,5% são viúvas[10].
Apenas cerca de 40% das mães solteiras são classificadas como empregadas regulares e mais de 50% são empregadas não-regulares. A proporção entre não-regulares e regulares vem crescendo anualmente[11].
A porcentagem de mães solteiras que possuem apenas o ensino fundamental é de 13,3%[12].
A renda média anual para mães solteiras que não concluíram o ensino médio é de ¥1,29 milhões (R$ 38.571,00)[13].
Keiko Fukushima
Keiko |
Se no filme Dare mo Shiranai o menino Akira é
o personagem mais notável e interessante, Keiko, sua mãe, é, sem dúvidas, o mais intrigante
para mim.
Mais infantil que as próprias
crianças, tudo na personagem da atriz You (江原由希子 Ehara Yukiko) mostra um posicionamento
estranho, imaturo e irresponsável em relação a vida. Desconsiderar a
importância dos estudos, deixar crianças cuidarem de si como se fossem adultos,
escondê-las da sociedade, depender delas nas tarefas domésticas, trocar
constantemente de parceiro e arriscar a vida de duas crianças pequenas só para
omitir sua existência são apenas algumas das ações de Keiko que nos faz pensar
que a personalidade da japonesa é das piores possíveis.
É obvio que a atitude de
Keiko ao abandonar seus filhos à própria sorte demostra bastante desumanidade
por sua parte, mas analisá-la apenas por suas características psicológicas,
desconsiderando o contexto social que apresentei acima e no qual ela se
encontra, é se manter na superfície dos fatos. Keiko não aparenta ser apenas o algoz,
mas, ao mesmo tempo, parece ser também vítima de algo maior do que ela, maior
do que aquele apartamento diminuto e com o qual a moça, por sua infantilidade
explícita, por sua falta de maturidade contundente, não teve nem forças nem
jeito para lidar. Numa sociedade na qual
as mães solteiras muitas vezes se vem em condições muito difíceis, Keiko cedeu
às soluções fáceis e muito pouco morais.
Primeiramente, é evidente que
Keiko é imatura e irresponsável, isso não se discute, porque quem analisa com
cuidado a trama criada por Kore-eda percebe que Keiko é pouco afeita a encarar
a realidade de forma objetiva. Suas aventuras amorosas inconsequentes deram
origem a quatro crianças não planejadas, em um país onde os cultos de vida e
para criar um filho são elevadas, levando os casai japoneses a optarem por ter
poucos filhos. Entretanto, nem tudo nessa mulher é verdadeiramente infantil, há
ali também muito de malícia e isso é fácil de notar quando ela se demonstra empenhada
a esconder literalmente a existência de seus filhos. E aqui chegamos ao ponto em que constatamos essa malícia: esconder da
sociedade a existência dos filhos nada mais é do que uma estratégia para se
alcançar um fim, um casamento que lhe dê estabilidade.
A vida de uma mãe solo (mãe
solteira) no Japão está longe de ser uma das melhores. Como vimos, uma grande
parcela delas vive com extrema dificuldade financeira estando na linha de
pobreza e trabalham em diferentes empregos para conseguirem manterem seus
lares. Keiko seria uma delas.
Pertencente ao grupo dos 7,8%
das mães solteiras que não se casaram, a personagem do filme não parece ter
vários empregos, mas trabalha até muito tarde, quando os seus atrasos não são
decorrentes a farras e bebedeiras com conhecidos seus. Além disso, a pouca
importância que ela dá a escolarização demonstra que mesmo ela deve ter um
nível educacional muito baixo, o que limitariam ainda mais suas possibilidades
de conseguir uma colocação profissional com salário maior do que seu trabalho
em um departamento de venda de roupas. Ela muito provavelmente possuía uma
renda tão baixa quanto as estatísticas japonesas apresentam e notadamente ela
jamais conseguiria atingir uma ascensão social por outras vias que não fossem
um casamento bem-arranjado.
Cartaz francês do filme. |
Diante disso, Keiko prefere
sonhar com um futuro melhor e estável que poderia ser garantido pelo casamento,
aparentemente a forma mais fácil de ascensão social para a japonesa. Contudo,
esse sonho esbarra no mecanismo pelo qual funciona uma sociedade que é ainda
muito machista e até certo ponto tradicional: mães solteiras dificilmente se casam, porque dificilmente um homem
deseja assumir os filhos de outro.
Keiko, no meu ponto de vista, abandona os filhos porque
desejava a estabilidade de um casamento que ela jamais conseguiria sendo mãe de
quatro crianças. Que homem se casaria com ela sabendo de sua prole numerosa quando nem
os pais biológicos das crianças assumiram a paternidade? Silenciosamente
ela tinha consciência disso e, por isso, era fundamental que o mínimo de
pessoas soubesse da existência dos filhos.
Como mãe solteira e
profissional de baixo nível de escolarização, ela tinha poucas perspectivas de
ascender socialmente, ainda mais com quatro crianças para vestir e alimentar.
Além disso faltava-lhe a maturidade e a força de vontade para enfrentar esse
desafio enorme e cheio de privações.
Aparenta inicialmente ser uma
boa mãe, zelosa, gentil e atenciosa, mas ao longo de toda a trama ela age de
forma bastante egoísta. Para ela escondê-los estava acima de garantir o
bem-estar e a integridade física e emocional das crianças. Transportar os
filhos menos em malas de viagem e submetê-los a essa condição aponta para uma
negligência velada pela máscara de mãe carinhosa. Além disso, ainda pode-se
mencionar a forma como ela põe sobre as costas de Akira um peso desproporcional
a sua idade: cuidar da família como se fosse um pequeno adulto. Se não
bastasse, ainda questiona ao menino – quando este se queixa de seu novo
relacionamento – se ela não podia ser feliz, e culpa o pai de Akira pelo seu
infortúnio.
Em resumo, aquela família era
produto da falta de maturidade e sentimento de dever e responsabilidade de
Keiko e ao mesmo tempo era a amarra que a impedia de ascender à vida que
desejava para si. Essa mesma falta de maturidade e responsabilidade condena ela
e os filhos a uma vida cheia de mudanças e inconstâncias, onde tudo é
provisório e irregular. Sempre que a vizinhança descobre a existência das
crianças eles se mudam e, para manter sua condição oficial de solteira, os
quatro são impedidos de frequentar uma escola, de sentirem a liberdade de
espaços amplos e abertos e de viverem uma vida normal, como a de outra criança
qualquer.
Mas porque ela esconde a existência de seus filhos? A resposta não seria tão simples, em boa parte já a
respondemos, mas algumas evidências são passiveis de ponderação.
Em primeiro lugar, omitir a
existência de quatro crianças reduzindo-as a uma, ajudava conseguir locatários
que aceitassem alugar um imóvel para ela e seu filho. Escondê-las era também
uma forma de mantê-las incógnitas da sociedade, tornando, inclusive, mais fácil
abandoná-las depois.
Em segundo lugar, e bem mais óbvio
que o primeiro motivo, não admitir a existência de seus filhos significava
manter mais facilmente a imagem de uma mulher solteira e desimpedida, o que
facilitava a busca por um parceiro, como já explicamos.
Em terceiro lugar, não
matricular as crianças na escola representava uma economia, tendo em vista os
gastos elevados com escolarização sem o devido apoio de programas sociais que
poderiam ser oferecidos pelo Estado. Se isso não bastasse, a pouca
escolarização dela própria poderia ser uma justificativa para a visão estreita
e reducionista da mesma em relação a importância das crianças frequentarem a
escola.
Em conclusão, sem estruturas psicológicas ou morais
suficientes e vítima de um sistema social injusto, Keiko acaba por se tornar
algoz de seus filhos. Com um nível de escolaridade baixo e menores perspectivas
de crescimento social e profissional, além de uma renda muito baixa, sem ajuda
governamental e com muitos filhos para sustentar sozinha, Keiko escolheu a
solução mais fácil: abandonar suas crianças à própria sorte e recomeçar com um
novo parceiro.
Diria eu que ela é produto de uma sociedade onde a mulher
é desvalorizada profissionalmente, onde manter-se empregado é muito difícil, e
que força, sobretudo os menos escolarizados, a se submeterem a formas de
trabalho não-regulares. Um sistema no qual as mães solos são submetidas à
grandes privações e desafios para garantir a alimentação e a escolarização
mínima de seus filhos. Desse modo, de forma egoísta ela sacrifica o bem-estar
de seus filhos – os únicos inocentes em toda essa trama – em nome de seu
próprio conforto. Essa é a Keiko tal qual eu a vejo.
Postagens Relacionadas
Nosso Itinerário: livros resenhados
Listas e Postagens Especiais
Cinema
[1]
Filhos de mães solteiras se tornam classe baixa no Japão. Disponível em:
https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2018/06/25/filhos-de-maes-solteiras-se-tornam-classe-baixa-no-japao.htm.
[2]
Filhos de mães solteiras se tornam classe baixa no Japão. Disponível em:
https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2018/06/25/filhos-de-maes-solteiras-se-tornam-classe-baixa-no-japao.htm.
[3]
A situação difícil enfrentada pelas "mães solteiras" japonesas.
Disponível em: http://www.rukhnoteikoku.com/2016/11/traducao-situacao-dificil-enfrentada.html?m=1.
[4]
Preconceito leva mães solo à pobreza, no Japão. Disponível em:
https://revistamarieclaire.globo.com/Noticias/noticia/2017/05/preconceito-leva-maes-solo-pobreza-no-japao.html.
[5]
ONG: Mães solteiras do Japão enfrentam pobreza, fome e abusos. Disponível em:
http://www.ipcdigital.com/nacional/ong-maes-solteiras-do-japao-enfrentam-pobreza-fome-e-abusos/.
[6] https://revistamarieclaire.globo.com/Noticias/noticia/2017/05/preconceito-leva-maes-solo-pobreza-no-japao.html
[7]
https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2018/06/25/filhos-de-maes-solteiras-se-tornam-classe-baixa-no-japao.htm
[8]
Ibidem.
[9]
Ibidem.
[10]
http://www.rukhnoteikoku.com/2016/11/traducao-situacao-dificil-enfrentada.html?m=1
[11]
Ibidem.
[12]
Ibidem.
[13]
Ibidem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário