Por Eric Silva, dedicado a Beatriz Brizolara
Em uma edição linda, e muito bem-acabada, com ilustrações
de Fabio Celoni e Mirka Andolfo, a versão HQ de O Caçador de Pipas vem recontar
a emocionante e delicada história de Amir e Hassan, dois garotos afegãos cuja
amizade ultrapassou as barreiras do tempo e da geografia, mas que também sofreu
seus dramas, percalços e tropeços em meio ao cenário de um país segregado,
preconceituoso e martirizado pela guerra.
Sinopse
Amir e Hassan nasceram no
mesmo país e na mesma casa, em Cabul, capital do Afeganistão, porém pertenciam
a etnias diferentes e condições sociais distintas. Mas entre os dois garotos
estas diferenças não foram, por muito tempo, grandes problemas, e Amir aceitava
a amizade devotada de Hassan ao mesmo tempo que lutava pelo reconhecimento do
pai.
Amir admirava a coragem de
Hassan e também o talento em conseguir localizar qualquer pipa que tivesse sido
cortada no céu, e Hassan se maravilhava com a beleza dos contos escritos pelo
único amigo. Um caçador de pipas e um contador de histórias, cuja amizade seria
abalada pela incapacidade do ser humano de enxergar a dádiva de se ter uma
amizade sincera e gratuita. Vinte anos mais tarde, quando Amir já vivia nos
Estados Unidos, após ter abandonado o Afeganistão com seu pai, no episódio da
invasão soviética ao país, o passado o obriga a retornar a uma terra arrasada e
dominada pelo talibã para cumprir a difícil tarefa de expiar os seus próprios
pecados.
Resenha
Ouvi falar muito sobre O Caçador de Pipas quando este já era
considerado um clássico moderno, porque na época de seu lançamento, em 2003,
nos EUA, e, em 2005, no Brasil, ter acesso a livros não era para mim algo muito
fácil. A maioria dos meus livros eram dados ou encontrados na rua. Algumas
poucas vezes minha mãe comprou algum livro que precisasse para a escola. Hoje
muita coisa mudou e, mesmo assim, nunca cheguei a ler O Caçador de Pipas. Hoje me
arrependo de não tê-lo feito logo, de não tê-lo feito ainda, pelo menos não em
sua concretude. Logo, o texto de hoje será diferente dos demais. Não vou
analisar de forma profunda a história, nem seus personagens e focarei apenas em
explicar um pouco de quem é O Caçador de
Pipas e fazer uma apreciação crítica da edição de versão HQ da história e
através da qual conheci o enredo da trama. Quando ler o livro em si, me
dedicarei a resenhá-lo de forma mais profunda, como costumo fazer.
Sobre
o livro
O autor |
Amir é afegão, mas vive nos
Estados Unidos onde é casado e trabalha como escritor. Há vinte anos ele e o
pai fugiram do Afeganistão em decorrência da invasão soviética ao país, mas o
passado volta a afligi-lo quando, no verão de 2001, recebe a ligação de um
velho amigo do pai que lhe pedia que fosse vê-lo no Paquistão. É o abalo
provocado pela ligação inesperada que faz com que Amir recorde da Cabul da
década de 1970, do Afeganistão de sua infância e do amigo Hassan.
Quando crianças Amir e Hassan
eram inseparáveis. Mesmo sendo Hassan um hazara e Amir um pashtun, as antigas
hostilidades e preconceitos entre os dois grupos por muito tempo não afetaram a
amizade dos dois meninos. Da mesma forma como o fato de Amir ser rico e Hassan
o filho do empregado da família parecia ser algo pouco relevante.
Hassan nutria por Amir uma
amizade devotada e franca. Corajoso, sempre defendia o amigo e estava pronto
para protegê-lo, e é no campeonato de pipas da cidade que o menino reafirma a
sinceridade de sua amizade. Porém, quando Hassan se vê em apuros, Amir não tem
coragem de defender o amigo e foge. [SPOILER] Depois daquele dia a amizade
entre os meninos já não seria a mesma, abalada pelas más escolhas de Amir e que
acabariam por afastar Hassan. Contudo aquela ligação telefônica, tantos anos
depois, mostraria a Amir a oportunidade de um recomeço e de redenção dos seus
pecados.
Lançado nos Estados Unidos
em 2003, O Caçador de Pipas foi o
livro de estreia do escritor e médico afegão, Khaled Hosseini. Filho de
diplomata e nascido na cidade de Cabul, Hosseini vive nos EUA desde 1976 quando
sua família se exilou no país em decorrência da invasão soviética ao
Afeganistão. Seria do próprio exílio que o autor tiraria parte da inspiração de
O Caçador de Pipas que logo se tornou
um sucesso mundial e hoje já é considerado por muitos como um clássico.
A verdade é que o livro que
conta a história de amizade dos meninos Amir e Hassan surgiu em meio a um
período em que as relações entre o Ocidente e o mundo islâmico se encontra
muito fragilizadas.
Em 2001 os ataques do 11 de
setembro haviam abalado os EUA e o mundo. No mesmo ano o país invade o Afeganistão,
e, em 2003, o Iraque de Saddam Hussein. Durante todo esse tempo o mundo assistiria pelos
noticiários os dramas e aspectos de dois países arrasados pelas guerras e
conflitos sucessivos, pela tirania de governos autoritários e fundamentalistas,
e novamente arrasados no conflito contra os estadunidenses. A “guerra contra o
terror” parecia muito longe de encontrar seu desfecho e a imagem que se
instaurara no imaginário do mundo era a de um Afeganistão pobre, arrasado e
violento. É nesse contexto que a publicação da obra de Hosseini surgiu para
lançar um olhar mais humano sobre o país muçulmano e também para seu povo.
Tamanho sucesso rendeu para a obra, no ano de 2007, a sua primeira adaptação
para o cinema em filme do diretor alemão Marc Forster.
Sobre
a edição
Uma das cenas mais comoventes da obra. Notem a qualidade do desenho e a preocupação com os detalhes tanto na composição da paisagem como das diferenças físicas dos personagens. |
Como mencionei não vou analisar o enredo,
porque por mais que a edição lida seja baseada no livro ela não contém todas as
nuances da narrativa, nem transmite todos os conflitos internos de seus
personagens. Por isso acho que comecei errado.
O Caçador de Pipas em quadrinho é uma obra interessante e bem-acabada, mas, acho eu,
deveria ser lida especialmente por aqueles que já leram o livro, como numa
espécie de regresso ao texto e de nova experiência a partir de outra
perspectiva: a visual. Não quero afirmar que quem ler O Caçador de Pipas em quadrinho não vá compreender a narrativa. O
livro dá conta da história em seus principais aspectos, questões e dramas, mas
pela sua extensão e forma não dispensa a leitura do livro se o objetivo for
conhecer o íntimo de seus personagens, seus pensamentos e sentimentos. Por isso
digo que comecei errado, como aquela pessoa que primeiro assiste ao filme e
depois lê o livro. Gostaria de ter lido primeiro o livro, para sentir a
densidade da narrativa e dos seus personagens, mas agora a experiência será
diferente do que seria se já o tivesse feito.
Mas falando da edição. O Caçador de
Pipas em quadrinho tem uma qualidade
gráfica muito boa com desenhos de Fabio Celoni e Mirka Andolfo. Celoni é
cartunista e escritor italiano e desde o ano de 1990 trabalha como designer da
Walt Disney Company entre vários outros trabalhos que compõe seu currículo. Já
ganhou vários prêmios e realizou mais de 30 exposições na Itália e em outros
países europeus[1]. Mirka, por sua vez, é
também ilustradora, cartunista e colorista italiana e a coloração da edição
original de O Caçador de Pipas em quadrinho (Il cacciatore di aquiloni), realizado pela editora
Edizioni Piemme, em 2010, foi seu primeiro trabalho profissional de certo peso[2]. Hoje
o livro, que tem textos de Thomas Valsecchi, já foi publicado em mais de dez
países[3].
É fácil perceber o cuidado
Celoni e Mirka na elaboração dos desenhos que compõem a obra. Os desenhos além
de uma excelente qualidade gráfica e coloração impecável, são bastante
detalhados buscando exibir com riqueza os cenários e os aspectos físicos de
seus personagens. Não é preciso nem ser muito atencioso para notar nos desenhos
do personagem Hassan, e um pouco menos em seu pai, os traços físicos asiáticos
que são típicos de sua etnia, o diferenciando enormemente dos demais
personagens por sua beleza exótica (farei depois uma postagem especial sobre os
Hazaras). Além disso, os cenários das paisagens naturais e culturais típicos do
país são também apresentados em riqueza de detalhes: as montanhas, os mercados
e as ruas pobres e nobres da cidade de Cabul antes e depois das guerras. A linguagem visual da obra, como tinha de
ser, é pujante e minuciosa em seus detalhes.
Sem dúvida, foi para
combinar com a arte elaborada por Celoni e Mirka e com a qualidade literária da
obra original, que a editora Nova Fronteira deu à edição brasileira um aspecto
bastante luxuoso para o que vejo comumente em HQs, em formato de livro com
miolo de papel offset (120 g/m²) e capa de papel cartão (250 g/m²).
Recomendo o HQ para quem já leu o livro e gostou, mas
para aqueles que não leram ainda, como eu, tenham certeza que ficarão tentados
a fazê-lo.
A edição lida é da Editora
Nova Fronteira, do ano de 2011 e possui 132 páginas.
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