Por Eric Silva
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Integrando o universo da série Duna, O Jihad Butleriano volta 10 mil anos no passado do primeiro livro
de Frank Herbert para contar a origem de importantes elementos do universo
ficcional de Duna. Um livro épico, envolvente e de uma riqueza de criatividade,
de mundos e de temas de discussão que faz desta obra uma referência importante
para a literatura de ficção científica tal como foi com os originais de Frank.
Sinopse
Em um futuro longínquo, os
seres humanos construíram um império intergaláctico que, no entanto, cai em
parte sob o controle das máquinas pensantes. Subjugados, restam poucos planetas
de humanos livres e resistentes aos desejos de expansão da supermente
eletrônica, Omnius. Neste universo,
as máquinas, ao lado de robôs controlados por mentes humanas que servem a Omnius, estão empenhados a conquistar os
planetas restantes, estendendo o domínio e a supremacia da supermente à toda
humanidade. Uma guerra de proporções épicas entre os últimos humanos livres e
as opressoras máquinas é eminente e poderá decidir o curso da história da
humanidade e das máquinas.
Resenha
Esse ano está sendo para mim
o momento de iniciar séries que já conhecia há séculos, mas que nunca tive
tempo de ler. Primeiro foi com O Jardim dos Esquecidos, primeiro livro da Saga dos Foxworth, da estadunidense
Virgínia C. Andrews, e agora é a vez do universo ficcional de Duna, idealizado
por Frank Herbert e que foi continuado por seu filho Brian Herbert em parceria
com Kevin J. Anderson.
A saga Duna foi iniciada pelo
estadunidense Frank Herbert ainda em 1965 com a publicação do livro homônimo e
que veio a se tornar o livro de ficção científica mais vendido de todos os
tempos, “uma das mais renomadas obras de
ficção e fantasia já lançadas, e um dos pilares da ficção científica moderna”[1].
Os Vermes gigantes do planeta Arrakis (Duna) Foto: https://mavearworx.weebly.com/blog/category/music-inspired-by-dune |
Até sua morte, ocorrida em
1986, Frank escreveria o total de seis livros para a série. O universo ficcional
de Duna gira entorno de um império
intergaláctico dominado por casas nobres em disputa política e do planeta
desértico Arrakis (Duna), dominado por vermes gigantes e única fonte da
preciosa especiaria Melange, que era capaz de prolongar a vida de seus
usuários.
Após a morte de seu pai e
seguindo o desejo desse, Brian Herbert, em parceria com Kevin J. Anderson,
decide dar continuidade a série interrompida em seu sexto volume através da
publicação de Os Caçadores de Duna
(Hunters of Dune) e Vermes da Areia de
Duna (Sandworms of Dune) e também ampliar o universo ficcional de seu pai
contando fatos ocorridos anteriores a trama do livro Duna. Assim nascem as
trilogias As Lendas de Duna e Os Prelúdios de Duna.
O Jihad Butleriano
faz parte desta ampliação do universo de Duna e como primeiro volume da
trilogia As Lendas de Duna narra
fatos ocorridos 10 mil anos antes daqueles contados em Duna, em um período no
qual a humanidade vivia a ameaça do avanço do império das máquinas pensantes.
Um enredo épico
No islamismo o termo Jihad (جهاد) é um conceito religioso que, a depender
do contexto, pode significar “empenho”, “esforço” ou “luta” e ser interpretada
como “uma luta, mediante vontade pessoal,
de se buscar e conquistar a fé perfeita”[2]. Ou seja, a Jihad pode ser
interpretada como “a luta interna de um
indivíduo contra instintos básicos, o esforço para construir uma boa sociedade
muçulmana”[3].
No entanto, também pode ser entendida como “uma
guerra pela fé contra os infiéis”[4], quer dizer, Guerra Santa,
conceito que é radicalizado e levado ao pé da letra por alguns grupos, chamados
no ocidente de jihadistas. Para mais detalhes sugerimos a leitura do texto da How Stuff Works.
Em O Jihad Butleriano,
o termo Jihad também é usado no sentido de guerra, porém contra as sofisticadas
máquinas com inteligência artificial, enquanto que Butleriano se refere a família do Vice-rei da liga dos Nobres, os Butler.
Depois de milênios de dominação humana que já havia se espalhado
por inúmeros planetas da galáxia, o Império Antigo humano é subjugado por um
grupo rebelde autointitulado de Titãs, que se utiliza da tecnologia de
informática e robótica existente para desenvolver uma inteligência artificial.
Com esta nova tecnologia o grupo atinge seu objetivo de dar um golpe de Estado
e subjugar a população através de um governo de terror e massacre. Alguns dos
poucos planetas que se mentem livres do domínio tirânico dos titãs (Planetas
Alinhados) se agrupam e formam uma confederação chamada Liga dos Nobres, os
demais planetas humanos fora da liga são chamados de não-alinhados.
Por sua vez, para prolongar seu governo através dos milênios, os
titãs se submetem a operações cerebrais para se tornarem os chamados, cimeks, “máquinas com mentes humana”, ou seja, “cérebros imateriais armazenados em corpos mecânicos”[5]. Contudo, com o passar dos
séculos um dos titãs delega tantas funções a mente artificial criada que Omnius, nome da inteligência artificial
autoconsciente, toma o controle do império titã. Uma vez no controle, Omnius impõe um governo das máquinas,
submetendo bilhões de pessoas à escravidão e muitos outros são condenados à
morte. Apenas os titãs são poupados devido a uma configuração que impedia Omnius de eliminar seus criadores. Por
conta disso, os antigos ditadores são incorporados ao exército robótico como
generais da mente artificial, enquanto os planetas dominados por Omnius passam a ser chamados de Planetas
Sincronizados.
Durante um milênio de governo das máquinas, os humanos cativos
dos Planetas Sincronizados se mantêm submissos mesmo diante da insensibilidade
e descaso das máquinas pela vida humana, enquanto que nos planetas Alinhados e
Não-Alinhados seus habitantes buscam defender-se das investidas de Omnius e Cimeks.
Neste caos, humanos como Xavier Harkonnen, Serena Butler e
Vorian Atreides, cimeks como
Agamenon, Barba Azul, Juno e Ajax e máquinas como Erasmo, assim como muitos
outros personagens, emergem como importantes protagonistas na luta entre
homens, cimeks e máquinas.
Características
gerais e apreciação crítica
Brian Herbert, filho de Frank Herbert e um dos autores de O Jihad Butleriano. |
Em seus inacreditáveis 126
capítulos, felizmente bem curtos, os dois autores alternam sua narrativa entre
vários mundos e personagens. Nesse passeio a narrativa se divide entre Salusa
Secundus, sede do governo da Liga dos Nobres, passa pelos domínios de Omnius em planetas como a Terra, e
também por alguns planetas não-alinhados, com destaque especial para Arrakis,
que em um futuro distante seria chamado de Duna. Através desse jogo de alternar
cenários vamos conhecendo as várias realidades de planetas muito distintos uns
dos outros, e diferentes temas são tratados como tráfico de órgãos, escravidão,
drogas, inteligência artificial, ciência e tecnologia de viagem
interplanetária.
O livro começa com uma breve
narração da história de como a mente eletrônica toma o poder após uma era de
domínio titã. Em seguida passamos à batalha empreendida pelos humanos livres para
defender Salusa Secundus contra a tentativa de invasão orquestrada por Omnius e
liderada pelo seu general cimek
Agamenon. Essa parte da batalha é um tanto confusa por consequência da
tradução, mas pouco a pouco vamos nos adaptando a narrativa e ela toma um ritmo
menos agitado.
No todo, a narrativa de O Jihad Butleriano é muito tranquila e envolvente. Vai crescendo
gradativamente, à medida que inclui novos personagens e situações à história.
Como mudamos rapidamente de capítulo somos deixados em suspense sobre quais
rumos cada história, de cada personagem tomará. Uma história cheia de
reviravoltas, complexa, mas muito bem construída, costurada, fazendo com que
cada coisa, de cada povo, tenha sua própria lógica, mas se harmonize com o
todo. Cada personagem possui sua personalidade e são igualmente destacados, não
permitindo com que sejam evidentes seus destinos, nem sejam deixadas pontas
soltas em cada história.
Kevin J. Anderson, co-autor da obra. Escreveu também algumas continuações da série Star Wars |
Algumas coisas são bem
curiosas nesse livro. A principal delas são as citações que iniciam cada
capítulo. Reflexões de livros e registros fictícios escritos ou pronunciados
pelos próprios personagens, mas que de alguma forma refletem o conteúdo do
capítulo. Algumas dessas passagens são bem profundas e postarei no nosso Twitter, Pinterest e Tumblr.
Outra curiosidade são as
referências religiosas. No universo criado pelos autores alguns grupos
professam uma religião que é a fusão do islamismo com preceitos budistas, os budislâmicos. Mais curiosos ainda é que
este grupo se subdividem zensunni e zenshiítas, uma clara referência aos grupos
sunitas e xiitas.
Pacifistas os budislâmicos
tinham fugido das máquinas para os Planetas Não-Alinhados sem contribuir na
luta desesperada da humanidade contra o avanço de Omnius. Diante do que
chamaram de traição, os sobreviventes da Liga dos Nobres sentiram-se no direito
a submeter milhões de budislâmicos ao regime de escravidão.
Em O Jihad Butleriano temos na escravidão um dos temas mais polêmicos
que se encontra em igual grau de aprofundamento com o qual é abordado o tema da
inteligência artificial que se volta contra a humanidade. A verdade é que
brutalidade e opressão permeia todos os contextos dessa história fabulosa. Escravocratas, as relações humanas não eram
tão menos cruéis e criminosas do que o genocídio empreendido pelas máquinas.
As máquinas, e sobretudo o
robô independente Erasmo têm total desprezo e indiferença a vida humana que
consideram como recursos que muitas vezes é descartada por motivo torpe[6].
Muitos humanos eram utilizados por Erasmo como ratos de laboratório para
experiências científicas brutais, uma verdadeira carnificina para saciar a sede
inesgotável de conhecimento da mente eletrônica. Por sua vez, os humanos livres
também demonstravam total desprezo pela vida dos budislâmicos.
Uma outra discussão interessante está nos propósitos a
que se serve a ciência. O Jihad Butleriano nos faz questionar se, mesmo como produtora de sofisticação técnica que servirá a libertação da
humanidade, a ciência deve ou não fechar os olhos para as questões sociais. Faz também com que nos questionemos sobre qual é o
verdadeiro papel do cientista e até onde somos éticos quando estamos diante de
alguma questão que consideramos uma alta prioridade.
Frank Herbert, idealizador e primeiro escritor da série Duna. |
Depois que lemos é impossível não lembrar de Matrix, onde as máquinas com inteligência artificial se voltam
contra os humanos e escravizam a espécie, enquanto os poucos sobreviventes
montam núcleos de resistência às máquinas altamente especializadas na
exterminação dos rebeldes. Além disso, assim como O Jihad Butleriano, Matrix
também traz, em sua trama, profundas reflexões filosóficas em relação a
humanidade e sua relação com a tecnologia.
Mas as principais diferenças
entre as duas obras são que, primeiro, o universo ficcional de O Jihad Butleriano é bem mais amplo,
rico e diversificado; segundo, não se limita a Terra; e terceiro, não existe
uma realidade alternativa artificial para escravizar os humanos, e sim uma
escravidão real, literal e consciente, o que só aumenta o grau de brutalidade
das máquinas. De toda a forma, são duas
obras fabulosas, inteligentes, originais e criativas cujas semelhanças são
enriquecidas pelas diferenças contundentes.
Enfim, o que digo é que lamento o livro tão rico e capaz
de suscitar sentimentos dos mais diversos não ter sido publicado no país, mas
agradeço aos fãs da série que empreenderam o esforço gigantesco de traduzi-lo.
Sobre
a edição
A edição lida é uma tradução
em formato digital realizada pelos próprios fãs da série. Nos primeiros
capítulos a tradução soa confusa, sobretudo pela narração da batalha contra as
máquinas pensantes e cimeks em Salusa
Secundus, mas logo ela se torna mais clara e quase sem erros, apesar de algumas
incoerências de regência e concordância facilmente absorvidas pela leitura.
Interessante que os fãs
tiveram inclusive a sensibilidade de incluir um glossário que ignoro se é parte
do original em inglês, mas que ajuda muito no entendimento da narrativa e foi
essencial para esta postagem.
Ao que tudo indica o livro
nunca foi publicado no Brasil e algumas das capas parecem também ser produção
dos fãs.
[1]
https://pt.wikipedia.org/wiki/Duna_(livro)
[2]https://pt.wikipedia.org/wiki/Jihad
[3]http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/12/141211_jihadismo_entenda_cc
[4]Idem.
[5]Nota
do glossário da edição lida.
[6]Que
revela caráter vil; ignóbil, indecoroso, infame.
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