quinta-feira, 21 de abril de 2016

O Príncipe - Nicolau Maquiavel - Resenha

Obs.: Este texto não tem caráter acadêmico e não visa se aprofundar em questões técnicas sobre o autor e sua obra.

Nicolau Maquiavel é considerado um dos maiores escritores do renascimento cultural europeu. Mas, sem dúvida, o que tornou notável este escritor e diplomata florentino do século XV foi a sua obra prima: O Príncipe, o livro que estaria na cabeceira dos mais notáveis e terríveis estadistas da história como Napoleão e Elizabeth I.

O Príncipe pode ser considerado um dos guias políticos mais lidos da história. Escrito para Lourenço de Médicis, soberano da República Florentina, Maquiavel ali reuniu todo o seu conhecimento como diplomata para fazer um verdadeiro compêndio de como manter o poder a qualquer custo.  Durante a vida de seu autor, o livro seria esquecido, mas depois entraria para os anais da História como um livro polêmico, cultuado por alguns e odiado por outros, no entanto, lido mundialmente.

Maquiavel irá escrever em um período em que a Itália possuía uma configuração fragmentada e marcada pelas heranças de uma ordem medieval e de seu sistema político-social que conhecia a ruína com o florescer da Era Moderna. 

A Itália era naquela época uma série de principados, cidades-estados e possessões eclesiásticas rivais entre si que faziam e desfaziam alianças a todo momento, constantemente em conflitos ou sitiados pelos interesses de conquista de outras potências (nações) estrangeiras. Um cenário marcado por guerras políticas, batalhas, conspirações e luta pela conquista e manutenção do poder. Será nesse período que nascerá O Príncipe, no qual Maquiavel faz um resumo de algumas posturas e ações que todo príncipe (regente) devia ou acabava tomando para conservar o poder. Por isso, eu dividiria o livro, a grosso modo, em três partes:

A primeira compreenderia os capítulos I a XIV, nos quais o autor se demora em caracterizar os tipos de formas de governos existentes em sua época e a política daquele período sobretudo na Itália. Apesar de seu maior valor ser histórico também traz elementos que podem ser associados as formas de governos ainda existentes, sobretudo quando se refere às guerras.

A segunda parte compreende os capítulos XV a XXIII em que Maquiavel aponta as características “psicológico-morais” de um príncipe modelo. Essa é a parte mais interessante e possui uma atualidade muito grande.

A terceira e última compreende os três capítulos finais da obra em que o autor se debruça sobre as suas convicções acerca da política italiana da época e suas esperanças de que surja um príncipe que conduza a Itália a sua libertação (unificação) – Maquiavel sugere que Lourenço de Médicis seja este regente. 

Resumo e resenha 

O diplomata florentino inicia sua obra citando e descrevendo os diversos reinos existentes em sua época, explicando suas gêneses, características marcantes e falando da facilidade ou da dificuldade de conquista-los e manter o poder após subjugados. Ao longo de sua apresentação, recorre a exemplos antigos e recentes para sua época, afim de corroborar e exemplificar suas constatações, o que, inclusive, ele fará ao longo de todo o seu livro tomando como referência, sobretudo, César Bórgia, um ambicioso condottiero e filho do papa Alexandre VI, com quem Maquiavel manteve contato entre os anos de 1502 e 1503.
 "Retrato de um Cavalheiro" (Cesare Borgia), por Altobello Melone.
Fonte: Wkimedia Commons

Porém, Maquiavel não se limita a descrever os reinos e assinalar suas limitações. Ele se volta também a apontar os problemas encontrados pelos príncipes e erros comuns cometidos por estes, mas que podem lhes custar a perda do poder. Nesse intento, se dedica a explicar ao leitor coisas como: o modo como o príncipe deveria proceder para administrar cidades ou principados que, antes de conquistados, tinham suas próprias leis; como avaliar a força dos demais principados; os tipos e os perigos do uso de milícias em guerra e de como se deveria proceder em relação a elas, dentre tantas outras coisas.

Mas o que queremos destacar são alguns dos capítulos em que o autor se debruça sobre questões que ainda são muito atuais.

No capítulo XV, Maquiavel se dedica a falar sobre as coisas pelas quais os governantes podem ser alvo de louvor ou de injúrias. Neste capítulo está uma das frases mais interessantes do livro:

“Muitos foram os que conceberam repúblicas e principados que jamais foram vistos ou reconhecidos como tais. Há, porém, uma grande distância entre o modo como se vive e o modo como se deveria viver, que aqueles em detrimento do que se faz privilegia o que se deveria fazer mais aprende a cair em desgraça que a preservar a sua própria pessoa”. 

Nesta passagem, Maquiavel tenta elucidar a Lourenço de Médicis que seu intento é escrever conforme a realidade das coisas, e jamais atendo-se a uma visão romantizada, idealista de como a política deveria ser, mas de como ela de fato é. Nesse ínterim, ele aproveita para apontar que aquele príncipe que se agarra em demasia aos valores de uma determinada moral pode encontrar a ruina, ou seja, em muitos momentos não devemos viver ou agir como é esperado de nós pela moral, mas que sejamos práticos e aprendamos a saber quando não usar da bondade:

“Assim, é necessário a um príncipe que deseja manter-se príncipe aprender a não usar [apenas] a bondade, praticando-a ou não de acordo com as injunções”.

Essa passagem é com certeza um murro no estômago para nós que acreditamos que as pessoas boas e justas devem governar o nosso país. Eu, de minha parte, acredito na convicção de que com justiça, competência, honestidade e visando a igualdade é o modo como o poder deve ser gestado.
Estátua de Maquiavel na Galleria degli Uffizi, 
Florença. Fonte: Wikimedia Commons

Mas por outro lado também concordo que há momentos em que não é possível ser bom agora sem ser ruim mais tarde, não em consequência da nossa própria bondade, mas em consequência do sistema social em que vivemos, que é naturalmente injusto. Para que me entendam melhor um exemplo: gastar o dinheiro público de forma irresponsável em obras, ainda que necessárias, sem se preocupar se o rombo nos cofres públicos não resultarão em um aumento demasiado dos impostos, o que prejudicaria, principalmente, os mais pobres, uma vez que em nosso sistema a maioria dos impostos não são proporcionais a renda.

Outras ideias que queremos destacar deste livro complexo e desafiador estão sobretudo no capitulo XVIII e também no XIX, os que na minha opinião descrevem melhor o tipo de política a que estamos acostumados em nosso país.

Nessas passagens, Maquiavel explica como os príncipes (governantes) devem honrar a sua palavra – e aqui chegamos a questão das promessas eleitorais. Neste capítulo Maquiavel explica ao seu leitor que o príncipe deve aprender a ludibriar e a não cumprir as suas promessas quando isso não lhe é favorável. Afirma o autor:

O quão louvável é um príncipe que honre a sua palavra de uma forma íntegra, cada qual o compreenderá. Todavia, a experiência nos faz ver, nestes nossos tempos, os príncipes que mais se destacam pouco se preocupam em honrar as suas promessas; que além disso, eles souberam, com astúcia, ludibriar a opinião pública; e, que por fim, ainda lograram vantagens sobre aqueles que basearam a sua conduta na lealdade.

Fica claro que a opinião de Maquiavel é a de que os políticos devem dissimular, mentir e não cumprir suas promessas quando isso lhes convêm, ainda que ele no início da passagem louve os que fazem o contrário. Porém constata que os que mentem possuem mais chance de êxito.

Essa passagem deixa evidente a forma como a política é feita hoje por muitos políticos: a partir de mentiras, falsas promessas, de demonstrar um caráter e um compromisso enganoso. E porque não cumprem as suas promessas? Porque, no jogo das alianças políticas, aquelas promessas que prejudicam tais alianças, que desagradem os aliados mais poderosos, não podem ser cumpridas, a custo de que cumpri-las as consequências podem se voltar negativamente contra o político que as cumpriu. Mais que isso, Maquiavel sugere que também os favorecidos pelo cumprimento da promessa tão pouco se lembrariam do bem feito a eles. Por isso, em uma visão muito pessimista em relação ao caráter humano, Maquiavel afirma:

(...) não pode nem deve um soberano prudente cumprir as suas promessas quando um tal cumprimento ameaça voltar-se contra ele. Se os homens fossem todos bons, bom não seria esse preceito; mas, visto que eles são pérfidos e que, em teu favor, tampouco honraria a sua palavra, etiam [sic.] tu não tens de sentir-te no dever de, em seu favor, honrar a tua”.

Deste modo, valeria mais apenas – e Maquiavel afirmará isso mais a frente – de que o príncipe cultivasse uma imagem positiva, de integridade, de pessoa religiosa, misericordiosa, humanitária e sincera, ainda que não fosse, mantendo um discurso meticulosamente calculado e dissimulado para fazer transparecer uma imagem que se pretende e se deseja, e não correspondente a verdade.

Muitos outros pontos poderiam ser destacados, mas a resenha ficaria ainda maior do que já está. Então vamos as ideias de conclusão.

Conclusão

O peso dos ensinamentos e da filosofia política defendida por Maquiavel nesse pequeno livro – a maioria dos capítulos possuem, em geral, de cinco ou seis páginas –, além da repercussão dos mesmos ao longo de séculos, é tamanho que o nome de seu autor chegou a se tornar adjetivo. Maquiavélico não é apenas aquele que segue a doutrina política maquiavelista, mas também aquele que se destaca pela sua astúcia, duplicidade e má-fé; que é ardiloso e velhaco (HOUAISS, 2001). Seria exagero afirma-lo? É uma pergunta difícil. Há quem afirme, e isso foi afiançado em artigo de Mauro Santayana, que o próprio Maquiavel nunca foi ele mesmo maquiavélico, sendo O Príncipe uma obra de encomenda que não corresponderia as exatamente às ideias de seu criador.

Eu diria, da minha parte, que Maquiavel falou sobre muitos dos aspectos do jogo político exercido pelos dirigentes não apenas dos países mais corruptos do mundo como também pelos governantes das mais ricas e imperialistas nações do mundo. 

O Príncipe traz em seu bojo uma série de ensinamentos que, hoje, não estão para serem seguidos por quem o lê, mas que sirvam para que o seu leitor possa se defender de quem os aplicam ao pé da letra. 

Mas, ainda assim, como um livro histórico, clássico, ele deve ser pensado em seu contexto.
Alguns pesquisadores afirmam que Maquiavel inventou a política moderna, não tenho conhecimento para corroborar esta opinião, mas uma coisa é certa, a leitura do príncipe nos fala muito da política de agora, e, por isso, esse livro ainda é atual em muitas de suas partes.

Sobre a edição lida

A edição lida é antiga, de 2001, da Editora L&PM, mas por ser pocket tem a grande vantagem de poder ser levada para qualquer lugar.

A edição possui 202 páginas. O texto de O Príncipe, em si, é pequeno, mas a edição conta também com uma série de comentários, sem os quais o entendimento da obra seria muito difícil. Conta também com uma cronologia que nos ajuda a saber os principais fatos ocorridos na Itália e na vida de Maquiavel ao longo do período entre 1496 e 1532, o que nos permite contextualizar as afirmações do autor e entender em uma ordem linear (cronológica) muitos dos fatos contemporâneos a Nicolau Maquiavel e que por ele são citados na obra. 

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