Por Eric Silva
Diga-nos o que achou da
resenha nos comentários.
No mês passado. o mundo todo comemorou o dia
Internacional do Livro e, no dia 18, no Brasil, se comemorou o dia Nacional do
Livro Infantil. Antes disso, no dia 02 do mesmo mês comemoramos o dia
Internacional do Livro Infantil, com certeza um período delicioso para
rememorar os livros que me fizeram leitor, que me iniciaram nos misteriosos
caminhos da literatura. Por isso retomei, no mês passado, a campanha dos Livros da MinhaInfância e Adolescência (#MeusLivros). Na última resenha da campanha falei um
pouco dos primeiros livros que li na vida e o primeiro que resenhei foi Rio Tem Coração? onde contei
como os meus primeiros livros me foram dados. Hoje, falarei um pouco sobre
outro livro dessa época: A Vida Íntima de
Laura, de Clarice Lispector, uma história muito simples e corriqueira, mas
com um grau de intimidade entre autor e leitor que dificilmente se vê na
literatura.
Sinopse
Uma das obras infantis mais
conhecidas de Clarice Lispector, A vida
íntima de Laura conta de forma intimista e leve a história e as aventuras
de Laura, uma galinha como tantas outras e sem nada que fosse excepcional mas
que ganha vida e importância através do talento da grande autora.
Eu e A Vida Íntima de Laura
Não tenho muito o que falar
de mim e este livro porque muito já falei na resenha de Rio Tem Coração? Mas, para mim, hoje é meio difícil de acreditar que entre
os primeiros livros que li na vida estaria um dos mais importantes nomes da
literatura brasileira, como é o caso de Clarice Lispector.
Lembro que quando lia A Vida Íntima de Laura não imaginava
quem era sua autora ou sua importância. Na verdade, isso pouco importava,
porque quando somos crianças o que nos importa não são a beleza das palavras ou
a fama do escritor, mas principalmente a mágica da história. O enredo e seus
personagens são o que de fato importam.
Lembro ainda que eu achava
engraçado alguém ter escrito uma história sobre um animal que quase ninguém que
mora na cidade dá importância, a menos que ele esteja na panela. Mas parecia
que, para o narrador, elas eram criaturas muito interessantes e isso contagia o
leitor, porque a medida com que ia falando conosco de como Laura era tão feia e
burrinha, com “seus pensamentozinhos e
sentimentozinhos”, a própria galinha
ia ganhando importância e a nossa estima, evidenciando ser alguém bem maior e
mais esperto do que o narrador de fato dizia, justamente porque ela não
precisava ser excepcional ou perfeita para ser importante.
Hoje, dá até um pouco de pena
comer um animalzinho tão singelo e pacato, ainda mais quando abro as páginas da
minha edição toda pintada e riscada do livro de Clarice, mas a verdade é que
amo quase todo prato que é feito com frango e a gula fala mais alto do que a
consciência. “É que pessoas são uma gente
meio esquisitona” e não tenho mesmo vocação para ser vegetariano.
Resenha
“Vou logo explicando o que quer dizer “Vida íntima”. É assim vida íntima quer dizer que a gente não deve contar a todo mundo o que se passa na casa da gente. São coisas que não se dizem a qualquer pessoa.Pois vou contar a vida íntima de Laura. Agora adivinhe quem e Laura.Dou-lhe um beijo na testa se você adivinhar. E duvido que você acerte! Dê três palpites.Viu como é difícil?”
É
dessa forma divertida e bem próxima do leitor mirim que Clarice inicia o seu
pequeno monólogo sobre a vida de Laura, “uma
galinha muito da simples”. esposa do galo Luís e que vivia no quintal de
Dona Luísa. Em seu tom afável e
descontraído que lembra mais uma prosa de fim de tarde, Clarice vai contando as
intimidades e pequenas aventuras da “simpática”
Laura e faz graça ao confessar que a galinha do pescoço feio é também “bastante burra”. Mas quem se importa com
aparência, não é mesmo? “Porque o que
vale mesmo é ser bonito por dentro”, e, quanto a Laura ser “burríssima”,
isto é um grande exagero, e sabe por quê? Porque “quem conhece bem Laura é que sabe que Laura tem seus pensamentozinhos e
sentimentozinhos. Não muitos, mas que tem, tem”.
É nesse tom e por meio de
perguntas diretas que Clarice vai se achegando ao leitor, envolvendo-o e
integrando-o ao universo de Laura e à própria história. Da mesma forma vai
desfazendo preconceitos sobre a aparência e a intelectualidade e fomenta o
respeito ao outro em suas particularidades como vemos no trecho abaixo:
“As outras são muito parecidas com ela: também meio ruiva e meio marrom. Só uma galinha é diferente delas: uma carijó toda de enfeites preto e branco. Mas elas não desprezam a carijó por ser de outra raça. Elas até parecem saber que para Deus não existem essas bobagens de raça melhor ou pior”.
A autora |
A Vida Íntima de Laura
é pouco mais do que um conto no qual Clarice Lispector escreve uma história
simples e sem grandes acontecimentos. Escreve a história íntima de uma das
criaturas mais corriqueiras e desinteressantes que existe, mas que ao mesmo
tempo tem grande importância nas nossas vidas. E no meio dessa história Clarice expõe o quanto a vida singela de uma
galinha meio burrinha pode suscitar uma série de importantes questões humanas e
sobre as nossas relações interpessoais.
Mas como se era de esperar de
uma escritora bem experimentada na literatura para adultos, na qual a vida é
representada sem muitos floreios, a morte é um tema presente na história ainda
que de forma bem atenuada. Ao integrar a morte na narrativa Clarice deixa claro
que as galinhas são quase sempre criadas para a alimentação humana, e poucas
como Laura contam com a estima de seus criadores.
Hoje, A Vida Íntima de Laura me faz pensar que ainda que muitas histórias
infantis envolvam animais imponentes como leões e elefantes (a Disney que o
diga com o Rei Leão e Dumbo) ou exóticos como o macaco e o camaleão, aquelas
que mais nos ensinam são como a de Clarice, que falam de pequenos animais do
nosso cotidiano e que nós, adultos, pouco valorizamos. Então reflito como a literatura tenta imitar a mágica da infância que
parte de coisas tão pequenas e singelas e lhes dão tamanho e importância
colossal. É como se um universo coubesse numa gota de orvalho mas estivéssemos
ocupados demais para perceber isso.
Ao contrário de nós, com as crianças acontece diferente.
Elas percebem esse mundo insondado que só existe na imaginação. Através dele
reescrevem o cotidiano, o amplifica, o ultrapassa e o “magifica”. Penso que os livros infantis tentam explorar o mesmo
caminho e daí nascem livros como A Vida
Íntima de Laura.
Por fim, me parece que os contadores de história são os
únicos adultos capazes de contar o mundo pelo olhar da criança. Clarice foi uma
dessas pessoas que soube fazer a ponte entre o mundo infantil e o adulto,
trazendo de um mundo e de outro os elementos para escrever sua história e
fazendo da vida pacata de uma galinha algo interessante para os pequenos.
A edição lida é da Editora
Nova Fronteira, do ano de 1983 e possui 23 páginas.
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