Por Eric Silva
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resenha nos comentários.
Sexto livro da campanha do #AnoDoBrasil, Deuses
Esquecidos dá continuidade a série Tempos de Sangue, de autoria do escritor
brasileiro, Eduardo Kasse. Uma história de vampiros que se passa em plena era
de domínio da igreja católica na Europa medieval. Independente do primeiro
livro da série Deuses Esquecidos
narra as aventuras de um camponês italiano que se torna vampiro e tem sua vida
virada do avesso. Dividido entre sua fé e a nova condição que lhe é imposta,
Alessio segue em sua jornada por entender quem ele é agora e qual o seu lugar
no plano divino. Deuses Esquecidos é
a continuação de uma série que esbanja crítica e erotismo, mesclando o
cotidiano, a violência e o fanatismo de uma era com o que há de melhor na
literatura clássica sobre vampiros, sem perder a originalidade, é claro.
Confira a resenha do sexto livro da campanha anual de
literatura e que nesse ano homenageia a literatura do Brasil.
Sinopse
Alessio é um camponês humilde
e até um pouco simplório, que do mundo só conhecia o que a fé e sua vida pacata
de lavrador permitiam. Desde muito novo começou a trabalhar nos parreirais da
abadia de Nicola, e com uma certa idade casou-se e teve um único filho, Lino.
Muito religioso, vivia de
forma simples, mas se julgava feliz pelas dádivas que Deus lhe concedia. Apesar
disso, tudo muda quando Alessio é vítima do ataque de um homem misterioso e se
transforma em um vampiro, uma raça cuja existência ele ignorava. Atormentado e acreditando sofrer de algum mal
terrível, Alessio abandona tudo e parte em busca de respostas para sua nova
condição e para as sombras e dúvidas que esta lança sobre seu coração. Nesta
busca, o camponês passa a vagar pela Itália medieval com destino a Roma e, na
companhia de Lúcio, um monge glutão que lhe dá apoio em sua jornada, descobre
as vantagens e os dissabores de ser um imortal.
Resenha
No ano passado li O Andarilho das Sombras, primeiro livro da série Tempos de Sangue, de autoria do
brasileiro Eduardo Kasse, e que narra a história e as aventuras do vampiro
Harold Stonecross antes e depois de seu renascimento. Um livro fantástico que me incentivou a procurar outras obras
dessa nova geração de escritores nacionais que se dedicam ao gênero fantasia.
De lá para cá, venho tentando
dar continuidade a série que foi concluída ano passado com a publicação de seu
quinto volume, Ruínas na Alvorada. Entretanto, minha agenda em 2016 esteve tão cheia que o
projeto de ler Deuses Esquecidos
ficou para 2017, o #AnoDoBrasil. De certa forma esse atraso foi bom, porque depois de
tanto tempo e com a possibilidade de aproveitar o tema da nossa campanha literária
anual, nada mais justo que, pelo menos, um livro da série fizesse parte do
nosso itinerário pela literatura brasileira.
Ao contrário do que se pode
pensar, o segundo volume de Tempos de Sangue não dá continuidade a história do
protagonista do livro anterior, Harold. Inclusive, Stonecross é apenas citado
no livro, já no fim da narrativa de Deuses Esquecidos. Em lugar de ser uma
continuidade, Kasse preferiu apresentar aos seus leitores um personagem novo,
Alessio, que, acredito eu, ainda terá uma participação importante no
transcorrer da série.
Ainda que Deuses Esquecidos preserve alguns
elementos que são marcantes na narrativa de O
Andarilho das Sombras, como a forte crítica religiosa e o erotismo da
narração, por outro lado, as duas obras se distinguem em muitos outros
aspectos, o que torna Deuses Esquecidos um
livro um tanto distinto do primeiro.
A primeira mudança está no
tempo da narrativa que não recorre a flashbacks e centra-se apenas no presente
de seus personagens. A segunda é a alternância de focos narrativos onde o autor
recorre a primeira pessoa para dar voz aos pensamentos e sentimentos de
Alessio, e lança mão de um narrador onisciente para relatar os fatos que se
passam com os demais personagens da narrativa.
Contudo a mudança mais
importante está na proposta para o protagonista. Em O Andarilho das Sombras somos apresentados a um vampiro experiente,
sarcástico e soberbo cuja existência já atravessara muitos séculos. Em
contrapartida, Alessio, além de temeroso e de fé arraigada, é um mero iniciante.
O mais interessante dessa mudança está na oportunidade de conhecermos os
conflitos vividos e as descobertas realizadas pelo recém-criado, vemos como ele
conserva ainda muito de sua humanidade e como esta vai dando lugar a uma outra
forma de ver o mundo. É interessante também ver como Alessio busca adequar a
sua nova condição às suas crenças, buscando lacunas nas interpretações da fé
cristã para sentir-se parte do plano divino, quando, porém, suas ações parecem
se distanciar disso e sua própria fé por vezes se demonstra vacilante.
Dentre os personagens que
figuram os mais importantes da narrativa, os que mais me chamaram a atenção
foram a vampira Tita e o monge Ugo, o carnefice[1]. Eles dois ocupam
os lugares, respectivamente, do personagem mais curioso e do mais sádico.
Nascida ainda no período de
domínio do Império Romano, Tita é uma garota vampira poderosa e travessa, um
personagem difícil de caracterizar de tão especial e singular. Logo de início,
Tita, ou raposa, como gosta de ser chamada, nos faz lembrar de uma ninfa, uma
entidade do campo vivendo isolada na beirada de penhascos, mas logo o seu jeito
travesso deixa tudo mais complexo.
A personagem tem um jeito de
criança indócil, que se mescla com lampejos de sabedoria madura, um jeito ora
relaxado e sem temor ou pudor que por vezes se torna enigmático. Um personagem
que se coaduna[2] com duas realidades nem
sempre harmônicas: o universo campesino europeu e aquele criado pelas histórias
mais comuns do vampirismo.
"– Desculpe a minha falta de educação – disse estendendo a
mão para me cumprimentar. – É que faz muito tempo que não recebo visitas. Sou
Tita Domitius Lentiginius, sua criada. Mas pode me chamar de Raposa.
– Sou Alessio di Ettore – falei hesitante. – E pode me
chamar de... Alessio – corei. – Não queria ter invadido a sua casa. É que...
– Eu sei, eu sei – respondeu com um sorriso. – Quando o
Sol nasce é um Deus nos acuda, não é? – piscou.
Olhei para ela com as sobrancelhas franzidas.
– Não precisa desconfiar, meu amigo, somos da mesma laia.
– Não estou entendendo nada.
– Somos o mesmo tipo de criatura. Nem homem, ou mulher.
Nem demônio, nem anjo... – disse com o olhar divertido. – Somos caçadores da
noite.
– Eu não sei o que sou...
– Hum... Então as minhas esperanças em descobrir algo
foram por água abaixo – gargalhou.
Até que a menina é bonita. Pensei.
– Eu estou tão confuso...
– Com certeza é por causa da sede – foi até o corredor. –
Venha, vamos beber algo.
Segui-a ainda ressabiado.
Deveria ter corrido, sumido penhasco abaixo. Mas,
sinceramente, não sentia medo. Não via qualquer ameaça naquela garota franzina
e de pele tão clara que parecia ser feita de cal salpicado com barro vermelho.
Saímos da gruta e o ar fresco da noite me fez bem. Uma
lufada úmida e revigorante. Estiquei a coluna e escalei a parede de pedra atrás
da garota. Ela subia com uma agilidade impressionante, tal qual um gato escala
um tronco de uma árvore.
Às vezes, ela parecia flutuar.
– Graciosa ela – sorri."
Por sua vez, Ugo é um monge
que trabalha como uma espécie de inquisidor e que tem por missão caçar Alessio
mesmo que deixe um rastro de mortes e crimes pelo caminho. Um ex-combatente que
encontrou na histeria religiosa o canal perfeito para dar vazão a sua
brutalidade. O típico sínico e sádico que usa a Igreja para justificar sua
selvajaria e a autoflagelação como punição para crimes imperdoáveis e pecados
que jamais um membro do clero deveria fazer.
Deuses Esquecidos
possui vários outros personagens que figuram diversas facetas da realidade
medieval e, dentre eles, os órfãos da floresta são para mim os mais
nostálgicos, porque me fizeram recordar as travessuras e aventuras de Harold e
Edred quando ainda eram crianças. Dois espíritos verdadeiramente livres.
A edição está perfeita. Acho
inclusive que a arte dos livros da série são dos mais bonitos da Editora Draco.
Com arte de Ericksama, as capas dos livros de Kasse rivalizam apenas com a arte
da série de Império de Diamante, de J. M. Beraldo, e do Baronato de Shoah, de
José Roberto Vieira.
Por fim, só tenho uma crítica ao livro. Não sei nem se estou certo em dizer isso, porque é só uma impressão da minha experiência com as narrativas do primeiro e do segundo livro. Mas, comparando com O Andarilho das Sombras senti que a narrativa de Deuses Esquecidos foi mais apressada.
A história de Harold foi
construída de forma bem mais detalhada e com vários acontecimentos que
descreveram seu passado e seu presente, delineando cada faceta do personagem e
muitas de suas andanças. Um livro
incrível, apaixonante mesmo. Porém, em Deuses Esquecidos faltou um pouco
mais de profundidade. Ainda que seja uma boa história me deixou a impressão de
que poderia ter mais da vida de Alessio antes do renascimento (não que seu
passado não tenha sido relatado). Senti falta também de uma abordagem maior em
relação a vida e o passado de Lúcio e dos monges da abadia de Nicola.
O autor |
Sou muito curioso sobre o
passado dos personagens dos livros que leio e, por isso, não me incomodo com
histórias longas e detalhadas, de muitos capítulos. Por exemplo, meu livro
predileto é Os Miseráveis, mas algo que me irrita na narrativa de Victor Hugo é
o pouco que sabemos da vida de Jean Valjean antes dele ser preso nas galés. Em
compensação, acompanhamos o restante de sua vida.
Kasse alimentou essa minha curiosidade com seu primeiro livro. Por isso senti falta de conhecer mais de Alessio, de Lúcio, de Nicola, histórias e aventuras do passado. Minha identificação com Harold veio justamente de conhecê-lo intimamente. Acredito que quando conhecemos o passado de alguém nos tornamos mais próximos dele.
Alessio é uma proposta de personagem interessante por
partir da perspectiva de um vampiro recém-criado que ainda carrega consigo as
crenças de sua outra vida. Isso o tornou mais humano, mas eu gostaria de tê-lo
acompanhado por mais tempo, antes e depois do renascimento.
Entendo, porém, que o foco
era justamente o contrário. O foco está
na transição sofrida pelo personagem, no começo da vida como imortal, nas
descobertas e no mundo novo que se abre com todo os seus dilemas. Ainda
assim a sensação de “pressa” no desenvolvimento dos personagens e da própria
narrativa não se desfez, ainda mais quando penso no desenvolvimento de Lino e
dos órfãos da floresta. Na minha modesta opinião, Harold foi gestado com mais
calma e riqueza que Alessio e a maioria do séquito de personagens de Deuses Esquecidos. Contudo é só a
impressão que tive.
De toda forma, estou ansioso por Guerras Eternas que, segundo a sinopse, será o encontro dos
principais filhos da noite da série. Será o reencontro com Harold e tudo indica
que a narrativa será épica!
A edição lida é da Editora
Draco, do ano de 2013 e possui 214 páginas. Abaixo você pode conferir uma
prévia do livro disponível no Google Books.
Quer saber mais sobre o autor? Confira nossa postagem sobre os autores que estamos lendo na campanha (Clique Aqui).
Quer saber mais sobre o autor? Confira nossa postagem sobre os autores que estamos lendo na campanha (Clique Aqui).
Prévia do Google Books
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[1] Italiano, originário
do tatim carnifex: carrasco,
torturador, perseguidor, assassino brutal. Carrasco (Wiktionary, 2017).
Esse é meu favorito da série!
ResponderExcluirPor enquanto (porque ainda não li todos) o meu favorito é O Andarilho das Sombras.
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