Obs.:
Este texto não tem caráter acadêmico e não visa se aprofundar em questões
técnicas sobre o autor e sua obra.
Nicolau Maquiavel é considerado um dos maiores escritores
do renascimento cultural europeu. Mas, sem dúvida, o que tornou notável este
escritor e diplomata florentino do século XV foi a sua obra prima: O Príncipe, o
livro que estaria na cabeceira dos mais notáveis e terríveis estadistas da história
como Napoleão e Elizabeth I.
O Príncipe pode ser considerado um dos guias políticos
mais lidos da história. Escrito para Lourenço de Médicis, soberano da República
Florentina, Maquiavel ali reuniu todo o seu conhecimento como diplomata para
fazer um verdadeiro compêndio de como manter o poder a qualquer custo. Durante a vida de seu autor, o livro seria
esquecido, mas depois entraria para os anais da História como um livro
polêmico, cultuado por alguns e odiado por outros, no entanto, lido mundialmente.
Maquiavel irá escrever em um período em que a Itália
possuía uma configuração fragmentada e marcada pelas heranças de uma ordem
medieval e de seu sistema político-social que conhecia a ruína com o florescer
da Era Moderna.
A Itália era naquela época uma série de principados,
cidades-estados e possessões eclesiásticas rivais entre si que faziam e desfaziam
alianças a todo momento, constantemente em conflitos ou sitiados pelos
interesses de conquista de outras potências (nações) estrangeiras. Um cenário
marcado por guerras políticas, batalhas, conspirações e luta pela conquista e manutenção
do poder. Será nesse período que nascerá O Príncipe, no qual Maquiavel faz um
resumo de algumas posturas e ações que todo príncipe (regente) devia ou acabava
tomando para conservar o poder. Por isso, eu dividiria o livro, a grosso modo,
em três partes:
A primeira compreenderia os capítulos I a XIV, nos quais
o autor se demora em caracterizar os tipos de formas de governos existentes em
sua época e a política daquele período sobretudo na Itália. Apesar de seu maior
valor ser histórico também traz elementos que podem ser associados as formas de
governos ainda existentes, sobretudo quando se refere às guerras.
A segunda parte compreende os capítulos XV a XXIII em que
Maquiavel aponta as características “psicológico-morais” de um príncipe modelo.
Essa é a parte mais interessante e possui uma atualidade muito grande.
A terceira e última compreende os três capítulos finais
da obra em que o autor se debruça sobre as suas convicções acerca da política
italiana da época e suas esperanças de que surja um príncipe que conduza a
Itália a sua libertação (unificação) – Maquiavel sugere que Lourenço de Médicis
seja este regente.
Resumo e resenha
O diplomata
florentino inicia sua obra citando e descrevendo os diversos reinos existentes
em sua época, explicando suas gêneses, características marcantes e falando da
facilidade ou da dificuldade de conquista-los e manter o poder após subjugados.
Ao longo de sua apresentação, recorre a exemplos antigos e recentes para sua
época, afim de corroborar e exemplificar suas constatações, o que, inclusive,
ele fará ao longo de todo o seu livro tomando como referência, sobretudo, César
Bórgia, um ambicioso condottiero e filho
do papa Alexandre VI, com quem Maquiavel manteve contato entre os anos de 1502
e 1503.
"Retrato de um
Cavalheiro" (Cesare Borgia), por Altobello Melone.
Fonte: Wkimedia Commons
|
Porém, Maquiavel não se limita a descrever os reinos e assinalar
suas limitações. Ele se volta também a apontar os problemas encontrados pelos
príncipes e erros comuns cometidos por estes, mas que podem lhes custar a perda
do poder. Nesse intento, se dedica a explicar ao leitor coisas como: o modo como
o príncipe deveria proceder para administrar cidades ou principados que, antes
de conquistados, tinham suas próprias leis; como avaliar a força dos demais
principados; os tipos e os perigos do uso de milícias em guerra e de como se
deveria proceder em relação a elas, dentre tantas outras coisas.
Mas o que queremos destacar são alguns dos capítulos em
que o autor se debruça sobre questões que ainda são muito atuais.
No capítulo XV, Maquiavel se dedica a falar sobre as
coisas pelas quais os governantes podem ser alvo de louvor ou de injúrias.
Neste capítulo está uma das frases mais interessantes do livro:
“Muitos foram os que conceberam repúblicas e principados que jamais foram vistos ou reconhecidos como tais. Há, porém, uma grande distância entre o modo como se vive e o modo como se deveria viver, que aqueles em detrimento do que se faz privilegia o que se deveria fazer mais aprende a cair em desgraça que a preservar a sua própria pessoa”.
Nesta
passagem, Maquiavel tenta elucidar a Lourenço de Médicis que seu intento é
escrever conforme a realidade das coisas, e jamais atendo-se a uma visão
romantizada, idealista de como a política deveria ser, mas de como ela de fato
é. Nesse ínterim, ele aproveita para apontar que aquele príncipe que se agarra
em demasia aos valores de uma determinada moral pode encontrar a ruina, ou
seja, em muitos momentos não devemos viver ou agir como é esperado de nós pela
moral, mas que sejamos práticos e aprendamos a saber quando não usar da bondade:
“Assim, é necessário a um príncipe que deseja manter-se príncipe aprender a não usar [apenas] a bondade, praticando-a ou não de acordo com as injunções”.
Essa passagem é com certeza um murro no estômago para nós
que acreditamos que as pessoas boas e justas devem governar o nosso país. Eu,
de minha parte, acredito na convicção de que com justiça, competência,
honestidade e visando a igualdade é o modo como o poder deve ser gestado.
Estátua de Maquiavel na Galleria degli Uffizi,
Florença. Fonte: Wikimedia Commons
|
Mas por outro lado também concordo que há momentos em que
não é possível ser bom agora sem ser ruim mais tarde, não em consequência da
nossa própria bondade, mas em consequência do sistema social em que vivemos,
que é naturalmente injusto. Para que me entendam melhor um exemplo: gastar o
dinheiro público de forma irresponsável em obras, ainda que necessárias, sem se
preocupar se o rombo nos cofres públicos não resultarão em um aumento demasiado
dos impostos, o que prejudicaria, principalmente, os mais pobres, uma vez que
em nosso sistema a maioria dos impostos não são proporcionais a renda.
Outras ideias que queremos destacar deste livro complexo
e desafiador estão sobretudo no capitulo XVIII e também no XIX, os que na minha
opinião descrevem melhor o tipo de política a que estamos acostumados em nosso
país.
Nessas passagens, Maquiavel explica como os príncipes
(governantes) devem honrar a sua palavra – e aqui chegamos a questão das
promessas eleitorais. Neste capítulo Maquiavel explica ao seu leitor que o
príncipe deve aprender a ludibriar e a não cumprir as suas promessas quando
isso não lhe é favorável. Afirma o autor:
O quão louvável é um príncipe que honre a sua palavra de uma forma íntegra, cada qual o compreenderá. Todavia, a experiência nos faz ver, nestes nossos tempos, os príncipes que mais se destacam pouco se preocupam em honrar as suas promessas; que além disso, eles souberam, com astúcia, ludibriar a opinião pública; e, que por fim, ainda lograram vantagens sobre aqueles que basearam a sua conduta na lealdade.
Fica claro que a opinião de Maquiavel é a de que os
políticos devem dissimular, mentir e não cumprir suas promessas quando isso
lhes convêm, ainda que ele no início da passagem louve os que fazem o
contrário. Porém constata que os que mentem possuem mais chance de êxito.
Essa passagem deixa evidente a forma como a política é
feita hoje por muitos políticos: a partir de mentiras, falsas promessas, de
demonstrar um caráter e um compromisso enganoso. E porque não cumprem as suas
promessas? Porque, no jogo das alianças políticas, aquelas promessas que
prejudicam tais alianças, que desagradem os aliados mais poderosos, não podem
ser cumpridas, a custo de que cumpri-las as consequências podem se voltar negativamente
contra o político que as cumpriu. Mais que isso, Maquiavel sugere que também os
favorecidos pelo cumprimento da promessa tão pouco se lembrariam do bem feito a
eles. Por isso, em uma visão muito pessimista em relação ao caráter humano,
Maquiavel afirma:
(...) não pode nem deve um soberano prudente cumprir as suas promessas quando um tal cumprimento ameaça voltar-se contra ele. Se os homens fossem todos bons, bom não seria esse preceito; mas, visto que eles são pérfidos e que, em teu favor, tampouco honraria a sua palavra, etiam [sic.] tu não tens de sentir-te no dever de, em seu favor, honrar a tua”.
Deste modo, valeria mais apenas – e Maquiavel afirmará
isso mais a frente – de que o príncipe cultivasse uma imagem positiva, de integridade,
de pessoa religiosa, misericordiosa, humanitária e sincera, ainda que não fosse,
mantendo um discurso meticulosamente calculado e dissimulado para fazer
transparecer uma imagem que se pretende e se deseja, e não correspondente a
verdade.
Muitos outros pontos poderiam ser destacados, mas a
resenha ficaria ainda maior do que já está. Então vamos as ideias de conclusão.
Conclusão
O peso dos ensinamentos e da filosofia política defendida
por Maquiavel nesse pequeno livro – a maioria dos capítulos possuem, em geral,
de cinco ou seis páginas –, além da repercussão dos mesmos ao longo de séculos,
é tamanho que o nome de seu autor chegou a se tornar adjetivo. Maquiavélico não
é apenas aquele que segue a doutrina política maquiavelista, mas também aquele
que se destaca pela sua astúcia, duplicidade e má-fé; que é ardiloso e velhaco
(HOUAISS, 2001). Seria exagero afirma-lo? É uma pergunta difícil. Há quem
afirme, e isso foi afiançado em artigo de Mauro Santayana, que o próprio
Maquiavel nunca foi ele mesmo maquiavélico, sendo O Príncipe uma obra de
encomenda que não corresponderia as exatamente às ideias de seu criador.
Eu diria, da minha parte, que Maquiavel falou sobre
muitos dos aspectos do jogo político exercido pelos dirigentes não apenas dos
países mais corruptos do mundo como também pelos governantes das mais ricas e
imperialistas nações do mundo.
O Príncipe traz em seu bojo uma série de ensinamentos
que, hoje, não estão para serem seguidos por quem o lê, mas que sirvam para que
o seu leitor possa se defender de quem os aplicam ao pé da letra.
Mas, ainda
assim, como um livro histórico, clássico, ele deve ser pensado em seu contexto.
Alguns pesquisadores afirmam que Maquiavel inventou a
política moderna, não tenho conhecimento para corroborar esta opinião, mas uma
coisa é certa, a leitura do príncipe nos fala muito da política de agora, e,
por isso, esse livro ainda é atual em muitas de suas partes.
Sobre a
edição lida
A edição lida é antiga, de 2001, da Editora L&PM, mas
por ser pocket tem a grande vantagem
de poder ser levada para qualquer lugar.
A edição possui 202 páginas. O texto de O Príncipe, em si,
é pequeno, mas a edição conta também com uma série de comentários, sem os quais
o entendimento da obra seria muito difícil. Conta também com uma cronologia que
nos ajuda a saber os principais fatos ocorridos na Itália e na vida de
Maquiavel ao longo do período entre 1496 e 1532, o que nos permite
contextualizar as afirmações do autor e entender em uma ordem linear (cronológica)
muitos dos fatos contemporâneos a Nicolau Maquiavel e que por ele são citados na
obra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário