Por Eric Silva
“Ao
fitar o céu alaranjado na iminência do anoitecer, senti uma ligeira vontade de
chorar.
Isso porque ocorre-me que o amor é um
sentimento ilimitado e inesgotável que podemos doar à vontade, como a água
canalizada distribuída pela rede de abastecimento do Japão. ”
(Tsugumi – Banana Yoshimoto).
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resenha, basta clicar no play.
Nostálgico, intimista e poético Tsugumi (つぐみ), livro da
japonesa Banana Yoshimoto (よしもと ばなな) fala de umas férias de verão e de dias singelos. Uma
obra sobre uma amizade que supera as adversidades de um humor despótico e da
saudade que a distância do lugar ao qual pertencemos pode imputar em nossa
alma.
Confira a resenha do nono livro da III Campanha Anual de
Literatura que em 2018 homenageia a literatura japonesa.
Sinopse
Deixar a terra natal não
está sendo algo fácil para Maria Shirakawa que constantemente relembra o cheiro
de maresia da raia onde crescera. Recém-instalada em Tóquio para onde se mudou
com a mãe, ela rememora as lembranças da vida na pequena cidade litorânea e das
primas Yoko e Tsugumi.
Apesar da bela Tsugumi sofrer
de uma doença crônica séria, isso não impede que ela tenha uma personalidade
forte, despótica e cruel, exigindo de todos a paciência digna de um santo. Mas
por mais difícil que seja conviver com Tsugumi ela e a prima se compreendem e
se gostam e, por isso, Maria aceita o convite de Tsugumi para voltar à cidade
nas férias de verão, última estada juntas.
Publicado originalmente em
1988, Tsugumi é um livro sobre
nostalgia e sobre a percepção que as pessoas possuem acerca da eminência da
possibilidade do fim que não se concretiza, da possibilidade da morte e da
separação. O livro rendeu à autora o prêmio Yamamoto Shūgorō e foi adaptada
para o cinema por Jun Ichikawa, em 1990. No Brasil, só foi lançado em 2015, com
tradução direta do japonês, pela Editora Estação Liberdade.
Resenha
Enredo
Narrado em primeira pessoa, Tsugumi (つぐみ) conta a história das últimas férias de verão de Maria
na pousada de seus tios, ao lado das primas Yoko e Tsugumi. Uma narrativa bem
cotidiana com duas protagonistas centrais: a que dá título ao livro e sua
narradora.
Maria nasceu em uma pequena
cidade pesqueira, na costa oeste de Izu, interior do Japão, onde viveu grande
parte da sua vida sempre ligada ao mar e às primas. Durante muitos anos ela
viveu com a mãe na edícula da pousada Yamamoto, propriedade de seus tios.
Seu pai durante muito tempo
tentou se separar da primeira esposa sem obter sucesso e, por isso, levou anos
até conseguir regularizar sua vida com a mãe de Maria e trazê-las para Tóquio
para viverem com ele. Enquanto isso, a mãe de Maria ajudava na cozinha da
pousada e suportava a situação em silêncio, mas por conta disso e por viver de
favor na edícula, sempre se sentiu um parasita, sentimento que ocultava com bom
humor e resignação.
Maria, por sua vez, era uma
menina feliz e tinha uma vida alegre junto das primas que viviam na pousada.
Apesar de se entristecer com a situação dos pais, ela gostava da cidade onde
vivia, se sentia ligada ao mar e às suas amizades, mas sobretudo a Tsugumi, a
prima mais nova.
Tsugumi desde a infância foi
uma criança doente, de saúde muito delicada e possuía uma rotina de febres e
internações que preocupavam a pequena família, no entanto, seu temperamento era
dos mais difíceis. “Ríspida, boca suja,
egoísta, mimada e ardilosa”, Tsugumi não hesitava em dizer o que pensava,
ofender e ser desagradável, mas contraditoriamente todos buscavam ter paciência
com ela e agiam de forma resignada. Apenas Maria costumava rebater as
crueldades da prima e procurava ser dura com ela quando Tsugumi passava dos
limites, mas também a compreendia e admirava, e a amizade entre as duas era
mutuamente sincera. É narrando sua história simultaneamente a de Tsugumi, que
Maria vai nos apresentando a peculiar figura da prima, seu gênio difícil e as
pequenas aventuras irresponsáveis que muito prejudicavam a sua saúde.
Apesar da alegria de
finalmente se mudar para Tóquio com a mãe para viverem com o pai, a saudade do
mar permanece no coração de Maria. Ela ganha a oportunidade de reviver aqueles
dias quando sua prima a convida para passar as férias de verão na pequena
cidade litorânea. A pousada seria vendida e a família de Tsugumi se mudaria
para outra cidade onde abririam um novo negócio, por isso aquela seria então a
despedida de ambas, a última oportunidade de viverem juntas a praia da
infância.
Sobre nostalgia: tema e
apreciação crítica
Fotografia da edição produzida por Eric Silva em dezembro de 2018. |
Monotonia e contemplação são as principais marcas dos livros
japoneses que já li esse ano, e isso não foi um problema para mim. Percebi isso
logo com Beleza e Tristeza de Yasurai
Kawabata, mas depois livros como A
Fórmula Preferida do Professor, de Yoko Ogawa e Histórias da Outra Margem, de Nagai Kafu reforçaram essa impressão.
O mesmo se deu com Botchan, de
Natsume Soseki, e agora com Tsugumi,
de Banana Yoshimoto. Todos são livros sobre o cotidiano em épocas distintas,
mas voltados para falar da realidade cotidiana japonesa, hábitos e pequenos problemas.
O que fez com que uma leitura fosse agradável e outra não foi exclusivamente o
talento de escrita de seu respectivo autor.
Tsugumi
tem uma leitura rápida, poética e com um drama sem tons de fato dramáticos – Tsugumi consegue espantar com seu
humor excêntrico qualquer nuvem pesada que possa cair sobre a trama –, mas como
não consegui me identificar com os personagens a leitura desse livro não
conseguiu me causar nenhum arrebatamento ou vontade de tornar a lê-lo.
Banana Yoshimoto escreve bem e tem
uma escrita por vezes profunda, lírica e bonita. A passagem que citei logo no
começo dessa resenha é uma das mais belas e metafóricas e me inspirou bastante,
contudo é a rotina de Maria, a narrativa repleta de repetitivos passeios, noites
estreladas, dias de febre alta de Tsugumi e pores do sol que me causou
monotonia.
Por ser é uma ficção realista pintado com tons de
nostalgia, a realidade é
que Tsugumi é verossímil demais, sem
que seus personagens pareçam de fato reais. Todos que cercam Tsugumi são para mim
calmos, pacientes e resignados demais com as travessuras da menina. Já aprendi que essa natureza serena e
resignada dos japoneses é pura estereotipia. Eles são pessoas de carne e
osso, e mais parecidos conosco do que se julga. Diferenças culturais são óbvias,
mas há muito de ocidental no Japão moderno e, por isso, me custa acreditar que
apenas porque Tsugumi era doente todos seriam assim tão pacientes e resignados
diante de suas brincadeiras cruéis, de sua falta de noção e de educação.
Não digo que Tsugumi seja um livro ruim. Ele possui uma qualidade literária muito
grande e o que mais gostei foi do seu tom poético, mas foram os personagens que
não me cativaram.
Tsugumi é um livro
que dá pleno destaque as suas personagens femininas e cujo protagonismo é
dividido entre mais de uma personagem. Tsugumi, Maria e Yoko cumprem o papel de
uma tríade de protagonistas, no qual, no entanto, Maria e Tsugumi possuem o
maior destaque dentro da narrativa.
Das três Tsugumi tem a personalidade
mais forte. Ela é descrita com uma beleza estonteante que contrasta com a
debilidade de sua saúde, porém, para se sobrepor a fragilidade de seu corpo,
ela age de forma espontânea, impulsiva e até agressiva como se a todo momento
exigisse de si mesma a energia para viver e isso se manifestasse na forma de
traquinagens e atos impulsivos e irresponsáveis. Yoshimoto desenha uma
personagem forte e determinada apesar de grosseira, altiva e mal-educada.
Maria e Yoko, por sua vez,
possuem temperamentos mais brandos do que a de Tsugumi. Maria é ativa e forte,
poética e determinada, mas também é bem mais responsável e sensata do que a
prima. Yoko, por ser a mais velha, é madura e responsável, mas também frágil e
chorosa. Na tríade ela é a mais apática e passiva, mas se revela uma boa amiga
e uma irmã paciente e preocupada.
Esses três personagens foram
muito bem construídos por Yoshimoto, mas os demais (os pais de Maria, a mãe de
Yoko e Tsugumi, e, por fim, Kyoichi, o rapaz que se encontra na cidade durante
o verão) não são muito convincentes. Mesmo Yoko não me convenceu o bastante.
Digo isso por culpa de Tsugumi. Os atos da garota são revoltantes e de uma
falta de educação e consideração que ultrapassam os limites do bom senso, mas
todos a sua volta se mantêm resignados e aceitam-na como se fosse essa a única
possibilidade. Foi essa resignação
inverossímil que os fazem aceitar Tsugumi como ela é com pouca ou até sem
nenhuma reclamação que os tornou, para mim, distantes da realidade.
Excetuando Maria, parece que o pai de Tsugumi é a única exceção, o único a se
revoltar – mesmo que silenciosamente –, mas ele é inativo na narrativa e quase
não é mencionado.
Sou sincero em dizer que não gostei e nem me senti ligado
aos personagens de Yoshimoto e, por consequência, também não me senti ligado ao
livro.
Sinto que o propósito da escritora com seu livro é falar
de nostalgia e recordações, mas também da possibilidade da morte e como cada um
de nós reagimos a ela.
A primeira dessas percepções
está ligada ao tom da obra e se confirma no epílogo do livro escrito pela
autora. Tsugumi possui um tom
nostálgico de uma recordação de um tempo perdido e impossível de ser
recuperado. É como o resultado de alguém que mudou de vida deixando para trás a
anterior, mas que por um curto período de tempo a resgata e se agarra a esta
lembrança.
Maria viveu toda a sua vida
naquela cidadezinha pesqueira e se sente ligada ao mar e as pessoas que ali
vivem, por isso, ao se mudar para Tóquio ela se sente um tanto deslocada e a
falta daquele lugar a acompanha. As férias de verão é uma oportunidade de
reencontrar o passado recente, bem como de se despedir dele para aceitar um
futuro em diferente que será construído em outro lugar.
Porém, é quando se lê o
epílogo do livro que o leitor percebe que o significado dessa nostalgia é bem
mais profundo. Yoshimoto inspira-se em sua própria experiência pessoal para
escrever e compõe o livro com o objetivo de “registrar o estado de ócio” dos verões que ela costuma passar com a
sua própria família numa localidade da costa de Izu e que serve de inspiração a
sua trama. Ela resolve escrever uma trama que lembrasse aos seus os momentos em
que viveram juntos, e que lhes fosse possível recordar a maresia, os passeios
na praia, os banhos de mar.
Mas a outra temática é a
possibilidade da morte. Tsugumi tem uma saúde frágil e debilitada, por conta
disso o tema da morte lhe é rotineiro e uma sombra que paira sobre sua vida. A
todo momento temos a perspectiva de que ela não sobreviverá. Porém, Tsugumi tem
um posicionamento em relação a vida surpreendente: ela não se abate, não se faz
de vítima, usa até o último fôlego de suas energias, não se sente deprimida e
nem parece ter medo do fim, ela o aceita, mas, ao mesmo tempo, luta para viver
de forma intensa cada um dos momentos mais banais ou sublimes de sua vida. Ela os vive ao seu modo e gosto, mas os
vive sem arrependimentos. Trata-se de uma posição muito positiva em relação a
vida e um desejo intenso de vivê-la. Esse aspecto é tão notável dentro da
trama que me custa entender porque não me senti ligado a personagem.
Em conclusão: narração
e escrita
Fotografia da edição produzida por Eric Silva em dezembro de 2018. |
Apaixonada pelo mar Maria
conduz uma narração bastante sensorial na qual os sentidos do olfato, do tato e
da visão são constantemente invocados. Yoshimoto escreve cenas cheias de
elementos naturais e poéticos e faz com que sensações como o cheiro da maresia
sobretudo se torne um elemento desencadeador de lembranças e marcante na vida
dos personagens. Do outro lado, ela também escreve a monotonia e tardes mornas
cheias de poesia e lirismo, e este que é um livro intimista e sem grandes
ápices se torne também muito poético, como nessa passagem à onde ele fala de
noites estranhas e de sonhos:
"Às vezes a noite usa dessas pequenas artimanhas. O ar atravessa
lentamente escuridão e, num local bem longínquo, encontra alguém com o mesmo
estado de espírito formando uma estrela cadente que cai em suas mãos fazendo-o
despertar. As duas pessoas sonham o mesmo sonho. Isso tudo ocorre durante a
noite é uma sensação única. Na manhã seguinte, o que ocorreu se torna ambíguo e
se confunde com a luz. Esse tipo de noite é longa. É eterna e brilhante como
uma pedra preciosa."
Por fim, acrescento que o texto é fluido e a leitura muito
rápida, sobretudo por conta dos capítulos pequenos (em geral 15 páginas) e por conta
de uma escrita bem estruturada e com uma tradução impecável e numa linguagem
acessível. Elogio ainda a edição que está belíssima e com notas de rodapé que
economizam a pesquisa de termos japoneses que aparecem na trama com relativa
frequência.
O desfecho
surpreende porque nos dá uma possibilidade de esperança, mas não é um grande
final. Yoshimoto prefere seguir o mesmo ritmo de toda a trama e fechar seu
livro sem nenhuma grande reviravolta, mas com a expectativa de mudanças que
estão por vir na vida de seus personagens.
A edição lida é da Editora
Estação Liberdade, do ano de 2015 e possui 184 páginas.
Sobre
o autor
Nascida em 24 de julho de 1964, em Tóquio, Banana Yoshimoto (よしもと ばなな) é o
pseudônimo de Mahoko Yoshimoto.
Filha do filósofo, poeta e crítico literário Takaaki Yoshimoto,
Banana é uma escritora contemporânea japonesa. Formou-se pela faculdade de
Artes da Universidade Nihon, especializando-se em Literatura. Durante essa
época, tomou para si o pseudônimo "Banana", por causa de seu amor por
flores de bananeira.
Seu romance de estreia, Kitchen,
foi um sucesso instantâneo no Japão e foi adaptado duas vezes para o cinema. Em
novembro de 1987, recebeu o sexto Prêmio Kaien de Novos Escritores e o Prêmio
Umitsubame de Primeiro Romance, bem como o décimo sexto Prêmio Literário Izumi
Kyoka, em janeiro de 1988.
Alguns críticos dizem que muito de seu trabalho é superficial e
comercial, mas seus fãs pensam que Banana Yoshimoto consegue capturar
perfeitamente o que significa ser jovem e frustrado no Japão moderno. Os dois
principais temas de sua obra, segundo a própria autora, são "a exaustão da juventude no Japão
contemporâneo" e "a maneira
como experiências terríveis modificam a vida de uma pessoa".
Preview do Issuu
Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível
no Issuu.
Booktrailer
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