terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Los Alamos - Resenha - Martin Cruz Smith



Na capa da edição lida podemos visualizar 
dois buttes carcterísticos da paisagem
desértica da região dos Monument Valley
no Novo México durante o anoitecer.

Foi nas terras áridas e cingidas por montanhas e desfiladeiros de Los Alamos, no Estado americano de Novo México, onde se realizaram os primeiros testes para a produção da Bomba Atômica, ainda na segunda Guerra mundial. O controverso projeto denominado de Projeto Manhattan e comandado pelo físico Robert Oppenheimer e pelo major-general Leslie Groves, foi responsável pela produção das bombas nucleares que destruíram Nagasaki e Hiroshima – um dos maiores atentados ocorridos até então – como estratégia militar para pôr fim à guerra empreendida contra os japoneses no Pacífico. Contudo é o Projeto Manhattan o cenário escolhido por Martin Cruz Smith para ambientar o seu romance Los Alamos originalmente publicado em 1986 com o título de Stallion Gate.

A narrativa de Los Alamos gira entorno de Joe Peña, um sargento indígena do exército que havia sido preso por se envolver com a mulher de um oficial superior e que foi solto pelo Capitão Augustino especialmente para cuidar da segurança do projeto Manhattan.

Joe já era muito famoso dentro do exército e sobretudo no Novo México, sua terra natal, pela suas lutas como pugilista, sua música e também pelo sucesso que fazia com as mulheres. Mas a razão de Capitão Augustino quere-lo em Los Alamos era o seu conhecimento do lugar, dos povos indígenas que viviam ali e ameaçavam as operações secretas do projeto bem como sua proximidade com o chefe científico do projeto, Oppenheimer. Augustino desconfiava da presença de espiões entre os membros do corpo científico e Joe era sem dúvida o homem perfeito para ser seus olhos e ouvidos dentro do Projeto Manhattan.


Vista sobre Los Alamos, Novo México. 
A ponte no canto inferior direito é a ponte 
Ômega construída através de Los Alamos Canyon. 
Fonte: Wikimedia Commons
Ao longo da história, Cruz Smith descreve as aventuras amorosas de Joe Peña bem como o dia-a-dia dentro das instalações militares criadas especialmente para o projeto. Narra também os conflitos com alguns grupos indígenas da localidade e que colocam Joe em uma difícil posição entre suas obrigações como militar e para com seu povo. Também é muito enfatizado na história os conflitos internos travados por Joe que se sente culpado pela morte do irmão, Rudy, ocorrida durante a guerra no pacífico e que só entrara no exército por admirar o trabalho do irmão mais velho. A perda do irmão, porém, era para Joe um martírio ainda maior, pois também a mãe, Dolores, morrera culpando-o por ter impulsionado Rudy a seguir carreira militar.

Resenha

Há algum tempo eu vinha tendo uma vontade grande de ler este livro em grande parte por meu interesse sobre a temática da guerra que lhe serve de cenário e, em segundo lugar, pelo meu desconhecimento acerca de seu autor. Bem, tive minha oportunidade quando encontrei um volume antigo e amarelado na biblioteca da Filarmônica 30 de Junho. Fiquei ansioso para começa-lo e qual foi minha surpresa quando percebi que a narrativa não era nada do que eu imaginava. Joguei o livro em uma prateleira qualquer e acabei levando três meses para voltar e terminar de ler. E aí vocês me perguntam: e afinal porque você está resenhando esse livro? O motivo é bem simples: a relevância de sua temática e a qualidade de suas descrições, mas vamos por partes.
Os Físicos do Distrito Manhattan num colóquio em 
Los Alamos em 1946. Na linha de frente estão 
(da esquerda para direita) Norris Bradbury, 
John Manley, Enrico Fermi e J. M. B. 
Kellogg. Robert Oppenheimer, de paletó escuro,
está trás de Manley; à esquerda de Oppenheimer 
está Richard Feynman. Destes Fermi e Oppenheimer 
aparecem como personagens da narrativa de Cruz Smith.

Primeiro, porque não gostei da narrativa. Bem, para começar tudo o que eu esperava na história foi secundarizado ou não era o seu foco principal. Cruz Smith tinha em suas mãos a possibilidade de escrever uma narrativa emocionante cheia de conspirações e espionagem, não que estes elementos não estivessem presentes na história, mas foram tão secundarizadas que ficaram perdidas em meios aos problemas existenciais e amorosos do personagem principal, além disso faltou mais emoção, suspense e espaço na narrativa para que estes elementos se desenvolvessem. Na minha modesta opinião, somente o final dramático entre o fanático Augustino e Joe esteve a altura de tudo que a narrativa poderia ter sido, mas não foi. Além disso a história não vai além do Projeto Manhattan, não mostra suas consequências ou uso sobre as cidades japonesas destruídas pela bomba. Por fim, se centra demais na história e nas aventuras de Joe. Contudo, este último ponto possibilitou também alguns pontos interessante da narrativa.

Entretanto decidi resenhar o livro por dois motivos: a cultura indígena que aparece em alguns trechos e determinados pontos espaçados da história que nos mostra o que pensavam os americanos em relação a guerra que acontecia no Pacífico.

A "bomba" (recipiente sob pressão) 
sendo baixado em uma fornalha

Joe, como já afirmei, é indígena e através de suas andanças e das confusões em que se mete podemos conhecer um pouco da vida dos indígenas que viviam próximo à Los Alamos. Cruz Smith nos mostra um pouco da cultura indígena, de seus costumes e religião, além de nos apresentarmos aos kivas e aos pueblos. Ainda conhecemos um pouco das condições de pobreza e exploração em que viviam os índios dos pueblos do Novo México. O trabalho de cerâmica muito bem elaborado e com uma decoração que representava muito de sua cultura e mitologia mas que, no entanto, era comercializada para os turistas a preços irrisórios, assim como acontecia com a venda de turquesas e outras quinquilharias. Por fim, o autor ainda revela um pouco da tentativa destes povos de preservar parte de seus costumes religiosos. É inclusive por questões religiosas que os índios da região acabam por entrar em conflito com o exército e tentam sabotar suas atividades em Los Alamos. Motivados por Roberto, um velho índio cego, e seus sonhes proféticos, alguns índios começam um incêndio em uma das instalações de Los Alamos e devido a essa e outras interferências e incidentes acabam sendo perseguidos por dois vaqueiros do Serviço de Proteção aos Índios, por ordens do Exército americano.
Os Pueblos eram a forma de moradia típica dos indígenas 
que viviam no território do atual estado de Novo México. 
Na imagem Taos Pueblo (ou Pueblo de Taos). 
Fonte: Wikimedia Commons

O outro aspecto que me levou a resenhar o livro de Cruz Smith foi saber um pouco sobre o que os americanos e os cientistas – aqueles envolvidos com o projeto – pensavam da guerra e da construção daquela arma mortífera. Percebi que era consenso da maioria de que a bomba seria a única maneira de fazer com que os japoneses se rendessem e por fim de vez a guerra. Ficou nítido que, a qualquer custo, a meta perseguida era poupar a vida do maior número de soldados americanos. Em uma das passagens, inclusive, em um diálogo entre Dr. Harvey, Oppenheimer e Joe, o autor levanta a questão dos custos de vidas que o uso daquela bomba teria e se seria correto ou não construí-la ou detona-la sobre as cidades japonesas. Leiam um trecho:

“— Você argumenta, Harvey, que os japoneses estão praticamente derrotados. Segundo qualquer padrão racional, eles deveriam estar, concordo. Você acha que seria preferível explodir a bomba em uma demonstração anunciada publicamente — uma ilha da Baía de Tóquio, por exemplo, um lugar onde eles pudessem reunir seus melhores cientistas e generais. Se tivermos real mente de lançar a bomba sobre eles, você acha que o alvo deveria ser um posto militar remoto, uma base tão distante quanto possível de qualquer agrupamento de civis. Você não admite que mulheres e crianças morram simplesmente porque queremos demonstrar nossa eficiência. E acrescenta que há prisioneiros de guerra americanos em numerosas cidades japonesas que poderão estar relacionadas como alvos possíveis. Você acredita que se formos a primeira nação a usar uma arma tão terrível, ficaremos historicamente estigmatizados, granjeando a má vontade do mundo inteiro. Pior ainda, você receia o desencadeamento de uma corrida armamentista, com o aparecimento de artefatos cada vez mais poderosos, como a humanidade jamais sonhou e que a destruirão. Acha que usar uma arma assim na guerra impedirá qualquer tentativa de acordo internacional, relativo ao futuro controle de artefatos apocalípticos. Por fim, você argumenta que seremos os responsáveis diretos e específicos por essas armas, uma vez que fomos os homens e mulheres que as criamos. Quem, senão nós, tem o direito de decidir como e se tais armas devem ser usadas? Agora me diga: não fiz um resumo honesto de seus argumentos?”

São questões realmente importantes, mas que todos sabem pelo estudo da historiografia que não impediram a construção nem a detonação das bombas sobre Nagasaki e Hiroshima. Além disso, já li em alguns livros que a intensão americana não se resumia a forçar a rendição japonesa – o que aconteceu em 15 de agosto de 1945 – mas também demonstrar seu poderio militar a União Soviética que já despontava como principal rival do Estado americano. Inclusive há em Los Alamos há um rápido comentário em referência a isso, feito por um dos oficiais do projeto.

Por fim, outro ponto relevante a se destacar é a qualidade e propriedade mostrada pelo autor ao descrever os experimentos e testes envolvidos na fabricação da bomba, resultado provável de uma profunda pesquisa sobre o tema.

Bem, para quem quiser ler Los Alamos indico que o façam mais pela importância histórica do momento que serve de cenário ao romance do que pela busca por um thriller ou por uma história de ação e espionagem, porque esse não é o caráter desta obra. É meu primeiro Cruz Smith e já ouvi falar de outros dois livros dele que são considerados suas melhores obras: Parque Gorki e Terrores da Noite, mas ainda não decidi se vou lê-los.

A edição lida é da editora Record, publicado em 1986 com 303 páginas.

Obrigado pela atenção.

Os Kivas são antigas construções circulares que eram utilizadas para alguns rituais religiosos dos indígenas. Em um dos trechos da narrativa, Cruz Smith descreve o interior de um kiva: “Havíamos caído dentro de um antigo kiva e estávamos sentados no centro dele. Ao redor de nós havia uma porção de imagens. Um homem com a pele azul como a de um pássaro e a cabeça de búfalo. Uma andorinha com a cabeça de uma menina. Um puma sentado como se fosse humano. O kiva deveria ter uns quinhentos anos, talvez mil, mas as cores estavam tão vivas como se as figuras tivessem sido pintadas na véspera. Entretanto, passada uma hora, elas foram esmaecendo, e passada outra hora, mal podiam ser vistas; pouco depois, eu já nem enxergava as paredes da sala, que se enchia de terra e desaparecia, mas continuávamos lá”. Na foto o Interior de um kiva reconstruído no Parque Nacional de Mesa Verde. Fonte: Wikimedia Commons

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