Um filme que
poderia ser também um livro
Por Eric Silva
Desafiando os limites entre fantasia e realidade, o
filme espano-mexicano O Labirinto do
Fauno é um filme impecavelmente bem construído que certamente daria um
livro fabuloso. Pensando nisso a obra foi escolhida por nós para ser primeiro
filme a integrar a campanha do #AnoDaEspanha e também o primeiro 7ª Arte de 2016. Nele
a mágica dos contos de fadas toma uma atmosfera própria e taciturna e se funde
com o horror vivido na Espanha franquista, logo após o fim da Guerra Civil,
período que mergulhou o país em uma era de opressão e controle fascista.
Sinopse
1944. A Guerra Civil
Espanhola já havia terminado com a vitória dos franquistas, mas alguns focos de
resistências republicanas ainda persistiam. Próximo a um destes focos, nas
montanhas ao norte de Navarra, o Capitão Vidal (Sergi López) se instala em um
antigo moinho isolado no coração do bosque com o objetivo de eliminar os
últimos resistentes que se escondiam ali. Para lá ele manda trazer também sua
esposa, Carmen (Ariadna Gil), que está nos últimos meses de gravidez, e a
enteada Ofélia (Ivana Baquero), uma menina que ainda acredita em contos de fada
e que se recusa a aceitar o cruel e autoritário capitão como seu novo pai.
Sendo a única criança no
posto militar improvisado, Ofélia faz amizade com Mercedes (Maribel Verdú), uma
das cozinheiras da casa e logo descobre que esta trabalha também como
informante dos rebeldes, mas decide não denunciá-la. Além disso, a menina
descobre as ruínas de um antigo labirinto em cujo centro habitava um fauno (Doug Jones). A
estranha criatura lhe conta que ela é a reencarnação de uma princesa que fugiu
do submundo e que para ter o direito de retornar ao reino de seus pais deverá
cumprir três tarefas que afetarão drasticamente e decidir os rumos da vida de
todos, sobretudo da própria menina.
Resenha
Quando imaginei o 7ª Arte, minha inspiração havia nascido
de O Labirinto do Fauno. Tinha
assistido a película há alguns anos e pensando no conteúdo da campanha do #AnoDaEspanha me recordei dele e de como o
mesmo seria um bom livro se assim tivesse sido idealizado. Foi aí que nasceu a
ideia do 7ª Arte: falar de filmes que dariam ótimos livros por seus enredos bem
elaborados e cativantes, e, claro, falar de adaptações fílmicas de obras
literárias conhecidas.
A ideia se tornou ainda
mais tentadora quando vi a possibilidade de integrá-la a campanha em homenagem
a Espanha, resenhando obras fílmicas espanholas e assim ultrapassando os
limites da proposta de itinerário literário, sem, no entanto, perder o foco
deste. Pois agora estamos aqui com a
resenha do primeiro filme dessa nossa nova linha paralela de discussão que
obviamente começaria com O Labirinto do
Fauno.
Cartaz promocional do filme |
Do diretor mexicano
Guillermo del Toro, O Labirinto do Fauno
é uma produção espano-mexicana que se ambienta no final das sangrentas batalhas
entre nacionalistas e republicanos durante a Guerra Civil Espanhola. No ano de
1944, quando se passa os acontecimentos narrados pelo filme, a guerra
oficialmente já havia encontrado seu desfecho com a vitória do regime do
General Francisco Franco. Contudo alguns grupos rebeldes ainda resistiam e, nas
montanhas ao norte da região de Navarra, um deles buscavam fazer frente a um
dos emissários do novo governo, o Capitão Vidal, interpretado no filme pelo
ator espanhol Sergi López.
Vidal era um homem de
visão estreita, cruel e autoritário, capaz de terríveis atrocidades para
completar sua missão de pôr fim aos revoltosos que se escondiam em Navarra.
Contudo, sua recente esposa, Carmem, estava grávida de seu primeiro filho, e,
achando que este deveria nascer próximo ao pai, Vidal manda buscá-la para que
viva com ele no entreposto militar montado nas montanhas onde se escondiam os
revoltosos.
Obediente as ordens de seu
novo marido Carmem enfrenta a desconfortável viagem de carro e leva consigo
também sua primeira filha, Ofélia. Mesmo fragilizada pela gravidez, Carmem
tinha a intensão de estreitar a fria e distante relação entre padrasto e
enteada. Contudo, Ofélia desprezava a ideia de chamar Vidal de pai e mesmo ele
era indiferente. A menina, então, em lugar de cumprir os desejos da mãe, se
ocupa de explorar a propriedade.
Em suas andanças pelo
bosque que circunda a casa, Ofélia descobre a existência de um antigo labirinto
cujo centro abrigava uma passagem para uma câmara subterrânea. Guiada por um
inseto que se transmuta em fada, a garota explora a câmara e ali descobre um
fauno que dizia-se ser parte da terra e das árvores do bosque. Mais do que
isso, a estranha criatura também revela que Ofélia era a reencarnação de uma
princesa do reino subterrâneo que após fugir para a superfície havia encontrado
a morte entre os homens. Contudo, a espera do retorno de sua filha, o rei havia
espalhados pelo mundo passagens para que ela retornasse, e a câmara do
labirinto seria a última destas passagens. Ainda assim, para que Ofélia pudesse
regressar ao reino de seus pais, deveria realizar três difíceis desafios que
poriam sua vida em risco e mudariam o curso de sua história.
O Labirinto do Fauno é um filme criativo e bonito, além de denunciar os horrores
cometidos pelos fascistas espanhóis no período. Guilermo Del Toro, que também
dirigiu os filmes Mutação, A Espinha do Diabo e Hellboy, capricha na estética
de um enredo onde fantasia e realidade parece se fundir e se complementar,
tornando o filme uma de suas principais obras, que, em 2016, completou 10 anos
de existência.
O Fauno e Ofélia em seu primeiro encontro na camâra subterrânea |
Um conto de fantasia
sombria e uma narrativa de suspense que mistura ficção com o cenário de
conflito de um dos momentos mais nebulosos da história da Espanha, O Labirinto do Fauno é um filme ao mesmo
tempo mágico, dramático e soturno. Uma
história que desafia o estreito limite entre realidade e fantasia, e que, da
sua maneira, repovoa de mágica uma realidade ameaçadora e desesperançada, mas
focando nos sentimentos humanos, desde os mais pueris aos mais perturbadores,
através de personagens com naturezas por demais distintas e opostas.
Ao mesmo tempo em que
acompanhamos as sombrias aventuras de Ofélia vamos presenciando os diversos
dramas que percorrem a parte realista da história: os esforços de Vidal em
esmagar os revoltosos; o sofrimento de Carmem que padece com as complicações de
sua gravidez; e as dificuldades enfrentadas pela cozinheira Mercedes para
apoiar secretamente o movimento rebelde e manter oculta as suas ações.
Vários são os motivos que tornam esta produção
espanhola um bom filme, e estes mesmos elementos fazem com que o seu enredo
seja perfeito para um livro que se encaixaria em diferentes gêneros literários,
desde o romance histórico até o suspense e a fantasia.
O primeiro elemento é sua mistura única de fantasia e
suspense. Apesar de Ofélia gostar de
contos de fada, tudo no Fauno e nas tarefas dadas a ela é sombrio, duvidoso e
perigoso. Por causa destas tarefas, Ofélia percorre lugares misteriosos e até
repugnantes, além de enfrentar criaturas que mais pareciam sair de seus
pesadelos mais sombrios. Mas as coisas se tornam ainda piores quando a menina
não consegue cumprir à risca as recomendações do fauno. Desta forma a fantasia se encontra representada no filme pelas
criaturas mágicas e pelo universo do reino subterrâneo, por outro lado tudo
isso se encontra recoberto por um véu de obscuridade que dá um caráter
taciturno ao que poderia ser um conto de fadas. Da incerteza de quais são os
objetivos das tarefas de Ofélia, bem como das intensões do fauno, nasce a áurea
de suspense da narrativa.
Se isso só já não bastasse, o filme ainda comporta um
interessante enredo histórico.
Enquanto Ofélia cumpre as tarefas indicadas pelo fauno, no acampamento muitas
coisas acontecem. Vidal se demonstra um homem violento e intransigente e
propenso a ultrapassar qualquer limite para alcançar os rebeldes. A cena mais
forte é quando este, na revista de dois camponeses suspeitos, se irrita com o
mais novo deles e o mata com sucessivas pancadas de uma garrafa de vinho. Pouco
a pouco o rosto do rapaz se torna algo desforme enquanto o mesmo desfalece,
tornando a cena brutal e realista, ao passo que demonstra a violência do regime
autoritário que se instalava na Espanha naquele momento.
É notório como o diretor
consegue incitar em seu público sentimentos profundos de horror, apreensão,
desalento e desesperança. Nos agarramos, tal qual Ofélia, a uma promessa que
nos parece uma saída miraculosa, mas que, ao mesmo tempo, soa duvidosa e
insidiosa. Por outro lado, os acontecimentos que se desencadeiam em favor de
Vidal, confluindo para a piora da saúde de Carmem e para que os segredos de
Mercedes sejam descobertos, incitam a garota a ter fé na promissão do retorno
ao reino subterrâneo. Elementos como esses, em uma narrativa, são tão
perturbadores e atraentes quanto o são nas telas do cinema.
Capitão Vidal, interpretado por Sergi López |
Em relação aos personagens, creio que o Capitão Vidal
seja o mais impactante na trama. Certamente, Vidal foi concebido como um
personagem a representar tudo de ruim que existia no regime franquista, bem
como em todos os regimes totalitários da época.
Sádico, machista,
autoritário, e movido por um ódio declarado aos esquerdistas, ele impõe o seu
poder não só através da distribuição controlada de alimento para que os
camponeses não alimentassem os rebeldes, como também através da repressão, da
violência, da coesão e da tortura de seus inimigos. Se não fosse seu drama
pessoal em relação a história do pai, morto em combate, não haveria um único
momento do personagem em que ele não se mostraria como detestável e de natureza
fria e desamorosa. Neste ponto concordo com Guilherme Araujo quando este afirma
que o ator conseguiu com inteligência não deixar seu personagem caricatural,
dando-lhe alguns momentos de vulnerabilidade emocional e o tornando mais
realista para o espectador[1].
Na direção contrária,
Ofélia é uma menina doce e inteligente, mas rodeada por uma atmosfera de
tristeza que apenas se adensa. Em alguns momentos se demonstra ingênua e
frágil, mas também bastante determinada. Em sua amizade com Mercedes é bastante
madura ao compreender os riscos que a cozinheira corria em ajudar os rebeldes e
decidir-se por não denunciá-la, mas também é claro o medo que o padrasto lhe
infunde. É aí o reino subterrâneo e a promessa do fauno lhe surge como uma
esperança de fuga de uma realidade opressora e sem esperanças.
Cena do filme com o fauno (Doug Jones) e Ofélia (Ivana Baquero) |
O desfecho posso dizer que
era esperado, tendo em vista que parte dele é revelado ainda no começo do
filme, mas as circunstâncias em que se dá ainda abala o espectador.
Em resumo, penso que este filme daria um bom livro,
porque sua história não é nenhum pouco enfadonha, é inteligentemente
construída, como uma boa estética e com boas dosagens de fantasia, terror, ação
e drama. Além disso é capaz de agradar a diversos gostos pelos diferentes
enfoques que a narrativa possui. É ao mesmo tempo uma obra de denúncia
histórica e de grande qualidade ficcional e com uma importante contribuição
para a compreensão de seu momento histórico. Por fim, como afirma
brilhantemente Guilherme Araujo: “Não é um filme que apenas nos deslumbra com
estética ímpar, mas também com uma complexa densidade emocional”.
A película é uma produção
dos estúdios Picasso, Tequila Gang, Esperanto Filmoj, Sententia Entertainment,
Telecinco e OMM. Entrou em cartaz no ano de 2006 e foi ganhadora do Oscar como
melhor direção de arte, melhor fotografia e melhor maquiagem. Venceu também o
Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro, além de conquistar premiações em
categorias diversas do Independent Spirit Awards, do BAFTA e da premiação Goya.
Tem duração de 118 minutos
e abaixo você pode conferir o trailer do filme que consegue traduzir a
atmosfera sombria e ao mesmo tempo mágica que permeia todo o filme.
Trailer
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http://www.loucosporfilmes.net/2016/10/estreou-ha-10-anos-o-labirinto-do-fauno.html
Uma pena que não se pode compartilhar pelo pinterest!
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