Por Eric Silva
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Orlando e o
Escudo da Coragem é o mais novo infantojuvenil do universo de Athelgard,
criação da escritora brasileira Ana Lúcia Merege. Em seu novo livro, Merege
conta as aventuras de Orlando, um menino de 12 anos filho de um poderoso senhor
de terras em Athelgard, que apesar de sua pouca idade enfrenta uma perigosa
prova de coragem para mostrar o seu valor. Um livro criativo e sensível, com
uma escrita acolhedora e uma narrativa que ensina o valor da coragem.
Sinopse
Orlando é o mais jovem dos
filhos do thane[1] de Leighdale, um
garoto esperto, gentil e corajoso de descendência élfica e com o dom da magia,
mas que, no entanto, vive à sombra do seu meio-irmão mais velho, Lionel,
conhecido por todos pela nobreza e bravura.
O garoto é tão honrado e
capaz quanto seu irmão por quem ele tem uma grande admiração, mas ainda não
conhece as próprias potencialidades. Em casa, todos implicam por ele insistir
em treinar um falcão estrábico, o Vesgo, mas Orlando sabe que assim como ele o
pequeno falcão possui potenciais inexplorados e por isso insiste no treinamento
do falcão.
Entretanto chega o dia no
qual, as potencialidades tanto do menino quanto as do falcão são postas à prova
quando Lionel viaja para participar de um torneio e Orlando o acompanha como
escudeiro. Naquela viagem às desconhecidas terras das Colinas Negras, por conta
de uma série de mal-entendidos e confusões, o menino e seu falcão vivem uma grande
e perigosa aventura na qual são testados e levados a mostrar os quão corajosos
e capazes eram.
Resenha
Orlando, Lionel e um
conto de cavalaria
Imagem: Eric Silva, 2018. |
Orlando e o Escudo da Coragem possui uma série grande de personagens importantes, como
Brian, que participa do torneio ao lado de Orlando, os caçadores Raylin e Ellak,
e o senhor das Colinas Negras, Turnedil, mais a sua esposa, a Dama Elfrida.
Porém destacarei apenas Orlando e seu irmão Lionel.
Orlando é um garoto repleto
de qualidades positivas. Ele é amigável, aplicado, humilde e sensível, além de
guardar em si acentuados graus de sabedoria, maturidade e senso de justiça.
Isso tira, na visão de um adulto, um pouco da verossimilhança do personagem,
mas para o público infantil ele é um símbolo de retidão e moralidade a ser
seguido. Um garoto honesto e bom. Contudo, mesmo aí, o personagem se encaixa
perfeitamente dentro das clássicas histórias de cavalaria, onde os cavaleiros
tidos como justos eram, em sua maioria, exemplos de nobreza, cristandade e
retidão de caráter.
É sem dúvida um personagem
que possui seus medos e inseguranças sobretudo pela sua falta de experiência e
pouca idade, entretanto ele busca a coragem para vencer seus medos e dar seu
melhor.
Lionel é descrito como
corajoso e habilidoso estando muito à frente de seu irmão menor, mas também é
um bom irmão, atencioso e carinhoso. Defende-o, o estimula e incentiva, além de
ensiná-lo, por isso, em lugar de competir com Lionel, Orlando sente admiração e
não se importa profundamente de estar à sua sombra. São, em suma companheiros e
bons irmãos.
Com precisamente 100 páginas Orlando e o Escudo da Coragem é uma
pequena novela que se inspira nos antigos contos de cavalaria medievais. Como é
especialidade da sua autora, trata-se de um livro cheio de magia e ensinamentos
pensado para o público infantojuvenil, mas escrito com a qualidade de um livro
sem faixa etária determinada.
Imagem: Eric Silva, 2018. |
No blog da editora Draco[2],
Merege conta que teve a ideia do livro depois que viu a imagem de um rapaz
falcoeiro com o seu falcão, na imagem um falcão peregrino. Dali junto com o
desejo de escrever mais livros voltados para o público infantojuvenil que
usasse o universo de Athelgard como plano de fundo, a autora foi, durante o
processo de escrita, compondo a narrativa de Orlando.
Para escrever seu livro Ana Lúcia buscou se aprofundar no
universo da falcoaria, da cavalaria e dos torneios de justas. Em seu texto ela
explica que a relação entre Orlando e seu meio-irmão Lionel foi inicialmente
inspirada em “A Espada era a Lei”, e
o tema em contos de cavalaria como “Sir Gawaine e o Cavaleiro Verde”. Daí
nasceu a ideia de uma novela infantojuvenil inspirado nos romances de cavalaria
e histórias de fantasia com a falcoaria, os
torneiros medievais, o respeito as diferenças e a coragem como os principais
temas abordados.
A falcoaria é uma prática
antiga e hoje quase extinta que remota do período medieval. Trata-se da prática
de caçar com falcões treinados para este fim. Era uma atividade comum entre a
elite medieva e foi o esporte preferido de reis e senhores feudais da época[3].
Para amestrar as aves era necessário paciência e tempo e por isso é preciso
escolher muito bem o animal e começar a treiná-la ainda filhote.
No livro de Merege falcoaria e respeito às diferenças se
encontram para falar da relação de Orlando com sua ave, o Vesgo. Orlando
dedica seu tempo a uma ave estrábica e que provavelmente nunca aprenderia a
caçar por conta da alta precisão na visão necessária às aves nessa prática. Contudo, ele não abandona nem despreza
Vesgo pelas suas condições físicas e busca explorar seus potenciais ao máximo,
jamais desistindo, e irrita-se quando sua ave é descriminada pelos adultos e
pelos amigos do irmão.
Image: Eric Silva, 2018. |
O tema do respeito às diferenças
é marcante na narrativa desse livro e vai muito além da história de Orlando e
seu falcão. Ela permeia as relações humanas com os elfos e as criaturas míticas
e é um dos principais valores defendidos por Merege em sua obra.
O outro valor é a coragem que vem na trama ligada as
grandes dificuldades enfrentadas pelos cavaleiros nos torneios medievais.
Os torneios medievais ou
justas eram competições de cavalaria ou pelejas comuns entre os séculos XII ao
XVI na Europa[4], e utilizadas como
populares formas de diversão executada pelos nobres, mas que atraía também a
atenção da população camponesa que assistia às competições.
Todas as provas aplicadas
nestes torneios implicavam riscos aos seus participantes e por isso funcionavam
também como treinamento e teste de coragem. Mas a coragem de que fala Merege não se resume a bravura, mas a coragem
de fazer o que é certo e de ser justo sempre, e Orlando enfrenta suas
provações buscando mostra que a coragem possui um significado mais largo e
amplo do que a qualidade de não ter medo. O torneio idealizado por ela baliza e
faz aflorar a essência dos competidores fazendo emergir os preconceitos e
valores: arrogância, bravura, honestidade, compaixão, egoísmo, descriminação,
tudo aflora em cada competidor e são jugadas pelos idealizadores da disputa com
equidade e justiça.
Essas associações e
ensinamentos são comuns na obra de Merege. A autora sempre busca através de
suas histórias trazer ao leitor adulto e infantojuvenil algum tipo de
aprendizado. Neste livro coragem
significa ser justo, não buscar o caminho mais curto, respeitando as diferenças
e o outro enquanto busca abrir seu caminho pela vida. Ser corajoso é nunca recuar diante da adversidade e lutar por justiça.
Por esses ensinamentos Orlando e o Escudo da Coragem é um livro
que dialoga intensamente com os demais da coleção que compreende o universo
ficcional criado pela autora, porque em todos ela encerra algum tipo de
ensinamento e valor essencial ao crescimento pessoal das pessoas. Esse diálogo
é ainda mais intenso com Anna e a Trilha
Secreta, outro
livro infantojuvenil sobre a necessidade de que trilhemos caminhos que nos leve
ao autoconhecimento, a autocitação e ao respeito às diferenças.
Características gerais
e apreciação crítica
Imagem: Eric Silva, 2018. |
Uma talentosa
contadora de histórias, a escrita de Merege é o ponto que mais me agrada em sua
obra. Seja lá qual for a temática que ela escreva, esteja na forma de
romances, novelas ou mesmo de contos, e independentemente de para quais
públicos ela escreva, sua escrita sempre
me dá uma sensação de conforto que poucos autores me causam.
Quando você
penetra em seus cenários primorosamente construídos é como se estivesse
realmente vivenciando aqueles cenários medievais, bosques e florestas. A linguagem
é coerente e adequada, você compreende completamente a história ainda que ela
faça referências a elementos e objetos de época que não são conhecidos do
público geral. Trata-se de liberdade
criativa ampla sem perder o rumo ou deixar o leitor confuso.
A narração é limpa e se limita ao essencial sem perder, porém, a
beleza de um texto que te envolve e prende. O narrador não opina nem interfere
na narrativa, mas lhe diz o suficiente para que você entenda que toda a peça
cumpre o papel de te ensinar algo.
O livro é curto e dividido em 13 capítulos pequenos e por isso a
leitura é rápida. Como o texto é fluido e muito bem construído você nem sente
quando a história acaba. A linguagem é acessível e mesmo os termos técnicos e
históricos não atrapalham o entendimento geral da narrativa, deixa apenas o
leitor na curiosidade para saber o que é um jarl
(“título usado na Era Viquingue e no início da Idade Média para designar o
governador de uma região relativamente grande ou o braço-direito de um rei”)[5]
ou um thane (título dado a um oficial
do rei local)[6].
Os personagens são construídos conforme suas características e
valores, mas como o objetivo da trama é fazer emergir o que está oculto bem
poucos são os personagens planos, o que se destaca são os personagens que
evoluem com a trama e se transformam. O principal deles é Brian, um dos
principais competidores do torneio e que ao longo da história mostra muitas de
suas facetas. Isso torna interessante a narrativa e instigante, porque os
personagens deixam de ser previsíveis, e ainda que o desfecho da história o
seja, não sabemos por quais caminhos a história passará antes de desembocar no
resultado que o leitor espera.
A edição é muito semelhante
ao livro Anna e a Trilha Secreta e
possui o mesmo desenho gráfico e diagramação. O livro é também ilustrado com os
desenhos de Ericksama que além de bonitos são também delicados.
Novamente o que mais gostei em Orlando e o Escudo da Coragem é o que costumo gostar e me atrair na
obra de Merege: os temas, cenários e a escrita aconchegante e gostosa de se
ler. Não vejo pontos fracos em uma trama que foi pensado para o público
infantil. Há alguns clichês e o uso de fórmulas já clássicas, mas isso é tudo e
está totalmente condizente com o gênero e com o público a que o livro está
dirigido. Ainda assim, Merege se sobressai com o seu talento e originalidade
nos seus pontos mais fortes. Seus propósitos são claros: divertir, encantar e
ensinar, e essas metas o livro cumpre com maestria.
A edição lida é da Editora
Draco, do ano de 2018 e possui 100 páginas.
Sobre a autora
Nascida em 1969, na cidade do Rio de Janeiro, Ana
Lúcia Merege é romancista e bibliotecária. Possui mestrado em Ciência da
Informação, pelo IBICT/UFRJ-ECO, tendo defendido, em 1999, sua dissertação
intitulada O livro impresso: trajetória e contemporaneidade. É também
formada em Biblioteconomia pela UNIRIO e, desde 1996, trabalha no Setor de
Manuscritos da Biblioteca Nacional, onde atua no trabalho com material
original, fontes primárias, identificação de documentos e organização de
exposições.
Seu primeiro romance publicado, O Caçador
(2009), foi também o primeiro do gênero fantasia escrito pela autora que desde
então vem se dedicando a organização de diversas coletâneas do gênero, além de
contos e romances. Suas principais obras estão ligadas ao universo de
Athelgard, criado pela escritora para ambientar sua mais recente trilogia que
se inicia com o romance O Castelo das Águias e
ganha sequência com os livros A Ilha dos Ossos e A
Fonte Âmbar, todos publicados pela editora paulista Draco.
Com vasta experiência com manuscritos e forte
interesse pela história do período medieval, Merege foi responsável ainda, na
mesma editora, pela organização das coletâneas Excalibur: histórias de
reis, magos e távolas redondas e Medieval: Contos de uma era fantástica, este último em parceria com o escritor brasileiro
Eduardo Kasse.
A escritora ainda ministra cursos e palestras em
instituições e escolas.
[1]
Título dado a um oficial do rei local (Wikipédia).
[2]
https://blog.editoradraco.com/2018/07/como-escrevi-orlando-e-o-escudo-da-coragem/
[3]
Enciclopédia Delta Júnior
[4]
https://pt.wikipedia.org/wiki/Torneio_medieval
[5]
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jarl
[6]
https://en.wikipedia.org/wiki/Thane_(Scotland)
Muito obrigada por mais esta, querido Eric!
ResponderExcluirÉ sempre um prazer ler a sua obra.
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