quinta-feira, 26 de abril de 2018

A Arte Japonesa no Livro Beleza e Tristeza – Postagem Especial


Por Eric Silva

Livro do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1968, Yasunari Kawabata (川端康成), Beleza e Tristeza é um livro que fala sobre e gira entorno do mundo das artes. Artes plásticas, música, jardinagem, arquitetura, poesia. Muitos são os tipos de manifestações artísticas que são mencionados ou explorados pelo autor para construir uma trama que fala tanto de sentimentos fortes e conflitantes, bem como de infidelidade e de vingança, contudo a arte permeia ou é expressão de cada um desses sentimentos e ações e sustém a narrativa composta por Kawabata.

Na Postagem Especial de hoje, trazemos uma rápida galeria com a obra de alguns dos artistas e outros elementos artísticos citados, acompanhados de passagens do livro que fazem referências a elas ou a seus artistas.

Espero que goste de nossa pequena exposição.
Yôkoso

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As representações de Kobo Daishi


Kobo Daishi (弘法大師ou Kukai foi um monge budista, erudito, poeta e artista japonês que é diversas vezes citado em um dos capítulos do livro quando a artista Otoko Ueno decidia a temática em que se inspiraria para fazer um retrato de seu filho morto em um parto prematuro. Ao longo desse capítulo a personagem se recorda das pituras que representavam o monge quando ainda era criança e se questiona se deveria inspirar-se nelas. Abaixo você pode conferir duas destas representações


"Ela vira algumas pinturas antigas célebres representando Kobo Daishi jovem que a tinham comovido pela graça e sensibilidade inteiramente japonesas, mas, nessas obras, Kobo Daishi não era realmente uma criança e nunca ascendia ao céu. Otoko não desejava representar exatamente a ascensão da criança ao céu; procurava somente sugeri-la. Mas terminaria ela essa pintura algum dia?"


"Uma vez mais, foram as antigas pinturas, tão tipicamente japonesas, representando Kobo Daishi criança que lhe vieram ao espírito. Esses retratos tinham sua origem numa lenda sobre a vida do santo homem, segundo a qual Kobo Daishi criança se vira em sonhos sentado sobre uma flor de lótus de oito pétalas, conversando com o Buda.
Nessas pinturas de estilo convencional, Kobo Daishi mantinha-se sentado sobre o cálice de uma flor de lótus, o busto bem ereto. Nas pinturas mais antigas, ele tinha uma expressão distante e severa, mas seus traços se suavizavam e se tornavam mais encantadores nas obras mais recentes, a ponto de às vezes se poder confundir a face do santo homem menino com a de uma graciosa menina."

Nakamura Tsune

Pintor japonês nascido no ano de 1888 e falecido em 1924 com a apenas 37 anos de idade. Nakamura foi fortemente influenciado pelos artistas europeus Paul Cézanne e Pierre-Auguste Renoir, destacando-se na arte do retrato. Infelizmente não encontramos a obra do pintor que é citada no livro.

Retrato de Vasilii Yaroschenko por Nakamura Tsune (1920)

"O jovem Nakamura Tsune fizera retratos poderosos e sensuais da mulher que amava. Empregava bastante vermelho e dizia-se que fora influenciado por Renoir. Sua obra mais célebre e mais conhecida, o Retrato de Eroshenko, expressava de maneira quase religiosa, utilizando tons quentes e harmoniosos, toda a nobreza e melancolia do poeta cego".
Retrato de uma mulher (1913)


Jardins de Pedras

Os tradicionais jardins de pedras japoneses (枯山水 Karesansui) são constituídos principalmente de um campo raso de areia onde são dispostos alguns elementos naturais como cascalho, pedras e grama. Contudo os principais elementos sejam a areia revolvida para representar o mar e suas ondulações e pedras, comumente associadas às montanhas.

Em Beleza e Tristeza esse icônico elemento da jardinagem japonesa possui um grande destaque no capítulo Paisagem de Pedra no qual a protagonista Otoko Ueno vai ao jardim do templo Saiho-ji para contemplar, desenhar e "absorver" a energia de seus jardins de pedras. Ao longo do capítulo o narrador faz uma sintetiza um pouco da história do templo e de seus jardins enquanto embevecida a personagem os contempla e desenha. Contudo logo depois Otoko e sua aluna e amante Keiko começam a discutir a natureza abstrata das paisagens formadas por jardins de pedras, um diálogo que depois é desviado quando Keiko passa a falar de sua aproximação com o antigo amante de Ueno, o Sr. Oki.

Jardim de pedra do templo Ryoan-ji.
"Em Kyoto, ainda hoje, são muitos os monastérios com jardins de pedra. Os mais célebres são os de Saiho-ji, do Pavilhão de Prata, do Ryoan-ji , do Daitoku-ji, do Myôshinji.
Mas o mais famoso de todos é aquele de Ryoan-ji, do qual se diz, não sem razão, que encarna a essência da estética zen. Nenhum outro jardim de pedras pode se comparar às suas célebres ordenações de rochas."

Lagoa Dourada, no centro do jardim de musgo. Templo Saihō-ji ( 西 芳 寺 ).
"Otoko conhecia bem todos esses jardins. Este ano, no fim da estação de chuvas, ela foi ao Saiho-ji com a intenção de fazer alguns desenhos. Não que ela se julgasse capaz de pintar o seu jardim de pedras; desejava apenas absorver um pouco de sua força.
Não era esse um dos mais antigos e poderosos jardins de pedra? Otoko realmente não desejava pintá-lo. Que contraste faziam os arranjos de pedras atrás do monastério com a doçura do chão recoberto de musgos mais abaixo! Não fossem as idas e vindas dos visitantes, Otoko adoraria sentar-se ali em contemplação. Se ela abriu seu caderno de desenhos, foi sem dúvida para não despertar suspeitas nos passantes que a viam observando ora num canto, ora noutro."
Jardim da montanha feliz em Zuiho-in, um templo subsidiário de Daitoku-ji (大徳寺), Kyoto, Japão.


Kishida Ryusei

Nascido em 1891 e falecido em 1929, Kishida Ryusei foi um pintor japonês educado nas técnicas ocidentais da pintura e ficou célebre pelos muitos retratos que pintou de sua própria filha, Reiko. Em Beleza e Tristeza ele é citado apenas uma vez, enquanto Otoko reflete sobre algumas possibilidades de inspiração para fazer um retrato de Keiko. Na ocasião ela se recorda de uma das obras pintadas por Kishida no qual retrata sua filha em um estilo menos ocidental e mais próximo da estética tradicional japonesa.

Uma das pinturas de Kishida representando sua filha Reiko
"Otoko lembrou-se dos retratos que o pintor Kishida Ryusei fizera de sua filha Reiko. Eram tanto pinturas a óleo como aquarelas delicadas, minuciosamente executadas, semelhantes a obras religiosas e nas quais a influência de Dürer era visível. Um desses retratos impressionara Otoko mais do que os outros: tratava-se de um esboço em tons claros, sobre meia folha de papel chinês e que representava Reiko sentada ereta, o busto nu e os quadris envoltos numa tanga vermelha. Não era certamente uma das melhores obras de Ryusei, e Otoko se perguntava por que ele fizera esse retrato de sua filha num estilo tão tipicamente japonês, se já pintara obras semelhantes empregando técnicas ocidentais."
Uma estrada atravessando uma colina (1915)


Kobayashi Kokei

Nascido em 1883 e falecido em 1957, Kobayashi Kokei também foi um pintor japonês que ficou conhecido por suas pinturas executadas dentro da mais pura tradição japonesa. Na obra de Kawabata, assim como ocorreu com Kishida Ryusei é citado apenas uma vez, enquanto Otoko reflete sobre as possibilidades de inspiração para fazer o retrato de sua aluna.

Cabelo, Tóquio, Japão (1957)
"Então, por que não pintar Keiko nua, tal como ela lhe sugerira? Algumas pinturas budistas insinuavam até mesmo as curvas dos seios femininos. Entretanto, se se inspirasse no retrato de Kobo Daishi para pintar Keiko, como faria o penteado da jovem? Otoko vira a célebre tela de Kobayashi Kokei intitulada A cabeleira: tratava-se de uma obra de grande pureza, mas ela não conseguira imaginar Keiko penteada daquele modo. Depois de muito pensar, Otoko confessou para si mesma que pintar sua aluna era uma tarefa acima de suas forças."

Frutas (1910)


Jardim da Vila Imperial de Katsura

Conhecido também como o Palácio Separado de Katsura, a Vila Imperial é um conjunto formado por uma vila e anexos repletos de jardins que pertencia aos príncipes da família Hachijo-no-miya (八条宮) e que hoje é considerado um dos tesouros culturais mais importantes do Japão. Os jardins da Vila Imperial são considerados obras-primas da jardinagem tradicional japonesa, mas são citados apenas de forma muito breve no livro de Kawabata pela personagem Otoko quando esta compara a evolução do jardim da vila ao longo do tempo em contraposição a imutabilidade dos jardins de pedras.

Vista do jardim e do lago no palácio da Vila Imperial de Katsura.
 - Nunca aspirei a uma coisa dessas. - Otoko parecia inquieta. - Mas você não acha que durante todos esses séculos as árvores deste monastério, assim como as do jardim da Vila Imperial de Katsura, cresceram, envelheceram, sofreram tempestades e são hoje bem diferentes do que eram no passado? As paisagens de pedra, essas sem dúvida permaneceram as mesmas.

Katsura Rikyu (桂離宮)

Muitas outras formas de arte e obras artísticas são citadas pelo livro. Algumas delas porém não conseguimos localizar informações para incluí-las na galeria, outras pertencem ao mundo das letras. Contudo, esperamos que tenham gostado dessa nossa pequena amostra.




2 comentários:

  1. Gostei muito da sua postagem. Acabo de ler Beleza e Tristeza, essa sensível e intensa obra do mestre Kawabata e encontro aqui essa referência. Obrigada!

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