terça-feira, 8 de novembro de 2016

7ª Arte: O Labirinto do Fauno – Resenha

Um filme que poderia ser também um livro

Por Eric Silva

Desafiando os limites entre fantasia e realidade, o filme espano-mexicano O Labirinto do Fauno é um filme impecavelmente bem construído que certamente daria um livro fabuloso. Pensando nisso a obra foi escolhida por nós para ser primeiro filme a integrar a campanha do #AnoDaEspanha e também o primeiro 7ª Arte de 2016. Nele a mágica dos contos de fadas toma uma atmosfera própria e taciturna e se funde com o horror vivido na Espanha franquista, logo após o fim da Guerra Civil, período que mergulhou o país em uma era de opressão e controle fascista.

Sinopse

1944. A Guerra Civil Espanhola já havia terminado com a vitória dos franquistas, mas alguns focos de resistências republicanas ainda persistiam. Próximo a um destes focos, nas montanhas ao norte de Navarra, o Capitão Vidal (Sergi López) se instala em um antigo moinho isolado no coração do bosque com o objetivo de eliminar os últimos resistentes que se escondiam ali. Para lá ele manda trazer também sua esposa, Carmen (Ariadna Gil), que está nos últimos meses de gravidez, e a enteada Ofélia (Ivana Baquero), uma menina que ainda acredita em contos de fada e que se recusa a aceitar o cruel e autoritário capitão como seu novo pai.

Sendo a única criança no posto militar improvisado, Ofélia faz amizade com Mercedes (Maribel Verdú), uma das cozinheiras da casa e logo descobre que esta trabalha também como informante dos rebeldes, mas decide não denunciá-la. Além disso, a menina descobre as ruínas de um antigo labirinto em cujo centro habitava um fauno (Doug Jones). A estranha criatura lhe conta que ela é a reencarnação de uma princesa que fugiu do submundo e que para ter o direito de retornar ao reino de seus pais deverá cumprir três tarefas que afetarão drasticamente e decidir os rumos da vida de todos, sobretudo da própria menina.

Resenha

Quando imaginei o 7ª Arte, minha inspiração havia nascido de O Labirinto do Fauno. Tinha assistido a película há alguns anos e pensando no conteúdo da campanha do #AnoDaEspanha me recordei dele e de como o mesmo seria um bom livro se assim tivesse sido idealizado. Foi aí que nasceu a ideia do 7ª Arte: falar de filmes que dariam ótimos livros por seus enredos bem elaborados e cativantes, e, claro, falar de adaptações fílmicas de obras literárias conhecidas.

A ideia se tornou ainda mais tentadora quando vi a possibilidade de integrá-la a campanha em homenagem a Espanha, resenhando obras fílmicas espanholas e assim ultrapassando os limites da proposta de itinerário literário, sem, no entanto, perder o foco deste. Pois agora estamos aqui com a resenha do primeiro filme dessa nossa nova linha paralela de discussão que obviamente começaria com O Labirinto do Fauno.

Cartaz promocional do filme
Do diretor mexicano Guillermo del Toro, O Labirinto do Fauno é uma produção espano-mexicana que se ambienta no final das sangrentas batalhas entre nacionalistas e republicanos durante a Guerra Civil Espanhola. No ano de 1944, quando se passa os acontecimentos narrados pelo filme, a guerra oficialmente já havia encontrado seu desfecho com a vitória do regime do General Francisco Franco. Contudo alguns grupos rebeldes ainda resistiam e, nas montanhas ao norte da região de Navarra, um deles buscavam fazer frente a um dos emissários do novo governo, o Capitão Vidal, interpretado no filme pelo ator espanhol Sergi López.

Vidal era um homem de visão estreita, cruel e autoritário, capaz de terríveis atrocidades para completar sua missão de pôr fim aos revoltosos que se escondiam em Navarra. Contudo, sua recente esposa, Carmem, estava grávida de seu primeiro filho, e, achando que este deveria nascer próximo ao pai, Vidal manda buscá-la para que viva com ele no entreposto militar montado nas montanhas onde se escondiam os revoltosos.

Obediente as ordens de seu novo marido Carmem enfrenta a desconfortável viagem de carro e leva consigo também sua primeira filha, Ofélia. Mesmo fragilizada pela gravidez, Carmem tinha a intensão de estreitar a fria e distante relação entre padrasto e enteada. Contudo, Ofélia desprezava a ideia de chamar Vidal de pai e mesmo ele era indiferente. A menina, então, em lugar de cumprir os desejos da mãe, se ocupa de explorar a propriedade.

Em suas andanças pelo bosque que circunda a casa, Ofélia descobre a existência de um antigo labirinto cujo centro abrigava uma passagem para uma câmara subterrânea. Guiada por um inseto que se transmuta em fada, a garota explora a câmara e ali descobre um fauno que dizia-se ser parte da terra e das árvores do bosque. Mais do que isso, a estranha criatura também revela que Ofélia era a reencarnação de uma princesa do reino subterrâneo que após fugir para a superfície havia encontrado a morte entre os homens. Contudo, a espera do retorno de sua filha, o rei havia espalhados pelo mundo passagens para que ela retornasse, e a câmara do labirinto seria a última destas passagens. Ainda assim, para que Ofélia pudesse regressar ao reino de seus pais, deveria realizar três difíceis desafios que poriam sua vida em risco e mudariam o curso de sua história.

O Labirinto do Fauno é um filme criativo e bonito, além de denunciar os horrores cometidos pelos fascistas espanhóis no período. Guilermo Del Toro, que também dirigiu os filmes Mutação, A Espinha do Diabo e Hellboy, capricha na estética de um enredo onde fantasia e realidade parece se fundir e se complementar, tornando o filme uma de suas principais obras, que, em 2016, completou 10 anos de existência.

O Fauno e Ofélia em seu primeiro encontro na camâra subterrânea
Um conto de fantasia sombria e uma narrativa de suspense que mistura ficção com o cenário de conflito de um dos momentos mais nebulosos da história da Espanha, O Labirinto do Fauno é um filme ao mesmo tempo mágico, dramático e soturno. Uma história que desafia o estreito limite entre realidade e fantasia, e que, da sua maneira, repovoa de mágica uma realidade ameaçadora e desesperançada, mas focando nos sentimentos humanos, desde os mais pueris aos mais perturbadores, através de personagens com naturezas por demais distintas e opostas.

Ao mesmo tempo em que acompanhamos as sombrias aventuras de Ofélia vamos presenciando os diversos dramas que percorrem a parte realista da história: os esforços de Vidal em esmagar os revoltosos; o sofrimento de Carmem que padece com as complicações de sua gravidez; e as dificuldades enfrentadas pela cozinheira Mercedes para apoiar secretamente o movimento rebelde e manter oculta as suas ações.

Vários são os motivos que tornam esta produção espanhola um bom filme, e estes mesmos elementos fazem com que o seu enredo seja perfeito para um livro que se encaixaria em diferentes gêneros literários, desde o romance histórico até o suspense e a fantasia.

O primeiro elemento é sua mistura única de fantasia e suspense. Apesar de Ofélia gostar de contos de fada, tudo no Fauno e nas tarefas dadas a ela é sombrio, duvidoso e perigoso. Por causa destas tarefas, Ofélia percorre lugares misteriosos e até repugnantes, além de enfrentar criaturas que mais pareciam sair de seus pesadelos mais sombrios. Mas as coisas se tornam ainda piores quando a menina não consegue cumprir à risca as recomendações do fauno. Desta forma a fantasia se encontra representada no filme pelas criaturas mágicas e pelo universo do reino subterrâneo, por outro lado tudo isso se encontra recoberto por um véu de obscuridade que dá um caráter taciturno ao que poderia ser um conto de fadas. Da incerteza de quais são os objetivos das tarefas de Ofélia, bem como das intensões do fauno, nasce a áurea de suspense da narrativa.

Se isso só já não bastasse, o filme ainda comporta um interessante enredo histórico. Enquanto Ofélia cumpre as tarefas indicadas pelo fauno, no acampamento muitas coisas acontecem. Vidal se demonstra um homem violento e intransigente e propenso a ultrapassar qualquer limite para alcançar os rebeldes. A cena mais forte é quando este, na revista de dois camponeses suspeitos, se irrita com o mais novo deles e o mata com sucessivas pancadas de uma garrafa de vinho. Pouco a pouco o rosto do rapaz se torna algo desforme enquanto o mesmo desfalece, tornando a cena brutal e realista, ao passo que demonstra a violência do regime autoritário que se instalava na Espanha naquele momento.

É notório como o diretor consegue incitar em seu público sentimentos profundos de horror, apreensão, desalento e desesperança. Nos agarramos, tal qual Ofélia, a uma promessa que nos parece uma saída miraculosa, mas que, ao mesmo tempo, soa duvidosa e insidiosa. Por outro lado, os acontecimentos que se desencadeiam em favor de Vidal, confluindo para a piora da saúde de Carmem e para que os segredos de Mercedes sejam descobertos, incitam a garota a ter fé na promissão do retorno ao reino subterrâneo. Elementos como esses, em uma narrativa, são tão perturbadores e atraentes quanto o são nas telas do cinema.

Capitão Vidal, interpretado por Sergi López
Em relação aos personagens, creio que o Capitão Vidal seja o mais impactante na trama. Certamente, Vidal foi concebido como um personagem a representar tudo de ruim que existia no regime franquista, bem como em todos os regimes totalitários da época.

Sádico, machista, autoritário, e movido por um ódio declarado aos esquerdistas, ele impõe o seu poder não só através da distribuição controlada de alimento para que os camponeses não alimentassem os rebeldes, como também através da repressão, da violência, da coesão e da tortura de seus inimigos. Se não fosse seu drama pessoal em relação a história do pai, morto em combate, não haveria um único momento do personagem em que ele não se mostraria como detestável e de natureza fria e desamorosa. Neste ponto concordo com Guilherme Araujo quando este afirma que o ator conseguiu com inteligência não deixar seu personagem caricatural, dando-lhe alguns momentos de vulnerabilidade emocional e o tornando mais realista para o espectador[1].

Na direção contrária, Ofélia é uma menina doce e inteligente, mas rodeada por uma atmosfera de tristeza que apenas se adensa. Em alguns momentos se demonstra ingênua e frágil, mas também bastante determinada. Em sua amizade com Mercedes é bastante madura ao compreender os riscos que a cozinheira corria em ajudar os rebeldes e decidir-se por não denunciá-la, mas também é claro o medo que o padrasto lhe infunde. É aí o reino subterrâneo e a promessa do fauno lhe surge como uma esperança de fuga de uma realidade opressora e sem esperanças.

Cena do filme com o fauno (Doug Jones) e Ofélia (Ivana Baquero)

Acho que, de uma forma única e com linguagem própria, O Labirinto do Fauno não só funde realidade e fantasia, como demonstra com bastante realismo a opressão daqueles tempos. Compõe personagens interessantes e idealistas. Há em seu enredo não só o embate entre grupos distintos como também entre ideais diferentes: socialismo X fascismo, realidade X fantasia. Ao mesmo tempo revisita as feridas da Guerra Civil que no tempo escolhido para trama ainda se encontravam completamente abertas e a desesperança teria lugar por bastante tempo.

O desfecho posso dizer que era esperado, tendo em vista que parte dele é revelado ainda no começo do filme, mas as circunstâncias em que se dá ainda abala o espectador.

Em resumo, penso que este filme daria um bom livro, porque sua história não é nenhum pouco enfadonha, é inteligentemente construída, como uma boa estética e com boas dosagens de fantasia, terror, ação e drama. Além disso é capaz de agradar a diversos gostos pelos diferentes enfoques que a narrativa possui. É ao mesmo tempo uma obra de denúncia histórica e de grande qualidade ficcional e com uma importante contribuição para a compreensão de seu momento histórico. Por fim, como afirma brilhantemente Guilherme Araujo: “Não é um filme que apenas nos deslumbra com estética ímpar, mas também com uma complexa densidade emocional”.

A película é uma produção dos estúdios Picasso, Tequila Gang, Esperanto Filmoj, Sententia Entertainment, Telecinco e OMM. Entrou em cartaz no ano de 2006 e foi ganhadora do Oscar como melhor direção de arte, melhor fotografia e melhor maquiagem. Venceu também o Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro, além de conquistar premiações em categorias diversas do Independent Spirit Awards, do BAFTA e da premiação Goya.

Tem duração de 118 minutos e abaixo você pode conferir o trailer do filme que consegue traduzir a atmosfera sombria e ao mesmo tempo mágica que permeia todo o filme.

Trailer




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[1] http://www.loucosporfilmes.net/2016/10/estreou-ha-10-anos-o-labirinto-do-fauno.html

3 comentários:

  1. Uma pena que não se pode compartilhar pelo pinterest!

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    1. Se seu navegador tiver o botão do Pinterest você pode compartilhar facilmente.

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    2. E se você olhar bem, bem no fim da postagem onde ficam os marcadores reações e o nome de quem postou tem botões de compartilhar e o Pinterest é um deles.

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