Na
capa da edição lida podemos visualizar
dois buttes carcterísticos
da paisagem
desértica da região dos Monument Valley
no Novo México durante o
anoitecer.
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Foi nas terras áridas e cingidas por montanhas e desfiladeiros de Los
Alamos, no Estado americano de Novo México, onde se realizaram os primeiros
testes para a produção da Bomba Atômica, ainda na segunda Guerra mundial. O
controverso projeto denominado de Projeto Manhattan e comandado pelo físico
Robert Oppenheimer e pelo major-general Leslie Groves, foi responsável pela
produção das bombas nucleares que destruíram Nagasaki e Hiroshima – um dos
maiores atentados ocorridos até então – como estratégia militar para pôr fim à
guerra empreendida contra os japoneses no Pacífico. Contudo é o Projeto
Manhattan o cenário escolhido por Martin Cruz Smith para ambientar o seu
romance Los Alamos originalmente publicado
em 1986 com o título de Stallion Gate.
A narrativa de Los Alamos gira entorno de Joe Peña, um sargento indígena do exército que havia sido preso por se envolver com a mulher de um oficial superior e que foi solto pelo Capitão Augustino especialmente para cuidar da segurança do projeto Manhattan.
Joe já era muito famoso dentro do exército e sobretudo no
Novo México, sua terra natal, pela suas lutas como pugilista, sua música e
também pelo sucesso que fazia com as mulheres. Mas a razão de Capitão Augustino
quere-lo em Los Alamos era o seu conhecimento do lugar, dos povos indígenas que
viviam ali e ameaçavam as operações secretas do projeto bem como sua
proximidade com o chefe científico do projeto, Oppenheimer. Augustino
desconfiava da presença de espiões entre os membros do corpo científico e Joe
era sem dúvida o homem perfeito para ser seus olhos e ouvidos dentro do Projeto
Manhattan.
Vista
sobre Los Alamos, Novo México.
A ponte no canto inferior direito é a ponte Ômega construída através de Los Alamos Canyon. Fonte: Wikimedia Commons |
Resenha
Há algum tempo eu vinha tendo uma vontade grande de ler este livro em grande parte por meu interesse sobre a temática da guerra que lhe serve de cenário e, em segundo lugar, pelo meu desconhecimento acerca de seu autor. Bem, tive minha oportunidade quando encontrei um volume antigo e amarelado na biblioteca da Filarmônica 30 de Junho. Fiquei ansioso para começa-lo e qual foi minha surpresa quando percebi que a narrativa não era nada do que eu imaginava. Joguei o livro em uma prateleira qualquer e acabei levando três meses para voltar e terminar de ler. E aí vocês me perguntam: e afinal porque você está resenhando esse livro? O motivo é bem simples: a relevância de sua temática e a qualidade de suas descrições, mas vamos por partes.
Primeiro, porque não gostei da narrativa. Bem, para começar tudo o que
eu esperava na história foi secundarizado ou não era o seu foco principal. Cruz
Smith tinha em suas mãos a possibilidade de escrever uma narrativa emocionante cheia
de conspirações e espionagem, não que estes elementos não estivessem presentes
na história, mas foram tão secundarizadas que ficaram perdidas em meios aos
problemas existenciais e amorosos do personagem principal, além disso faltou mais emoção, suspense e espaço na narrativa para que estes elementos se desenvolvessem. Na minha modesta opinião, somente o final dramático entre o fanático Augustino e Joe esteve a altura de tudo que a narrativa poderia ter sido, mas não foi. Além disso a
história não vai além do Projeto Manhattan, não mostra suas consequências ou
uso sobre as cidades japonesas destruídas pela bomba. Por fim, se centra demais
na história e nas aventuras de Joe. Contudo, este último ponto possibilitou
também alguns pontos interessante da narrativa.
Entretanto decidi resenhar o livro por dois motivos: a cultura
indígena que aparece em alguns trechos e determinados pontos espaçados da
história que nos mostra o que pensavam os americanos em relação a guerra que
acontecia no Pacífico.
Joe, como já afirmei, é indígena e através de suas andanças e das confusões
em que se mete podemos conhecer um pouco da vida dos indígenas que viviam
próximo à Los Alamos. Cruz Smith nos mostra um pouco da cultura indígena, de
seus costumes e religião, além de nos apresentarmos aos kivas
e aos pueblos. Ainda conhecemos um pouco das
condições de pobreza e exploração em que viviam os índios dos pueblos do Novo México. O trabalho de
cerâmica muito bem elaborado e com uma decoração que representava muito de sua
cultura e mitologia mas que, no entanto, era comercializada para os turistas a
preços irrisórios, assim como acontecia com a venda de turquesas e outras
quinquilharias. Por fim, o autor ainda revela um pouco da tentativa destes
povos de preservar parte de seus costumes religiosos. É inclusive por questões
religiosas que os índios da região acabam por entrar em conflito com o exército
e tentam sabotar suas atividades em Los Alamos. Motivados por Roberto, um velho
índio cego, e seus sonhes proféticos, alguns índios começam um incêndio em uma
das instalações de Los Alamos e devido a essa e outras interferências e
incidentes acabam sendo perseguidos por dois vaqueiros do Serviço de Proteção
aos Índios, por ordens do Exército americano.
Os
Pueblos eram a forma de moradia típica dos indígenas
que viviam no território
do atual estado de Novo México.
Na imagem Taos Pueblo (ou Pueblo de Taos).
Fonte: Wikimedia Commons
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O outro aspecto
que me levou a resenhar o livro de Cruz Smith foi saber um pouco sobre o que os
americanos e os cientistas – aqueles envolvidos com o projeto – pensavam da
guerra e da construção daquela arma mortífera. Percebi que era consenso da
maioria de que a bomba seria a única maneira de fazer com que os japoneses se rendessem e por fim de vez a guerra.
Ficou nítido que, a qualquer custo, a meta perseguida era poupar a vida do
maior número de soldados americanos. Em uma das passagens, inclusive, em um
diálogo entre Dr. Harvey, Oppenheimer e Joe, o autor levanta a questão dos
custos de vidas que o uso daquela bomba teria e se seria correto ou não
construí-la ou detona-la sobre as cidades japonesas. Leiam um trecho:
“— Você argumenta, Harvey, que os japoneses estão praticamente derrotados. Segundo qualquer padrão racional, eles deveriam estar, concordo. Você acha que seria preferível explodir a bomba em uma demonstração anunciada publicamente — uma ilha da Baía de Tóquio, por exemplo, um lugar onde eles pudessem reunir seus melhores cientistas e generais. Se tivermos real mente de lançar a bomba sobre eles, você acha que o alvo deveria ser um posto militar remoto, uma base tão distante quanto possível de qualquer agrupamento de civis. Você não admite que mulheres e crianças morram simplesmente porque queremos demonstrar nossa eficiência. E acrescenta que há prisioneiros de guerra americanos em numerosas cidades japonesas que poderão estar relacionadas como alvos possíveis. Você acredita que se formos a primeira nação a usar uma arma tão terrível, ficaremos historicamente estigmatizados, granjeando a má vontade do mundo inteiro. Pior ainda, você receia o desencadeamento de uma corrida armamentista, com o aparecimento de artefatos cada vez mais poderosos, como a humanidade jamais sonhou e que a destruirão. Acha que usar uma arma assim na guerra impedirá qualquer tentativa de acordo internacional, relativo ao futuro controle de artefatos apocalípticos. Por fim, você argumenta que seremos os responsáveis diretos e específicos por essas armas, uma vez que fomos os homens e mulheres que as criamos. Quem, senão nós, tem o direito de decidir como e se tais armas devem ser usadas? Agora me diga: não fiz um resumo honesto de seus argumentos?”
São questões realmente importantes, mas que todos sabem
pelo estudo da historiografia que não impediram a construção nem a detonação
das bombas sobre Nagasaki e Hiroshima. Além disso, já li em alguns livros que a
intensão americana não se resumia a forçar a rendição japonesa – o que
aconteceu em 15 de agosto de 1945 – mas também demonstrar seu poderio militar a
União Soviética que já despontava como principal rival do Estado americano. Inclusive
há em Los Alamos há um rápido comentário em referência a isso, feito por um dos
oficiais do projeto.
Por fim, outro ponto relevante a se destacar é a
qualidade e propriedade mostrada pelo autor ao descrever os experimentos e
testes envolvidos na fabricação da bomba, resultado provável de uma profunda
pesquisa sobre o tema.
Bem, para quem quiser ler Los Alamos indico que o façam
mais pela importância histórica do momento que serve de cenário ao romance do
que pela busca por um thriller ou por uma história de ação e espionagem, porque
esse não é o caráter desta obra. É meu primeiro Cruz Smith e já ouvi falar de
outros dois livros dele que são considerados suas melhores obras: Parque Gorki
e Terrores da Noite, mas ainda não decidi se vou lê-los.
A edição lida é da editora Record, publicado em 1986 com 303
páginas.
Obrigado pela atenção.
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