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quarta-feira, 18 de julho de 2018

A Comédia Trágica ou a Tragédia Cômica de Sr. Punch – Neil Gaiman e Dave McKean – Resenha

Por Eric Silva


Está sem tempo para ler? Ouça a nossa resenha, basta clicar no play.



A Comédia Trágica ou a Tragédia Cômica de Sr. Punch é uma graphic novel idealizada por Neil Gaiman e Dave McKean que fala sobre a passagem da infância para a idade adulta. Não foi um livro que tenha me tocado pela sua narrativa monocromática e melancólica, mas que chama a atenção por sua proposta estética criativa e original que ainda não tinha visto no gênero HQ. Hoje compartilho com vocês minhas impressões sobre a obra.

Sinopse

Escrito por Neil Gaiman com ilustrações de Dave McKean, A Comédia Trágica ou a Tragédia Cômica de Sr. Punch é uma graphic novel que narra as lembranças de um menino durante sua estadia na casa dos avôs, na cinzenta Portsmouth, uma cidade litorânea do sul da Inglaterra.

Ao longo de sua narrativa o narrador personagem vai rememorando momentos soltos daqueles dias, da sua infância e das pessoas com quem convivera, sobretudo seu avô, que enlouquecera, seu tio-avô deficiente físico, Morton, e um velho mestre de fantoches que interpretava a tradicional e violenta peça de Punch & Judy que dá nome a obra. Desta forma, também aos poucos vai desenterrando segredos de família e demarcando de forma subjetiva o momento do fim da sua infância.

Resenha

Antes de escrever este texto, logo que terminei a leitura, busquei na internet um texto que falasse sobre essa graphic novel. Queria entender essa que foi para mim uma leitura cheia de incógnitas e marcada pelo estranhamento e que me fez não gostar da obra – segunda vez que Gaiman não alcança meu coração.

Em minha busca me deparei com o texto inspiradíssimo de @Lokow, do LivroCast (link), que, em seu escrito, conseguiu de forma bem direta esclarecer quase tudo que não compreendi desta que foi a obra de Gaiman que mais me inquietou. Concordo em quase tudo com o que @Lokow escreveu, ainda que não divida com ele o mesmo entusiasmo, e por isso, tentarei não ser muito repetitivo, ou melhor tentarei segui caminho distinto e complementar.

Antes de tudo, Quem é Mr. Punch?

Teatro de fantoches.
Punch & Judy é uma tradicional peça de teatro de rua (itinerante) para fantoches e que vem sendo encenada por séculos com variações e modificações cada vez maiores e profundas. O livro recebe nome de A Comédia Trágica ou a Tragédia Cômica de Mr. Punch porque muitos dos personagens se veem diretamente ligados à peça, mas, sobretudo, ligados ao seu personagem principal, seja por dar-lhe vida como mestres marionetistas ou por ser por ele representados ou amedrontados.

Em seu livro, Teatro de Formas Animadas, a pesquisadora Ana Maria Amaral afirma que as origens desta peça proveem das tradições ítalo-francesas e teria chegado à Inglaterra ainda em 1662, pelas mãos do mestre marionetista Pietro Gimondi e com o nome de Polichinelle. Ali teria se misturado às tradições inglesas e, ao longo dos séculos, foi tomando o formato que é conhecido hoje.

Na peça, Punch é o principal personagem e o único que não sai de cena. O fantoche é quase sempre representado como um bobo da corte, perverso, de voz esganiçada e de humor negro que vai contracenando com diversos personagens que entram e saem de cena quase sempre de forma trágica, ou seja, assassinados pelo protagonista. Como os fantoches são manuseados por apenas uma pessoa, todas as cenas são sempre realizadas com somente dois personagens por vez, com Punch sempre na mão direita.

Em uma das suas mais conhecidas variações, adotada por Gaiman, as primeiras vítimas de Punch são o filho recém-nascido, jogado pelo pai para fora do palco, e a esposa Judy, morta a pauladas durante uma briga. Ao longo da peça, outros personagens tentam enfrentá-lo sem, no entanto, terem sucesso.

Conta Ana Maria que, de início, Punch aparecia como um “bufão escandaloso, satirizando os costumes, intrometendo-se nas cenas mais sérias” de outras peças mais clássicas e de temas mais circunspectos como as histórias bíblicas, lendas e histórias populares sobre a vida e amores dos reis. Contudo, com a decadência do teatro de fantoche de caráter literário e elitista, os mestres da época buscaram no povo mais simples das ruas, praças e feiras livres um novo público, e acabaram por alcançar grande popularidade com temas e histórias mais simples. E como relata a autora foi “no confronto diário com o povo [que] Punch adquiriu outras características”.

“A forma e o conteúdo mudaram. Em lugar dos longos seriados religiosos e dos dramas altamente literários, os bonequeiros ambulantes passaram a apresentar historinhas curtas, sintetizadas, com a preocupação de chamar a atenção dos passantes indiferentes”.

Mais afrente, a autora ainda afirma que, já na Inglaterra, Punch ganha uma mulher, um filho e um cachorro, passando a ter um formato mais próximo do atual Punch & Judy.

Segundo Ana Maria, entre outras coisas as peças representavam “a problemática do relacionamento entre homem e mulher”, onde “Punch sozinho é uma luta contra a ordem estabelecida, onde sua violência irracional nem sempre colabora para melhorá-la”.

É esta versão mais moderna que Gaiman se utiliza para compor o Punch do seu rol de personagens, contudo sem ressaltar o lado cômico da peça ou de seu protagonista. Digo personagem, porque, sobretudo Punch, aos poucos, vai se incorporando às lembranças do narrador e torna-se quase uma pessoa atuante e influente na vida do menino, ou como afirma @Lokow, uma “representação para o avô do menino”, “da própria loucura de seu avô”.

É sobretudo a presença de Punch, com seus atos violentos, assassínios e sua carranca grotesca, que dá a obra, sobretudo em seu começo, um tom mais sombrio que aos poucos vai sendo substituído pelo ritmo monótono das lembranças do narrador.

No fim desta resenha você pode conferir uma apresentação da peça em inglês.

O Enredo

O enredo de A Comédia Trágica ou a Tragédia Cômica de Sr. Punch é, para mim, dos mais monótonos, sacais, ainda que a subjetividade das lembranças e a complexidade das relações humanas ali engendradas deem assunto para uma tese de psicologia sobre memória, infância e história de vida.

Ao longo da narrativa somos apresentados a diferentes momentos monocromáticos da vida do menino na infância e em um passado próximo já na idade adulta. Acontecimentos que vão se costurando para dar sentido a outros mais remotos. Entretanto, a chave central da narrativa está no episódio de sua estadia na casa dos avós quando tinha oito anos, período anterior ao processo de enlouquecimento do avô. Inclusive o tema morte, é bastante presente, seja nas reflexões do narrador, seja na peça que dá nome a obra.

Por conta de uma doença que podia ser transmitida para mãe grávida, o menino é mandado para a casa dos avôs em Portsmouth. Lá passa seus dias invariáveis que oscilam entre a leitura de algum livro, o parque de diversões do avô e os diálogos nem sempre conclusos com algumas pessoas do ciclo de conhecidos da família ou membros dela mesma, como o tio-avô, Morton, que é portador de deficiência física.

Nesta mesma época, ele entra em contato com o teatro de fantoches da peça de Punch, que inicialmente lhe causa medo e uma certa aversão ao personagem principal, o que meio que persiste durante a fase adulta, ainda que admire o trabalho dos mestres do teatro de fantoche. É logo nas primeiras páginas que conhecemos o primeiro ato da peça no qual ocorre o macabro assassinato do filho de Punch, cometido por ele mesmo.

Coincidentemente, aquele período também fora o mesmo em que o parque do avô fecha as portas. Em decorrência ou como fator desencadeador disso, algumas situações e pessoas entram em cena para desenterrar o passado do avô, ao mesmo tempo, há desencadeamento de alguns acontecimentos marcantes e envolver o menino em segredos de família.

Ao longo de todo esse processo de recuos e retornos no passado recente e distante, vamos “assistindo” diferentes atos da peça, que tem na história seus aspectos violentos bem mais destacados do que os de comicidade, por isso me pergunto onde ficou a “comédia” do título. Assim como o menino, vamos conhecendo passagens da peça aos pedaços, em momentos esparsados da sua história e sempre pela perspectiva dele (e talvez por isso Punch & Judy ganhe um tom bem mais sombrio do que a história original tem na realidade).

O narrador, o personagem

Narrador e personagem
Dos personagens da narrativa o de maiores destaque é o próprio menino, uma vez que todas as lembranças são postas segundo sua própria percepção, reconstruídas, remontadas ou até distorcidas pela sua memória ao mesmo tempo que aumentadas pela visão que tinha do mundo ainda na infância. Por todas estas coisas descrevê-lo é difícil, porque a imagem do menino desta narrativa não é confiável, é a construção e reconstrução da percepção que o adulto tem de si mesmo, de como se lembra no passado, de como se imagina ter sido ante os fragmentos que restam de algo extinto, a reminiscência, a memória.

Contudo a imagem que é criada é a de uma criança apática, temerosa, monocromática que é levada ao sabor do desejo dos adultos pouco atenciosos e ensimesmados.

Não lembro o que respondi. Mas, não, não estava empolgado. Nunca ficava empolgado. Dormi profundamente àquela noite, e não tive sonhos de que me lembre”.

Por sua vez, o adulto é sofrido, amargurado por não poder alcançar o passado, fazer as perguntas que não fizera, preencher as lacunas de uma história que testemunhou em parte, mas que desconhece no todo e isso faz com que passado e morte sejam temas recorrentes:

Queria do fundo do coração que, agora, pudesse voltar e falar com eles, fazer perguntas, iluminar os escuros do passado. Mas estas pessoas estão mortas, e não vão falar. Agora que quero vasculhar o passado, não posso".

Da estética

Desenhos, colagem e tons escuros
Mais curiosa do que a narrativa é a estética dessa graphic novel, tão distante de tudo o que eu já tenha visto. Trabalho do desenhista de quadrinhos, ilustrador, cineasta e músico inglês Dave McKean, a ilustração se faz numa confusão de elementos.

Desenho, pintura, fotografia e até recorte de texto se sobrepõem como em uma colagem, volta e meia em um caos de elementos e objetos que se entrelaçam para compor um todo, oscilando entre tons pesados e sombrios, cores frias, neutras, vermelhos sanguíneos, muito bege e sépia. Mas, por vezes é também quadro bastante minimalista, quase desprovido de elementos, mas em iguais tons.

Os sentimentos de nostalgia da recordação, as sombras de um passado em parte incompreendido, o medo, a loucura, a monotonia das pessoas e do lugar, tudo isso é expresso pela cor e pela imagem que mistura fotografia e desenho.

Para compor as imagens Dave utiliza também muitos objetos antigos e até curiosos como um pequeno equipamento provido de uma lupa que ao mesmo tempo que mantinha aberto o livro, aumentava sua letra. Algumas imagens também são disformes e apenas conseguimos perceber silhuetas, contornos embaçados. Um tipo de arte que ainda não tinha visto em obras de HQ.

Por fim, o que tenho a dizer é que este HQ, demasiadamente melancólico, em alguns momentos amedrontador, não conseguiu me tocar com sua narrativa. Contudo, ele me impressionou bastante pela sua arte estética, pela proposta artística dos quadros e pela profundidade de algumas poucas passagens, como esta:

Cada imagem carrega consigo um sentimento de perda, mesmo que seja uma perda tingida, ainda que suavemente, de um certo alívio. A idade carrega estranhos fardos, e um deles, talvez inevitavelmente, é a morte.

Passagens carregadas de melancolia, mas nem por isso mentirosas.

A edição lida é da Editora Conrad, do ano de 2010 e possui 104 páginas.

Apresentação da peça Punch & Judy realizada em 2012 por conta do 350º aniversário do Sr. Punch

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Retrospectiva 2016 Conhecer Tudo

Por Eric Silva

Mais um ano está acabando e como todos os anos nós ocidentais dedicamos os últimos momentos do ano que vai embora para refletirmos sobre o período que finda, e fazemos planos para o que chega. Vem sendo assim há muitas gerações e continuará sendo assim por muitas outras. Ainda assim, nunca na história deste blog tivemos uma retrospectiva, esta é, pois, a primeira. E porque fazê-la? Porque 2016 foi um ano especial para o Conhecer Tudo, o ano do nosso grande retorno, um ano de atividade intensa como jamais ocorrera aqui no blog em outros anos. Por isso, e para seguir a tradição ocidental, não poderíamos deixar que 2016 fosse embora sem que rememorássemos algumas coisas importantes que fizemos nesse tempo.

O retorno depois de quatro anos


O Conhecer Tudo foi criado por mim em 05 de Janeiro de 2012, quando publiquei a nossa primeira resenha literária, a do livro O Monte Cinco de Paulo Coelho. Mas até o começo de 2016, as resenhas e postagens do blog só eram publicadas de forma espaçada, com meses e até um semestre de intervalo entre uma postagem e outra.

Foi em 2016 que resolvi retomar e me dedicar mais ao projeto, criando novas redes de interação com o público (fanpage, Twitter, perfil no Google+, no Tumblr, no Pinterest e no Instagram) e aumentando a frequência de publicação. Com isso conseguimos mais seguidores e estamos muito felizes com isso, por que tudo o que fazemos é para o nosso público. Obrigado por estarem conosco.  

Hoje pretendo continuar com o projeto, mas sem saber se poderei continuar com o ritmo de publicação obtido em 2016. Em 2017 concluirei minha especialização e preciso me dedicar ao meu projeto de pesquisa, além disso preciso gerir outro blog, mais antigo e que esse ano ficou bem esquecidinho, o Geographia Mundi. Mas, de qualquer forma o retorno de Conhecer Tudo é definitivo.



O Ano da Espanha

Aqui no blog 2016 foi batizado como o ano de comemoração à literatura espanhola. De abril a dezembro nos dedicamos a leitura de livros da literatura daquele país bem como a resenhar alguns de seus filmes interessantes.  Mas a ideia de homenagear a literatura de um país específico não nasceu do nada, bem como a escolha pela Espanha não foi aleatória.

Tudo começou em abril, quando, depois de três anos, resolvi ler um livro que tinha comigo há muito tempo. Um livro que havia visto pela primeira vez na seção de livros de uma revista de grande circulação quando ainda vivia em Salvador, a capital baiana, mas que levaria muitos anos para fazer sua leitura. Este livro era A Sombra do Vento, do autor espanhol Carlos Ruiz Zafón.

Na época li o livro aos pedaços porque abril foi um mês tumultuado. Além disso, a edição que tinha comigo era portuguesa e muitos termos para mim desconhecidos dificultavam a leitura, mas mesmo com tantos obstáculos fui tomado pela narrativa e ao conclui-la já estava apaixonado pelos personagens, pela escrita do autor, e quando resolvi fazer uma postagem especial mostrando alguns dos principais pontos da cidade de Barcelona acabei me apaixonando também pela cidade catalã. Todos estes elementos me levaram a um plano ambicioso: um ano inteiro (ou quase, afinal já estávamos em abril) dedicado a conhecer a Espanha através de livros.

Foi assim, simplesmente da leitura de um livro fantástico que nasceu a campanha do #AnoDaEspanha, que inicialmente não incluiria filmes, ideia que surgiu muito tempo depois com o 7ª Arte.

Com a ideia na cabeça o que faltava era montar uma lista, um “roteiro de viagem”, o nosso itinerário. E para tanto comecei uma profunda pesquisa em busca de nomes, autores do país que tivessem sido traduzidos para o português, não importasse qual. Com a lista na mão fui em busca dos livros, primeiramente na Biblioteca da Filarmônica 30 de Junho, a única da minha cidade que empresta seus livros. Lá com ajuda de Sirleyde, a bibliotecária, encontrei o segundo livro para o itinerário: Antologia Poética de Federico García Lorca, o primeiro livro de poesia que leria após muitos anos.

Confesso que Lorca não me cativou, ainda mais porque não sou inclinado para a poesia, mas, ainda assim, dois de seus poemas, Manancial e Os encontros de um Caracol Aventureiro, foram de uma profundidade e beleza estética que não pude ignorar e resolvi dividi-las com vocês em português e na sua versão original em espanhol. Mas caminhávamos para setembro e eu não me sentia satisfeito, precisava de mais e voltando a pesquisa procurei livros digitais, sebos e livrarias online para montar o restante do itinerário que eu ia organizando em um mapa virtual do Google. No fim o nosso roteiro ficou composto por sete livros, alguns muito bons, outros apaixonantes e comoventes, no fim, cada um contava um pouquinho da Espanha, do seu povo, de seu passado.
 

Os livros do itinerário

1. A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón
2. Antologia Poética – Federico García Lorca
3. A Tábua de Flandres – Arturo Pérez-Reverte
4. Lágrimas na Chuva – Rosa Montero
5. Soldados de Salamina - Javier Cercas
6. Marcelino Pão e Vinho - José Maria Sánchez-Silva
7.A Catedral do Mar – Ildefonso Falcones

E para muitos desses momentos também escrevemos postagens especiais, como o nosso texto sobre a Guerra Civil Espanhola ou como aquele sobre quem eram os Bastaixos, os trabalhadores que na Idade Média eram os estivadores do porto de Barcelona e que são figuras importantíssimas do romance de IldelfonsoFalcones, A Catedral do Mar {Resenha}. Este último foi o livro que encerrou a série de obras literárias resenhadas na campanha. Mas houve também os filmes, poucos na verdade – apenas três –, mas verdadeiras obras de arte.

Os filmes que assistimos

1. O Labirinto do Fauno – Guillermo del Toro
2. Volver  Pedro Almodóvar
3. La Lengua de las Mariposas – José Luis Cuerda


O #AnoDaEspanha foi um projeto interessante e bastante construtivo para mim, que me ensinou muitas coisas e que me apresentou a grandes autores que quero ler ainda mais como Zafón, Rosa Montero e Ildelfonso. Mais do que isso, me apresentou a um país fantástico, de beleza extenuante, que respira história com suas cidades centenárias, algumas milenares, repletas de construções antigas, castelos, palácios, jardins, ramblas e portos. Um país com um povo forte e que em muitos momentos de sua história lutou por suas ideias, pela sua liberdade contra governos ditadores. Com esta campanha conhecei verdadeiramente um pouco da Espanha, quase pude sentir seus cheiros e sabores e que fez nascer em mim um desejo sincero de visitar um dia, quando isso for possível para mim.


Outras campanhas: O 7ª Arte e Os livros da Minha Infância e Adolescência

Mas 2016 não foi apenas o ano da Espanha, nele também nasceram outros projetos que daremos seguimento ao longo de 2017 e enquanto o nosso blog prosseguir online.

 O primeiro desses projetos foi a campanha dos Livros da Minha Infância e Adolescência (#MeusLivros) que começou timidamente este ano com a resenha de A Serra dos Dois Meninos, livro de Aristides Fraga Lima. Essa campanha é limitada por um conjunto seleto de livros que marcaram a minha formação como leitor e como pessoa e é um projeto delicado para mim, porque nele não vão só os livros que eu li, mas parte das minhas memórias como leitor na infância e, sobretudo, na adolescência.

Tivemos ainda este ano o lançamento de outra campanha que nasceu da minha paixão pelo cinema. O 7ªArte, como a campanha foi batizada, tem como proposta resenhar filmes que foram baseados em obras literárias de diversos gêneros e nacionalidades e também filmes que, pela beleza e criatividade, poderiam, na nossa modéstia opinião, se tornarem excelentes obras literárias.

Nesse primeiro ano do 7ª Arte, as resenhas realizadas foram exclusivamente de obras espanholas, mas já tenho outros filmes incríveis na lista, muitos deles já conhecidos do grande público, outros nem tanto.

Parcerias, autores que conhecemos, leituras coletivas e outros livros

Mas em 2016 não lemos apenas para campanhas. Lemos em parceria com editoras e autores, em conjunto com grupos de leituras e livros que ficamos muito curiosos.

Uma das nossas principais parcerias este ano foi com a Editora Draco, uma editora especializada em livros de autores brasileiros, através da qual conhecemos autores incríveis e obras de alta qualidade.

Graças a Draco conhecemos primeiro o escritor Eduardo Kasse, autor de um dos melhores livros nacionais que tinha lido até então, O Andarilho das Sombras. Um livro que conseguiu algo que muitos que me conhecem diriam ser impossível: fez com que eu me entusiasmasse novamente por literatura brasileira.

Sou um daqueles leitores que ao longo de sua fase escolar foi quase que irremediavelmente traumatizado com as aulas de literatura brasileira e suas leituras impostas verticalmente e sem o tratamento adequado (estudos prévios sobre contextos de época, acompanhamento do professor quanto a linguagem, explicações adicionais sobre o enredo).

Saí da escola frustrado e generalista em relação a literatura de nosso país, mas a leitura do livro de Kasse me fez lembrar que a literatura é diversa e, a todo momento, novas estrelas surgem no firmamento. São autores que escrevem para diferentes públicos com novos temas, com boas histórias, com muita criatividade. Basta que desviemos um pouquinho o olhar da literatura estrangeira para enxergá-los. Kasse com seu livro de estreia, com seu primeiro grande voo, me deu um sacudida e me disse: estamos aqui esperando vocês. E lá fui eu.

Continuei com a parceria com a Draco e conheci Ana Lúcia Merege, outra fofa, muito atenciosa com seus leitores e com uma narração gostosa, de palavras muito bem escolhidas e cheia de simbolismos. Dela li três livros, O Castelo das Águias, em parceria com a Draco, Annae a Trilha Secreta, cedido pela própria autora para a Biblioteca da Filarmônica 30 de Junho [que estará disponível em breve no acervo] e o meu preferido, O Caçador, que será resenhado ano que vem [também estará disponível na 30 de Junho]. Com a Draco conheci também a obra originalíssima de J. M. Beraldo, autor de Império de Diamante.

Mas outra parceria incrível que fizemos foi com Marcos de Sousa, autor que esperamos que ainda faça muito sucesso nessa vida e que escreveu o inquietante Mensageiros da Morte, uma história cheia de ação e conspirações. Agradecemos a ele, bem como a Draco pela oportunidade de conhecer estes novos talentos e afirmamos nosso compromisso de conhecer outros ao longo de nossa existência quanto blog [prioritariamente] literário.

Mas não só de parcerias foi formada a nossa listinha de leituras em 2016. Tiveram ainda as leituras em grupo e outros livros independentes e escolhidos por atração, ou de forma aleatória.

Entre grupos de leitura destaco o grupo o Ler é Viver de minha querida Edilva Bandeira e do pessoal de Ilha Solteira. Sugerido por eles li livros fantásticos que me marcaram, como o comovente A Casa do Céu, de Amanda Lindhout e Sarah Corbett, baseado na triste experiência de Amanda quando esta foi mantida como refém de um grupo radical islâmico. Sugerido pelo grupo ainda li A Garota no Trem, de Paula Hawkins, livro que foi muito comentado neste ano. Infelizmente por falta de tempo não acompanhei o grupo em várias outras leituras.

Por fim, ainda resenhamos outros livros que escolhemos por outros motivos:

1. Los Alamos – Martin Cruz Smith
3. Beleza Perdida – Amy Harmon
4. O Príncipe – Nicolau Maquiavel
5. O Enigma de Alexandre – Will Adams

As Postagens Especiais

Em outras oportunidades já comentei sobre as postagens especiais, uma seção do blog do qual me orgulho muito. Essas postagens são sempre direcionadas a abordar algum tema que tenha sido contemplado pelos livros resenhados no blog. São textos de caráter informativo e didático que podem ajudar nossos leitores a compreender melhor os contextos dos livros que lemos e resenhamos. Gosto muito destas postagens porque elas aprofundam meus conhecimentos, me inspiram e variam a temática do blog, inclusive alguns dos posts mais acessadas são Postagens Especiais.

Em 2016, a primeira Postagem Especial do ano foi Os13 Mandamentos do Bom Leitor, a lei magna que rege todas as nossas atividades. Ali estão nossos valores éticos enquanto blog. Mas, sem dúvidas, a minha favorita foi Conhecendo Barcelona pelos passos de A Sombra do Vento na qual, usando de recursos de tour virtual da Google e imagens em 360 graus, além de imagens estáticas, mostrei a vocês um pouquinho da Barcelona do livro de Zafón, A Sombra do Vento. Mas houve outras que listo abaixo:



Conclusão

Enfim, como vocês podem perceber este foi um ano bem movimentado no qual fizemos muitas coisas. Um ano difícil, mas cheio de coisas legais também. Esperamos que 2017 não seja apenas um ano novo, mas também um novo ano, com muitas realizações para nós e para vocês. Espero que estejamos juntos em 2017. Obrigado pela paciência, e abaixo deixo alguns rankings para vocês.

Atenciosamente,

Eric Silva

Rankings
Os melhores livros resenhados no ano de 2016.

As cinco melhores obras de ficção do ano
1. A Catedral do Mar – Ildefonso Falcones
2. A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón
3. O Andarilho das Sombras - Eduardo Kasse
4. Lágrimas na Chuva – Rosa Montero
5. O Enigma de Alexandre - Will Adams

Os quatro melhores livros estrangeiros
1. A Catedral do Mar – Ildefonso Falcones
2. A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón
3. Lágrimas na Chuva – Rosa Montero
4. O Enigma de Alexandre - Will Adams

Os quatro melhores livros nacionais
1. O Andarilho das Sombras - Eduardo Kasse
2. Império de Diamante – J. M. Beraldo
3. O Castelo das Águias – Ana Lúcia Merege
4. Mensageiros da Morte - Marcos de Sousa

Os quatro melhores livros espanhóis
1. A Catedral do Mar – Ildefonso Falcones
2. A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón
3. Lágrimas na Chuva – Rosa Montero
4. A Tábua de Flandres - Arturo Pérez-Reverte

O melhor HQ

O melhor livro de não-ficção
A Casa do Céu - Amanda Lindhout e Sarah Corbett

As quatro editoras mais lidas
1. Draco e Record
2. Companhia das Letras 
3. Edições Asa
4. Nova Fronteira

As dez postagens mais acessadas

1. Tonico - José Rezende - Resenha
3. A Tábua de Flandres - Arturo Pérez-Reverte - Resenha
4. A História da Escrita 2 - A Invenção da Escrita Cuneiforme - As Escritas Idiográficas
5. A Corrente da Vida - Walcy Carrasco Resenha
6. A Serra dos Dois Meninos - Aristides Fraga Lima
7. Conhecendo Barcelona pelos passos de A Sombra do Vento - Postagem Especial
8. A Última Grande Lição - Mitch Albom - Resenha
9. A Marca de uma Lágrima - Pedro Bandeira - Resenha
10. Um Gato entre os Pombos - Agatha Christie - Resenha

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O Caçador de Pipas em quadrinhos – Khaled Hosseini – Resenha

Por Eric Silva, dedicado a Beatriz Brizolara

Em uma edição linda, e muito bem-acabada, com ilustrações de Fabio Celoni e Mirka Andolfo, a versão HQ de O Caçador de Pipas vem recontar a emocionante e delicada história de Amir e Hassan, dois garotos afegãos cuja amizade ultrapassou as barreiras do tempo e da geografia, mas que também sofreu seus dramas, percalços e tropeços em meio ao cenário de um país segregado, preconceituoso e martirizado pela guerra.

Sinopse

Amir e Hassan nasceram no mesmo país e na mesma casa, em Cabul, capital do Afeganistão, porém pertenciam a etnias diferentes e condições sociais distintas. Mas entre os dois garotos estas diferenças não foram, por muito tempo, grandes problemas, e Amir aceitava a amizade devotada de Hassan ao mesmo tempo que lutava pelo reconhecimento do pai.

Amir admirava a coragem de Hassan e também o talento em conseguir localizar qualquer pipa que tivesse sido cortada no céu, e Hassan se maravilhava com a beleza dos contos escritos pelo único amigo. Um caçador de pipas e um contador de histórias, cuja amizade seria abalada pela incapacidade do ser humano de enxergar a dádiva de se ter uma amizade sincera e gratuita. Vinte anos mais tarde, quando Amir já vivia nos Estados Unidos, após ter abandonado o Afeganistão com seu pai, no episódio da invasão soviética ao país, o passado o obriga a retornar a uma terra arrasada e dominada pelo talibã para cumprir a difícil tarefa de expiar os seus próprios pecados.


Resenha

Ouvi falar muito sobre O Caçador de Pipas quando este já era considerado um clássico moderno, porque na época de seu lançamento, em 2003, nos EUA, e, em 2005, no Brasil, ter acesso a livros não era para mim algo muito fácil. A maioria dos meus livros eram dados ou encontrados na rua. Algumas poucas vezes minha mãe comprou algum livro que precisasse para a escola. Hoje muita coisa mudou e, mesmo assim, nunca cheguei a ler O Caçador de Pipas. Hoje me arrependo de não tê-lo feito logo, de não tê-lo feito ainda, pelo menos não em sua concretude. Logo, o texto de hoje será diferente dos demais. Não vou analisar de forma profunda a história, nem seus personagens e focarei apenas em explicar um pouco de quem é O Caçador de Pipas e fazer uma apreciação crítica da edição de versão HQ da história e através da qual conheci o enredo da trama. Quando ler o livro em si, me dedicarei a resenhá-lo de forma mais profunda, como costumo fazer.

Sobre o livro

O autor
Amir é afegão, mas vive nos Estados Unidos onde é casado e trabalha como escritor. Há vinte anos ele e o pai fugiram do Afeganistão em decorrência da invasão soviética ao país, mas o passado volta a afligi-lo quando, no verão de 2001, recebe a ligação de um velho amigo do pai que lhe pedia que fosse vê-lo no Paquistão. É o abalo provocado pela ligação inesperada que faz com que Amir recorde da Cabul da década de 1970, do Afeganistão de sua infância e do amigo Hassan.

Quando crianças Amir e Hassan eram inseparáveis. Mesmo sendo Hassan um hazara e Amir um pashtun, as antigas hostilidades e preconceitos entre os dois grupos por muito tempo não afetaram a amizade dos dois meninos. Da mesma forma como o fato de Amir ser rico e Hassan o filho do empregado da família parecia ser algo pouco relevante.

Hassan nutria por Amir uma amizade devotada e franca. Corajoso, sempre defendia o amigo e estava pronto para protegê-lo, e é no campeonato de pipas da cidade que o menino reafirma a sinceridade de sua amizade. Porém, quando Hassan se vê em apuros, Amir não tem coragem de defender o amigo e foge. [SPOILER] Depois daquele dia a amizade entre os meninos já não seria a mesma, abalada pelas más escolhas de Amir e que acabariam por afastar Hassan. Contudo aquela ligação telefônica, tantos anos depois, mostraria a Amir a oportunidade de um recomeço e de redenção dos seus pecados.

Lançado nos Estados Unidos em 2003, O Caçador de Pipas foi o livro de estreia do escritor e médico afegão, Khaled Hosseini. Filho de diplomata e nascido na cidade de Cabul, Hosseini vive nos EUA desde 1976 quando sua família se exilou no país em decorrência da invasão soviética ao Afeganistão. Seria do próprio exílio que o autor tiraria parte da inspiração de O Caçador de Pipas que logo se tornou um sucesso mundial e hoje já é considerado por muitos como um clássico.

A verdade é que o livro que conta a história de amizade dos meninos Amir e Hassan surgiu em meio a um período em que as relações entre o Ocidente e o mundo islâmico se encontra muito fragilizadas.
Em 2001 os ataques do 11 de setembro haviam abalado os EUA e o mundo. No mesmo ano o país invade o Afeganistão, e, em 2003, o Iraque de Saddam Hussein. Durante todo esse tempo o mundo assistiria pelos noticiários os dramas e aspectos de dois países arrasados pelas guerras e conflitos sucessivos, pela tirania de governos autoritários e fundamentalistas, e novamente arrasados no conflito contra os estadunidenses. A “guerra contra o terror” parecia muito longe de encontrar seu desfecho e a imagem que se instaurara no imaginário do mundo era a de um Afeganistão pobre, arrasado e violento. É nesse contexto que a publicação da obra de Hosseini surgiu para lançar um olhar mais humano sobre o país muçulmano e também para seu povo. Tamanho sucesso rendeu para a obra, no ano de 2007, a sua primeira adaptação para o cinema em filme do diretor alemão Marc Forster.

Sobre a edição

Uma das cenas mais comoventes da obra. Notem a qualidade do desenho
 e a preocupação com os detalhes tanto na composição da paisagem
como das diferenças físicas dos personagens. 
Como mencionei não vou analisar o enredo, porque por mais que a edição lida seja baseada no livro ela não contém todas as nuances da narrativa, nem transmite todos os conflitos internos de seus personagens. Por isso acho que comecei errado.

O Caçador de Pipas em quadrinho é uma obra interessante e bem-acabada, mas, acho eu, deveria ser lida especialmente por aqueles que já leram o livro, como numa espécie de regresso ao texto e de nova experiência a partir de outra perspectiva: a visual. Não quero afirmar que quem ler O Caçador de Pipas em quadrinho não vá compreender a narrativa. O livro dá conta da história em seus principais aspectos, questões e dramas, mas pela sua extensão e forma não dispensa a leitura do livro se o objetivo for conhecer o íntimo de seus personagens, seus pensamentos e sentimentos. Por isso digo que comecei errado, como aquela pessoa que primeiro assiste ao filme e depois lê o livro. Gostaria de ter lido primeiro o livro, para sentir a densidade da narrativa e dos seus personagens, mas agora a experiência será diferente do que seria se já o tivesse feito.

Mas falando da edição. O Caçador de Pipas em quadrinho tem uma qualidade gráfica muito boa com desenhos de Fabio Celoni e Mirka Andolfo. Celoni é cartunista e escritor italiano e desde o ano de 1990 trabalha como designer da Walt Disney Company entre vários outros trabalhos que compõe seu currículo. Já ganhou vários prêmios e realizou mais de 30 exposições na Itália e em outros países europeus[1]. Mirka, por sua vez, é também ilustradora, cartunista e colorista italiana e a coloração da edição original de O Caçador de Pipas em quadrinho (Il cacciatore di aquiloni), realizado pela editora Edizioni Piemme, em 2010, foi seu primeiro trabalho profissional de certo peso[2]. Hoje o livro, que tem textos de Thomas Valsecchi, já foi publicado em mais de dez países[3].

É fácil perceber o cuidado Celoni e Mirka na elaboração dos desenhos que compõem a obra. Os desenhos além de uma excelente qualidade gráfica e coloração impecável, são bastante detalhados buscando exibir com riqueza os cenários e os aspectos físicos de seus personagens. Não é preciso nem ser muito atencioso para notar nos desenhos do personagem Hassan, e um pouco menos em seu pai, os traços físicos asiáticos que são típicos de sua etnia, o diferenciando enormemente dos demais personagens por sua beleza exótica (farei depois uma postagem especial sobre os Hazaras). Além disso, os cenários das paisagens naturais e culturais típicos do país são também apresentados em riqueza de detalhes: as montanhas, os mercados e as ruas pobres e nobres da cidade de Cabul antes e depois das guerras. A linguagem visual da obra, como tinha de ser, é pujante e minuciosa em seus detalhes.

Sem dúvida, foi para combinar com a arte elaborada por Celoni e Mirka e com a qualidade literária da obra original, que a editora Nova Fronteira deu à edição brasileira um aspecto bastante luxuoso para o que vejo comumente em HQs, em formato de livro com miolo de papel offset (120 g/m²) e capa de papel cartão (250 g/m²).

Recomendo o HQ para quem já leu o livro e gostou, mas para aqueles que não leram ainda, como eu, tenham certeza que ficarão tentados a fazê-lo.

A edição lida é da Editora Nova Fronteira, do ano de 2011 e possui 132 páginas.




[1]https://it.wikipedia.org/wiki/Fabio_Celoni
[2] https://it.wikipedia.org/wiki/Mirka_Andolfo
[3] Ibidem.

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