quinta-feira, 23 de junho de 2016

Mensageiros da Morte - Marcos de Sousa - Resenha

Por Eric Silva

“Mais uma guerra sem razão
Já são tantas as crianças
Com armas na mão
Mas explicam novamente
Que a guerra gera empregos
Aumenta a produção….

Uma guerra sempre avança
A tecnologia
Mesmo sendo guerra santa
Quente, morna ou fria
Prá que exportar comida?
Se as armas dão mais lucros
Na exportação…”
(Renato Russo)



Uma guerra é feita de medo, provocações, sangue e demonstrações de poder e o que resta do lento cozinhar destes ingredientes é destruição, desolação, miséria, dor e perdas incalculáveis. Mas existe uma outra face da moeda, aqueles que lucram e fazem da guerra um grande mercado da morte. Trazendo à tona questões como política, guerra, terrorismo e corrupção, Marcos de Sousa escreve Mensageiros da Morte, uma narrativa rápida, mas chocante.

Não existiu uma só época da história humana em que não haja acontecido algum conflito em pequenas ou grandes proporções. Das guerras surgiram ricos e vastos impérios, fronteiras foram re-demarcadas e povos sucumbiram. Por poder, por território e por riquezas, ou simplesmente por ódio e intolerância, muitas batalhas foram e tantas outras serão travadas, porque parece que faz parte da natureza humana a necessidade de se autodestruir e, principalmente, de reduzir o outro à inópia[3]. Atento a isso, George Orwell, sabiamente, afirmou:




Misturas altamente inflamáveis de interesses econômicos e ódio provocaram conflitos como as duas Grandes Guerras Mundiais e a Guerra ao Terror[2] e tantos outros conflitos de menor projeção como as constantes e sangrentas guerras civis africanas que mergulham o continente numa profusão de caos, insegurança e miséria. Ciente destas questões, Marcos de Sousa, autor brasileiro, demonstra, em seu mais recente livro, como é relativamente fácil provocar um grande conflito quando se conhece as feridas que estão abertas, os potenciais inimigos e como gerar tensões e terror por toda a parte.

Sinopse

Em algum lugar do mundo, usando simplesmente o pseudônimo de Chefe e sem jamais revelar seu rosto, alguém articula uma série de atentados terroristas em diversas partes do globo: Brasil, Estados Unidos, Israel, França, Vaticano, Japão. Contudo para se fazer uma guerra é necessário dois lados combatentes e o autointitulado Chefe trata de encontrá-los no Irã e na Síria. Tudo estava pronto para o que poderia se tornar a Terceira Guerra Mundial! Mas quais as intensões desta figura misteriosa que age nas sombras e do qual ninguém se quer sabe da existência? Quem é este sujeito que manobra governos e exércitos como se fossem peças de um jogo de xadrez? – amo xadrez Onde quer chegar? Será desmascarado? Ou prevalecerá?

Alheios a todo este esquema, Enzo e Thiago sofrem seus próprios dramas particulares. O primeiro, um policial tensionado pelo seu trabalho sacrificante e perigoso. Um homem que amarga um casamento que ameaça desmoronar e duas perdas que o abalam enormemente. O segundo, um rapaz mimado e corrupto, herdeiro de uma das maiores fortunas do Brasil e que, às voltas com seu pai e o sócio deste, se envolve em coisas que jamais imaginou que tomaria parte um dia. Duas pessoas completamente diferentes, extremos opostos, mas que se veem irremediavelmente envolvidos com toda a desordem que está acontecendo no mundo até que seus caminhos cruzem de forma marcante.

Resenha

Vou começar falando do problema deste livro: a sinopse dele no Skoob revela coisa demais! Marcos consegue segurar ao longo da narrativa muitas informações que poderiam nos dar pistas de quem é o chefe ou quais as suas intenções. Porém a sinopse liberada no Skoob revela uma coisa crucial: a intensão. Alguém poderia mudar aquilo, por favor?! Obrigado!

Enquanto leio um mistério, thriller, um suspense, costumo especular e criar teorias de quem seria o criminoso, quais suas intensões, seus próximos passos. Mas como li de antemão a sinopse skoobdiana fiquei reduzido a uma única possibilidade de especulação: quem é o chefe? É verdade que depois descobrimos outras intencionalidades, mas a sinopse liberada poderia ser mais discreta.

Passado esse breve desabafo... 


Por ser um livro pequeno e capítulos curtos, o ritmo em que tudo acontece é frenético. As ações do Chefe acontecem na trama de forma articulada e simultânea – provocativa e intencionalmente no dia 11 de setembro de 2016. Os acontecimentos que se atropelam na vida de cada um dos vários personagens e dos protagonistas também são revelados um após ao outro se assomando a confusão que acontece no exterior. Parece-me que a intensão do autor não era apenas indicar o caos que acontecia no mundo, mas transpor isso também para a narração, tornar a coisa mais viva e real, pois tudo acontece de forma seguida, nos pegando de assalto. Só depois de alguns capítulos a história toma um ritmo mais compassado, sem, no entanto, desacelerar muito.
O autor

Outro ponto do livro que me chama bastante a atenção é a forma como o cenário de guerra é retratado pelo autor. Marcos me fez lembrar como a guerra pode ser insana e brutal. O qual violenta e criminosa ela é. Imperdoável e devoradora de seus próprios filhos. Vidas são usadas, consumidas e descartadas em uma velocidade assustadora. Homens, mulheres e crianças, todos sofrem. Ambos os lados têm perdas inestimáveis, não apenas em baixas, mas perdas espirituais e psicológicas.

O autor consegue captar tudo isso. A tensão, a insanidade, a incerteza de voltar vivo do campo de batalha. Mais chocante é como ele capta algo que muitos ignoram: todos são um inimigo em potencial, até mesmo quando se trata de uma criança. Na guerra, crianças são peões. Uma muralha posta à frente para ser sacrificada enquanto as peças mais fortes se articulam no tabuleiro segundo uma estratégia. E como peões eles também são parte da estratégia e, logo, potencialmente perigosos.

É notório como a morte está em todos os cantos, à espreita, camuflada. Por todo o livro, das mais variadas formas, das formas mais brutais. O cenário de caos, terror e guerra permeiam todos os lugares e parece que ninguém está a salvo

Além dessas questões, Marcos nos relembra como a guerra também é um comércio lucrativo. Sempre existem também interesses comerciais por trás das motivações e muitos são aqueles que lucram com a carnificina empreendida pelos exércitos combatentes. Dinheiro é consumido e gerado através da guerra, como nos lembra Renato Russo em Canção do Senhor da Guerra, música cujo um trecho utilizei para iniciar este texto. A indústria da guerra gera empregos e os conflitos armados aumentam a produção.

Também é digno de nota como o livro brinca com a geopolítica atual. Trocando nomes de políticos, Marcos envolve em um mesmo conflito alguns países, com exceção do Brasil, Vaticano e Japão, que já estão diretamente envolvidos em casos de terrorismo e ocupam a cena política como vítimas ou como países de origem dos grupos terroristas envolvidos[3].

Por fim, gostaria de comentar que gostei de ler o livro para conhecer um pouco mais da nova geração de escritores brasileiros. Continuo motivado a explorar a obra destes autores e me reaproximar da literatura nacional, conhecer seus novos temas e tendências.


A edição lida é uma produção independente. Ao longo da leitura encontrei alguns pequenos erros ortográficos, mas nada que comprometa a leitura ou que uma revisão ortográfica não possa resolver. Porém acredito que os mesmos já tenha sido resolvidos na reedição, publicada pela editora APED.




[1] Situação de extrema necessidade material; pobreza, indigência.
[2] Termo utilizado pelos EUA para designar suas campanhas militares no Afeganistão e Iraque depois do 11 de Setembro. 
[3] Os EUA já fora vítima de atentados terroristas em 2001 e é hoje o principal alvo dos fundamentalistas islâmicos. A França ano passado (2015) foi surpreendida por um ataque ao semanário satírico Charlie Hebdo, que anos antes havia publicado uma charge satirizando o profeta Mohamed, e que resultou no assassinato de doze pessoas. Israel é um país marcado pelos constantes ataques terroristas de homens e carros bombas em uma guerra contra os palestinos que se arrasta por décadas.
A Síria, além de ter um dos maiores arsenais de armas químicas do mundo (http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/151012_crise_siria_entenda_rb), vive uma de suas piores crises políticas e que se converteu em uma verdadeira guerra civil. Um conflito que tem sido o berço para o crescimento de grupos jihadistas, entre os quais se destaca o “El” (o autointitulado Estado Islâmico). Por fim, o Irã foi alvo de diversas sanções por parte de muito país devido ao seu controverso programa nuclear e ao ignorar a resolução da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que exigira, em 2006, que o país cessasse suas atividades de enriquecimento de urânio. O temor da comunidade internacional em relação ao país, com destaque para os EUA e Israel (http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/01/120121_israel_iran_analise_rc), era que este planejasse utilizar este urânio para fins militares.

3 comentários:

  1. Olá, Eric.
    Primeiramente, muito obrigado por dar uma oportunidade ao livro e por ter feito essa resenha tão caprichada e embasada. Gostei demais dos textos complementares; aliás, eles esclarecem muitos dos pontos que eu desejei passar na obra.
    Fico feliz que a premissa e o desenvolvimento tenham te envolvido. A ideia era exatamente essa: começar com um ritmo frenético e depois ir unindo os núcleos narrativos. Claro que isso pode desagradar alguns leitores, mas fico feliz que essa estratégia tenha funcionado para você.
    Fico na expectativa que seus leitores curtam a leitura da obra também.
    Forte abraço.

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  2. Oi Eric! Eu li o livro do Marcos recentemente e posso dizer que adorei a dinâmica da história, a adrenalina e objetividade. Marcos nos leva a um mundo que infelizmente conhecemos bem, mas de uma maneira totalmente nova, pelos motivos que nem imaginava ser possível. Eu gostei muito das suas referências e citações, que completam a história naturalmente, fazendo com que o leitor entenda a real essência da escrita de Marcos. Ótima resenha.
    Abs!

    http://ohqueridavalentina.blogspot.com/

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  3. Adorei a forma como você estruturou a sua resenha! Me prendeu muito na leitura. Acho que esta é uma obra interessante mas que, infelizmente, não faria o meu estilo. Talvez eu venha a dar uma oportunidade futuramente.
    Gislaine | Paraíso da Leitura

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