Por Eric Silva
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Adaptação da obra homônima de Ildefonso Falcones, a série
A Catedral do Mar traz ao público uma
versão muito fiel do livro numa produção belíssima e com ótimas interpretações.
Sinopse
A Barcelona do século XIV já era próspera e destino de camponeses fugidos de seus senhores. Também ali, no bairro da Ribeira, o povo mais humilde, à custa de seus esforços e da contribuição de mercadores e pessoas importantes da cidade, erigia a imponente Catedral de Santa Maria del Mar, cuja construção seria paralela a conturbada história de um dos seus mais devotados filhos, Arnau Estanyol, que de estivador se tornaria barão.
Filho de um camponês fugido,
Arnau, ainda menino, conhece a tirania dos nobres, a revolta, a pobreza e a
fome, mas, buscando sobreviver, vive uma vida fatigante, sempre à sombra da
Catedral, e marcada por aventuras que lhe conduziriam a um destino
surpreendente e épico.
Resenha
Da literatura para a
televisão
Fotografia de Eric Silva dos Santos, novembro de 2018. |
Inveja, intriga, soberba, ambição, preconceito e
fanatismo, tudo está presente nesse romance de estreia cuja primeira edição
transcursa 592 páginas sem se tornar cansativo ou monótono.
O título faz referência a
catedral de Santa Maria del Mar,
importante monumento histórico barcelonês e que figura como importante vetor na
determinação da história dos personagens, como se fosse também um deles. Mas o tema principal é a luta pela
liberdade e contra as injustiças cometidas em nome de valores distorcidos pela
conveniência dos interesses.
O trabalho de pesquisa
histórica é fantástico e cuidadoso e o livro abriga um séquito de personagens
surpreendentes e pulsantes. Pessoas simples do povo, da elite, do clero,
meretrizes, escravos e judeus. No
conjunto, a história dessas pessoas faz
refletir que não é o destino ou o divino que inflige ao homem o sofrimento, mas
que ele é seu próprio lobo. Não são a
Inquisição e os direitos feudais consequências da vontade divina, mas obra da
vontade dos homens, que outorga para si o direito de infligir sofrimento ao
outro em prol de seus próprios interesses.
O livro por si só é perfeito
e um best-seller espanhol, mas em 2018, o diretor espanhol Jordi Frades
entregou ao público uma série memorável em 8 episódios que narram a aventura
épica de Arnau.
Jordi Frades é diretor de
cinema e televisão espanhol. Seus primeiros trabalhos foram relacionados à
televisão catalã, dirigindo, em 1994, vários capítulos da primeira telenovela
em catalão, Poblenou, produzida e
exibida pela TV3. Ao longo de sua carreira, Jordi foi responsável por diversas
minisséries de televisão, a exemplo de Oh, Espanya! (1996-1997), El joc
de viure (1997), La memòria
dels Cargols (1999), Crims (2000), De
moda (2004) e El cor de la
ciutat (2005-2007).
Crítica
Para quem nunca leu o livro a
série que adaptou A Catedral do Mar
será um panorama muito fiel do que é o livro.
Ganhadora do Prêmio Iris (2018)
de melhor produção, assim como o livro, a série faz um panorama do que foi a
Baixa Idade Média (1300 a 1500 d.C.), uma época de dominação feudal, de
histerismo religioso e da dizimação provocada pela fome e pela peste negra. É
neste cenário que a catedral do povo é erigida tendo Arnau como sua testemunha.
Tudo na série dirigida por
Jordi Frades me agradou, mas os melhores pontos foram a fidelidade a obra
original e a produção caprichada e realista da série.
A Catedral do Mar
é uma obra de muito impacto pelas injustiças cometidas por muitos de seus
personagens e pela realidade dura e até brutal vivida por eles. É um livro de
formação que conta toda a trajetória de vida do seu protagonista e emociona com
uma narrativa bem-feita e épica.
Jordi preserva a atmosfera original do livro e se mantém fiel ao seu conteúdo. Apesar de ter lido o livro há aproximadamente dois anos atrás, não percebi grandes e relevantes alterações e nenhuma parte que foi omitida na série era essencial para seu entendimento, o que temos no final é um apanhado fidedigno do enredo imaginado por Falcones.
Achei, porém, que o foco
demasiadamente detalhista dado a infância e o começo da juventude de Arnau
tomou o espaço para a conclusão da narrativa que ficou, por assim dizer, um
pouco apressada. Ainda assim, isso é algo que só nota quem leu a obra original,
porque os últimos dois capítulos são bastante coesos e coerentes.
O filme parece não ter tido
um grande orçamento, mas a sua produção foi caprichada com diálogos e
interpretações que me mantiveram interessado na obra mesmo já conhecendo o seu
enredo.
As caracterizações, cenários e figurinos demonstram um trabalho minucioso da arte e do elenco para tornar realista a trama. Os personagens são bem construídos e profundos. Além disso, são críveis com interpretações impecáveis e convincentes, sobretudo dos dois principais protagonistas da trama: Bernat, interpretado por Daniel Grao, e Arnau Estanyol interpretado, na infância, por Hugo Arbúes e, na idade adulta, por Aitor Luna.
Como a trama é forte e foi
muito bem contada tornou-se impossível ser indiferente e não se sentir
conectado aos personagens e aos seus sofrimentos pessoais, sobretudo por que a
brutalidade daqueles tempos não foi ocultada ou romantizada, pelo contrário foi
demonstrada em toda a sua ferocidade.
Os cenários apesar de escuros
são grandiosos e revelam com fidedignidade os padrões de vida vividos e a
realidade oposta daqueles que detinham o poder e daqueles que viviam na miséria
e privação. Mesmo pela diferença da qualidade dos tecidos, das tonalidades de
cores e de limpeza dos figurinos, se tem uma ideia nítida das diferenças
sociais e do grau de riqueza proporcional de cada um, desde o mais miserável,
passando pelos de posses mais parcas aos mais abastados.
A única coisa que não em
chamou a atenção na série de Jordi foi a trilha sonora que ficou, para mim,
esquecida. Nem se quer prestei atenção a ela. Erro meu, mas de pouca gravidade,
presumo, pois se os sons fossem especialmente interessantes esse detalhe não
havia me escapado.
Não falarei nada da dublagem,
pois assisti o original em espanhol legendado para o português, o que achei
ótimo, pois estou gradativamente me afastando das versões dubladas e apreciando
a linguagem e os sotaques estrangeiros e originais dos filmes e séries que
assisto.
Porém é necessário ressaltar
que ainda que a produção seja excelente alguns pontos negativos e contradições
podem ser observados na obra dirigida por Jordi.
Quem assiste a série sente
que existe na trama uma busca por um realismo que, no entanto, não transparece nos
aspectos, como, por exemplo na maquiagem. O exemplo mais clássico são pessoas
extremamente pobres, porém higienicamente muito bem zelados (cabelos e dentes),
como aponta Gustavo David do Metafictions. Além disso, alguns pontos cruciais
sobre o funcionamento e as leis barcelonesas – intensivamente exploradas por
Ildefonso em seu livro – são um tanto mal explicados ou pouco esclarecidas. Por
fim, a série deixa mais evidentes algumas soluções forçadas encontradas pelo
autor para dar saída aos problemas de seus personagens, contudo, acredito que
essas saídas ganham mais evidência pelo fato da série explicar mal os costumes
bastante peculiares da Barcelona do século XIV.
Posso concluir dizendo que a série dirigida por Jordi
Frades não fica a desejar e atende às expectativas de qualquer expectador. O
que mais me agradou foi a fidedignidade da produção com o livro, certamente o
seu formato em série foi crucial para isso. Correu um pouco no final e deixou
alguns pontos mal explicados, mas não desagradou.
A Catedral do Mar
é uma produção dos estúdios Atresmedia, Televisió de Catalunya e Netflix, e foi
exibida pela primeira vez em 2018. Tem 8 episódios com duração média de 55
minutos. Abaixo você pode conferir o trailer da série.
Trailer
[1]“Em
crítica literária, designa o tipo de romance em que é exposto, de forma
pormenorizada, o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico,
estético, social ou político de um personagem, geralmente desde a sua infância
ou adolescência até um estado de maior maturidade” (WIKIPÉDIA).
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