terça-feira, 12 de dezembro de 2017

A Hora dos Ruminantes – José J. Veiga – Resenha

Por Eric Silva
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Décimo primeiro livro da Campanha Anual de Literatura do Conhecer Tudo, A Hora dos Ruminantes é um livro bastante curioso que mistura o banal, o estranho e o extraordinário. Publicado pelo goiano José J. Veiga em 1966, esse livro é interpretado por muitos estudiosos como uma alegoria sobre os tempos de autoritarismo da Ditadura Militar. Tal interpretação se deve ao seu enredo que aborda entre outros temas o mandonismo e a opressão imposta por um grupo sobre o outro. Trata-se de um livro primoroso não só pelo gênero pelo qual é confundido, o fantástico, mas pela carga simbólica e metafórica que seu enredo assume, sem deixar de ser realista apesar de seu universo narrativo que flerta com o maravilhoso e o absurdo.

Confira a resenha do 11º livro da campanha que neste ano homenageia a literatura do Brasil.

Sinopse

Segundo livro publicado pelo autor goiano José J. Veiga e considerado sua obra mais importante, A Hora dos Ruminantes é um romance curto que narra a história da pequena cidade de Manarairema e seus habitantes. O enredo se passa durante o tempo em que a rotina daquelas pessoas é mudada pela chegada de um misterioso grupo de pessoas de procedência e intenção desconhecida, e que se instalam as margens de um rio próximo.

A presença daquelas pessoas, seus modos esquivos e autoritários, pouco a pouco, no lugar da curiosidade que havia despertado de início, impõem uma atmosfera de opressão, sobretudo, quando a cidadezinha é invadida por centenas de cachorros e posteriormente de bois que acabam por privar a população de sua liberdade de ir e vir.

Enredo

Meu primeiro contato com a obra do escritor goiano José J. Veiga, A Hora dos Ruminantes é um romance de pequena extensão (152 páginas), narrado em terceira pessoa.

Nesse livro Veiga conta a história da chegada de um misterioso grupo de forasteiros a pequena povoação de Manarairema, e de como a presença do grupo afeta profundamente a vida dos cidadãos da pacata cidade do interior.

Típica cidade do interior de Goiás. Na Foto: Cidade de Vila Boa.
Manarairema é uma cidadezinha fictícia inspirada provavelmente nas pequenas povoações urbanas do interior de Goiás. Como toda pequena cidade do interior do Brasil, ali o tempo parece passar devagar e muito pouca coisa acontece. Como nessas cidades, além do trabalho diário fosse ele na marcenaria, na venda, nos campos ou na forja, a principal distração dos moradores era a prosa com os amigos no início da noite ou no fim da tarde, quando se contava os causos e se queixava da carestia e da falta de toucinho no mercado local. Além disso, todos os moradores se conheciam e quando alguma novidade acontecia logo toda Manarairema ficava sabendo e se mobilizava para apurar e comentar os últimos acontecimentos.

Contudo, a paz e quietude da cidadezinha acaba quando um certo dia, já no final da tarde, um grupo de cargueiros perfilaram no horizonte indo em direção a margem oposta do rio. A princípio, a novidade é vista com pouco interesse por aqueles que presenciaram a sua passagem. Entretanto, ao amanhecer, a população é surpreendida por um enorme acampamento instalado às margens do rio. Sem muita demora o surgimento inesperado dos acampados se torna o assunto principal na cidade. Todos queriam saber quem eram, de onde viam e se pretendiam se instalarem no local. Contudo os forasteiros davam poucas possibilidades para saciar a curiosidade local e, esquivos, não faziam questão de estabelecer uma aproximação, uma relação amistosa ou de vizinhança com a gente de Manarairema, a menos que isso atendesse a algum de seus interesses.

Instalados às margens do rio, os forasteiros – só depois denominados pelos manarairemas como “os homens da tapera” – tinham um comportamento fechado e hostil, mas tudo indicava que eles pretendiam se estabelecer na região, sobretudo quando começaram a fazer mudanças naquelas terras e a edificar “grandes obras” que demandavam tanta areia que para a gente da cidade de Manarairema já estava claro a intenção de ficar.

Mas são os primeiros contatos entre manarairemas e forasteiros que denotariam o quanto a presença dos homens da tapera impactaria a vida da gente daquela cidade. Sempre carregados de tensão e certa hostilidade, os contatos entre os moradores de ambos os lados do rio, na maioria das vezes, acabavam amedrontando e tornando submissos e coagidos os nativos do lugar.

O primeiro a entrar em contato com alguns daqueles homens foi o padre Prudente, ainda na estrada, enquanto voltava de uma viagem eucarística, contudo, até mesmo seu cumprimento aos homens foi ignorado.

Em seguida foi a vez de Germiniano, o proprietário da carroça de aluguel e que em Manarairema era o responsável por transportar quase tudo que os moradores necessitassem.

[PARÁGRAFO COM SPOILER] Enquanto levava uma carga de estrume, o caboclo foi interpelado por um dos homens do acampamento que, com petulância e ar de autoridade, queria a todo custo comprar a sua carroça. Destemido, Germiniano recusa a oferta insistente e vai-se embora, no entanto pouco tempo depois o carroceiro passa a trabalhar para os forasteiros e, por algum motivo, toda a sua coragem de se impor à petulância daquelas pessoas se transforma em uma submissão taciturna e doentia, como se medo e coerção o prendesse ao trabalho que nunca findava.

[PARÁGRAFO COM SPOILER] O mesmo se sucede com outros personagens, que, mesmo valentes e destemidos, são tomados por um temor que emanava da ameaça invisível daquelas pessoas da tapera. O comportamento autoritário e mandatário daqueles homens logo sujeitaram homens como o briguento Amâncio Mendes, o dono da venda da cidade, e, pouco a pouco, os homens da tapera vão estendendo aos moradores da pequena cidade a sua influência carregada de um mandonismo coercivo e velado, quase sempre levado por recados entregues por aqueles que já se encontravam sob o jugo dessa autoridade sem propósito.

Contudo a influência nefasta dos homens da tapera só vai tomar, de fato, uma forma mais palpável quando, sem explicação, a cidade é invadida duas vezes. Na primeira ocasião por uma horda imensa de cachorros que viram de cabeça pra baixo a vida dos moradores da povoação, e, na segunda, por uma infinidade de bois que ocupando cada canto da cidade lhes tiram todo o direito de ir e vir.

Resenha

Repressão e ditadura: dos militares aos homens da tapera?

A Hora dos Ruminantes foi um livro que me deixou bastante curioso, não só por seu enredo que mistura o banal, o estranho e o fantástico, mas por todo o mistério que rondava entorno dos homens da tapera.

A narrativa de A Hora dos Ruminantes gira entrono de três grandes capítulos: A Chegada, O dia dos Cachorros e O dia dos Bois. No primeiro deles somos apresentados à cidade de Manarairema e alguns de seus habitantes. É nesse capítulo que Veiga narra a chegada dos cargueiros que traziam os misteriosos homens que se instalariam do outro lado do rio.

Ali o autor narra o alvoroço que a novidade provoca na população da pequena comunidade, o estranhamento em relação ao comportamento esquivo daqueles homens e suas maneiras tão atípicas. Mas é nos dois capítulos recorrentes que o “fantástico” da narrativa dá as caras, quando hordas de cães e depois de bois invadem a cidade impondo uma mudança de ritmo a sua população, invadindo seus espaços, destruindo plantações e hortas, oprimindo os moradores e impossibilitando sua liberdade de ir e vir.

Os pontos fracos do livro são também seus pontos mais fortes. O quase total desconhecimento sobre quem eram aquelas pessoas, de onde vinham, qual o objetivo delas ali, por quanto tempo ficariam, bem como o mistério de como tantos cachorros e bois invadiram a pequena cidade. Se viam dos estranhos como podiam ser tantos? Com qual propósito eles eram mandados para invadir a cidade? Que força os comandavam? Por isso, o que mais gostei na narrativa é como todas as coisas vão se dando e caminhando para uma cadeia de ações e acontecimentos surpreendentes. O melhor de A Hora dos Ruminantes é a própria narrativa que achei magnética.

Tudo nesse livro surpreende o leitor atento: a forma como aquelas pessoas causaram estranhamento, curiosidade e desconforto nas pessoas da pequena cidade; o choque cultural que ali se dá e a forma como gradativamente os homens da tapera vão indo além, também coagindo-as, nem sempre de forma direta, nem sempre de forma explícita, mas impondo o medo através do próprio sentimento de terror que o ser humano costuma ter daquilo que é desconhecido ou mal explicado. O que desconhecemos não só nos causa estranhamento como também receio e pavor. É uma reação natural, um mecanismo de defesa. No fim, pressão, medo, curiosidade, ódio e desconfiança são os sentimentos que afloram entre os cidadãos da pequena cidade. Algo que de um jeito estranho que a princípio me faz lembrar do xenofobismo, teoria que descartei logo após ler um pouco mais sobre o livro.

Mas o desconforto não se limita a seus personagens e é também transposto para o leitor, que não só se contagia com a curiosidade dos manarairemas como fica atônito com a forma como, com tão pouco, aquelas pessoas são coagidas a fazer o que os forasteiros esperavam delas. Nenhuma ameaça é explícita, nada é concreto ou objetivo, mas ainda assim é para aquelas pessoas algo aterrador pois o medo, a aflição parte dos homens mais corajosos da cidade e ninguém entende o porquê daquele temor.

Apesar de José J. Veiga, enquanto em vida, ter discordado disto, muitos pensadores e estudiosos fazem ligações entre a obra do autor goiano e o momento histórico de repressão e domínio militar que foi contemporâneo da publicação de A Hora dos Ruminantes.

Quartel do 1º B.P.E. sede do DOI-CODI Rio de Janeiro,
 usado como centro de tortura durante a ditadura militar
Publicado em 1966, o livro de Veiga chegou aos brasileiros em um ano ainda de muita agitação política no Brasil, em decorrência da instauração do regime militar que teve início dois anos antes. Naquele ano foi decretado o Ato Institucional N° 3, que instituía as eleições indiretas para governador das unidades federais e a nomeação para prefeitos. Ainda foi o ano em que o general Artur da Costa e Silva foi alvo de um atentado com bomba no aeroporto de Guararapes, em Recife, Pernambuco, mas saiu ileso e, no mês de outubro, foi eleito presidente da República pelo Congresso[1].

Antes desses acontecimentos, entre 1964 e 1965, a política e administração pública brasileira passa por um processo de militarização que foi da declaração do golpe militar em Março de 1964, com a deposição do presidente João Goulart, a declaração do primeiro Ato Institucional e a cassação de quarenta mandatos no parlamento, até a implantação do AI-2, em Outubro de 1965, que não só dissolveu os partidos, como também tornou indireta a eleição presidencial e transferiu os processos políticos para a Justiça Militar[2]. Em suma, um período de muito autoritarismo no país e que se refletiu enormemente em toda a produção cultural da época e também das décadas seguintes.

No contexto desses fatos, o autoritarismo do período militar em muito se assemelha ao mandonismo coercitivo dos homens da tapera. Querendo sempre impor os seus desejos, selecionando as pessoas com quem estabeleceriam contato. A esses poucos com que se relacionam diretamente impõem a sua vontade; torturam-nas física ou psicologicamente; cativam-nas ou com elas negociam de um jeito torto que mais parece coerção e exercício de domínio do que parceria; coagem-nas a agir conforme seus desmandos, submetendo-as a uma autoridade baseada no medo – ainda que irracional –; e utilizam-nas como seus canais comunicativos para impor e difundir uma opressão e uma pressão psicológica. Tal pressão chega ao seu ápice quando se dá os episódios das invasões dos cães e dos bois, quando os moradores se tornam prisioneiros em suas próprias casas ou são obrigados a se submeter a adversidade dos acontecimentos, adaptando-se a elas, tornando-se passivos.

Em A Hora dos Ruminantes o autoritarismo é algo que se expressa na forma arrogante e pretensiosa com o qual os homens da tapera se dirigem aos manarairemas, é um perigo que ronda, mas que na maior parte do tempo se demonstra mais como uma ameaça vaporosa e simbólica do que, de fato, real e concreta. Ela se torna mais concreta em alguns fatos isolados como os casos dos personagens Mandovi e Pedrinho, no entanto, em outros, essa concretude nem sempre é direta, mas em sua maioria cheia de símbolos. As invasões seriam, para mim, a materialização mais contundente desse autoritarismo e do poder que os forasteiros exerciam sobre aquela gente. Um poder misterioso, inexplicável, inexpugnável e difícil de entender, assim como foram as próprias invasões.

Apesar de Veiga ter negado qualquer intensão de fazer uma alegoria a Ditadura militar e ter, inclusive, alegado que o livro foi escrito muito anteriormente ao golpe, muitos elementos da narrativa indicam justamente o oposto.

A especialista em Cultura e Literatura, Maira dos Santos Mussato[3], destaca muitos destes aspectos em sua análise do livro. Segundo a autora esses alguns desses aspectos seriam a tortura dispensada a um dos personagens, prática comum nos tempos de ditadura; a descrição de um uniforme dos homens da taipa que poderia ser considerado como uma metáfora das fardas militares; a estruturação de um acampamento bastante estruturado e alinhado como aqueles estabelecidos pelos exércitos em campanha; a atitude passiva dos moradores de Manarairema, que se assemelha a postura de uma grande parcela dos brasileiros naquele momento histórico.

Por fim, a autora ainda afirma que no livro se processa uma “zoomorfização[4] dos homens, violentos, invasores, tiranos, tão poderosos que a população prefere conformar-se e curvar-se perante seu poder do que confrontá-los, de tão comprometedora que é a imagem desses homens”. Ou seja, para acessa autora, os animais que invadem a cidade de Manarairema eram a personificação não só dos homens da tapera, mas igualmente dos militares que tomavam o poder no Brasil no momento em que o livro foi publicado. Por conta disso que Mussato afirma que o que ocorre no romance é que as “ações repressivas da ditadura foram simuladas pelos animais, que na verdade representavam os enigmáticos homens da tapera”.

Concordo em muitos aspectos com a autora supracitada, porque de verdade o romance de Veiga nos dá todos os elementos para crer que ali temos uma parábola sobre os tempos de ditadura militar no Brasil. Contudo, sendo ou não uma alegoria ou uma metáfora à Ditadura, é certo que os principais temas de A Hora dos Ruminantes giram entorno de conceitos como opressão, liberdade e autoritarismo, e estes conceitos se alinham com o estranhamento e as relações assimétricas de poder. O que se impõe entre aqueles dois grupos, tão adversos entre si, coloca-os em posições desiguais, em relações que beiram o verticalismo, termo do espanhol que faz alusão a organização vertical ou hierárquica de poder.

Desse modo, além de um desejo forte e determinado de escrever algo originalíssimo, acredito que o propósito de Veiga ao escrever A Hora do Ruminantes foi falar da natureza e da reação humana diante do desconhecido, da mudança, da opressão e do estranho.

Da escrita, linguagem e narração

O autor, José J. Veiga (1915-1999).
A linguagem que Veiga emprega em sua narração não é nem coloquial e nem erudita. É uma linguagem formal o suficiente para respeitar as convenções da língua, mas cheia de termos, linguajares, provérbios e expressões bem regionais como “no escuro toda corda é cobra, todo padre é frade”, “problema enterrado é problema plantado”.

Nessa linguagem que é formal sem o ser, mora a forma de falar dos manarairemas, uma forma de falar beirando o interiorano, provavelmente inspirado ou com fortes influências da forma cotidiana de falar dos goianos do interior, conterrâneos do escritor.

Por ser um livro muito curto, não houve espaço em A Hora do Ruminantes para um texto arrastado, porém, mesmo em seu formato enxuto, a narrativa é riquíssima em detalhes e análises dos personagens, de suas ações e da vida naquela cidade.

Mas toda a força descritiva do escritor transborda quando alcançamos os dois capítulos finais. Ali Veiga esmiúça os fatos, seus desdobramentos, suas extensões. Deixa claro a apreensão das pessoas, as estratégias para resistir aqueles acontecimentos inusitados que mexiam com os nervos de todos e colocavam a prova a capacidade de resistência daquelas pessoas. Essa capacidade de narrar, em riqueza detalhes, algo que, no final, foi sucinto, breve, impressiona.

Não há humor na obra de Veiga, mas um constante sentimento de ironia que parte do narrador, como bem destaca Mussato. Apesar de narrado em terceira pessoa, o narrador de A Hora dos Ruminantes se envolve bastante com a narrativa. Ele não é só irônico como também se compadece do que acontece com os personagens da narrativa, sente compaixão por elas conforme destaca a autora supracitada.

Duas coisas curiosas acerca do narrador criado por Veiga. A primeira é sua fala que se mistura ao pensamento dos habitantes de Manarairema. A segunda, a sua capacidade de visão dentro da narrativa que parece se limitar ao espaço conhecido por estes, de modo que, como ninguém tem conhecimento do que se passa no acampamento, o narrador também não o tem.

Tudo o que o narrador descreve parece ao mesmo tempo condizente com os sentimentos de seus personagens e filtrado pela óptica dos manarairemas: ele só descreve o que os moradores da pequena cidade presenciam, testemunham. No entanto, mesmo aí existe uma limitação, pois quando personagens como o carroceiro Germiniano e o vendeiro Amâncio Mendes se recusam a falar o que sabem, o que viram no acampamento, também a “clarividência” do narrador é restrita ao pouco que eles revelam para os demais moradores.

O resultado é, que, assim como ocorre com os moradores, nosso conhecimento sobre o acampamento é restrito, e sobre os homens da tapera se limita ao que foi testemunhado pelos moradores e depois por eles espalhado nas rodas de conversa.

Conclusão

Muitos críticos da obra de José J. Veiga tentam enquadrá-lo dentro do movimento da literatura fantástica[5], bem como dentro do Realismo Mágico[6], contudo para Mussato, Veiga A Hora dos Ruminantes não é uma obra que seguiria nenhum dos dois movimentos, nem que poderia ser encaixada numa única “classificação peremptória”. Tratar-se-ia, talvez, de um híbrido desatas correntes, mas com certeza “de uma narrativa com temas do absurdo”, no qual o sobrenatural “é apresentado com naturalidade, como se não desmentisse a razão”.

De todo a todo, A Hora dos Ruminantes encerra em si uma ideia de uma originalidade extrema. O autor pensa o impensável. Nessa obra absurdo e estranho se misturam e ao mesmo tempo não se desligam da realidade cotidiana, pois se comunica com o contexto histórico e social da época – ainda que não seja propriamente o contexto do golpe como o autor tenta justificar –, tecendo críticas nas entrelinhas. Ao mesmo tempo retrata as maneiras das pessoas do interior, pondo em relevo os valores, os costumes, pensamentos e comportamentos da gente humilde das pequenas cidades e dos inúmeros povoados do Brasil rural.

[PARÁGRAFO COM SPOILER DO FIM DA NARRATIVA] O desfecho da história é tão surpreendente quanto toda a narrativa. Fala de recomeço e de marcas que não se fecharam tão facilmente, fecha a narrativa e ao mesmo tempo deixa muitas questões sem resposta. Por fim, os papéis dos dois grupos que polarizam a história se invertem e são os homens da tapera que passam a temer os habitantes de Manarairema. Entretanto não seria propriamente um temor dos manarairemas, mas da capacidade de resistência e de resiliência[7] de um povo que sobreviveu a opressão e a todas as invasões sofridas. Pessoas que mesmo tendo sido em sua maioria passivas, resistiram à adversidade e que representaria um risco a parte se um dia pretendesse também resistir a opressão.

Mesmo aqui eu vejo muito da história brasileira durante a época da Ditadura Militar no país.

Um livro fantástico!!!

A edição lida é da Editora Companhia das Letras, do ano de 2015, e possui 152 páginas. Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível no Google Books.

Prévia do Google Books








[1]https://pt.wikipedia.org/wiki/1966_no_Brasil
[2] http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/03/especial_correio/50_anos_do_golpe_militar/163869-os-anos-que-abalaram-o-brasil-e-o-mundo.html
[3] MUSSATO, Maira dos S. Uma reflexão sobre as alegorias em ‘A Hora dos Ruminantes’. Revista Virtual de Letras, v. 07, nº 1, 2015. p. 178-198. Disponível em: http://www.revlet.com.br/artigos/260.pdf. Acesso em: 29 de novembro de 2017.

[4] “Zoomorfização (ou Animalização) é uma figura de linguagem que aproxima e descreve o comportamento humano como de um animal, o homem é tratado como um animal. Mais do que uma figura de linguagem, a Zoomorfização é uma concepção do Naturalismo. Assim, quando o homem é retratado como um animal, expressa-se a ideia da época, muito influenciada pelo Darwinismo, de que o homem não passa de um ser instintivo, consideravelmente irracional e que é condicionado pelo meio em que vive”. (Wkipédia).
[5] Segundo Maira dos Santos Mussato (2015) a narrativa fantástica se caracteriza por “um questionamento inevitável sobre a veracidade do acontecimento ocorrido, se o mundo em que se encontram as personagens é real ou ilusório” (p. 188). Além disso é um tipo de literatura marcada pela ambiguidade. Citando Todorov a autora afirma que, no fantástico, “o sobrenatural se dá pela inserção no mundo real de acontecimentos inexplicáveis e inadmissíveis” (p. 188). Afirma também que quando o acontecimento sobrenatural é aceito, sem hesitação, já não mais se trata do gênero fantástico, mas sim, do gênero maravilhoso. E se “uma explicação racional é dada para os acontecimentos sobrenaturais, a narrativa deixa de ser fantástica e se enquadra no estranho” (p. 188).
[6] Segundo Maira dos Santos Mussato (2015) “esse gênero, largamente difundido entre os romancistas latino-americanos, do século XX, caracteriza-se por ser mais crítico e interpretativo, construindo a narrativa sob uma visão mágica. [...] representa o que há de concreto e palpável, para mostrar o mistério que há no real. Essa nova manifestação está mais centrada no homem moderno e suas necessidades” (p. 189).
[7] Capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças. (Houaiss, 2001)

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