Por Eric Silva
Nota: todos os termos com números entre colchetes [1]
possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias,
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Diga-nos o que achou
da resenha nos comentários.
“Quem sabe a verdadeira vida é
dentro do espelho, e tudo aqui fora é sonho”
(Lya Luft, em entrevista para
o programa Sempre Um Papo)
Uma história trivial com todo um jeito próprio de se
contada, um encontro entre prosa e poesia, entre realidade e fantasia. O Tigre na Sombra, romance da escritora
Lya Luft, é o oitavo livro da campanha do #AnoDoBrasil. Um romance breve e
bastante profundo, e que apesar de ser um livro de trama corriqueira e
cotidiana, não deixou de me encantar pelo lirismo e profundidade da escrita da
autora.
Confira a resenha do oitavo livro da campanha anual de
literatura que nesse ano homenageia a literatura do Brasil.
Sinopse
Em O tigre na sombra, a autora brasileira Lya Luft retorna a prosa e
ao tema dos dramas humanos. Mesclando prosa e poesia conta a história de Dôda, uma
menina com uma perna mais curta, que enfrenta todos os dilemas de uma família
onde os sentimentos e afetos se dão e se distribuem de forma desequilibrada.
Apesar de tudo Dôda é dona de uma imaginação fértil que se torna em muitos
momentos o seu refúgio da realidade difícil de sua família. É sob seu olhar que
miscigena fantasia e realidade vamos conhecendo os dramas de cada personagem e
dela mesma, assim como acompanhamos seu crescimento e entrada para vida adulta.
Resenha
Quando, procurando nas
prateleiras da Biblioteca da Filarmônica um livro para ler, me deparei com O Tigre na Sombra. Quando o retirei da
prateleira vi que era da mesma autora de um dos meus dicionários e isso me
deixou curioso porque não sabia que era autora de romances, mas, na verdade, foi
o título exótico que me chamou a atenção me fazendo recordar a longínqua Índia
onde vivem os imponentes Tigres-de-Bengala. Só depois li a sinopse e me decidi
a ter esse primeiro contato com a autora. Um contato interessante, uma
experiência nova, pouco convencional, eu diria, mas não o suficiente para me
fazer fã de Lya. Necessito de mais de sua narrativa-poesia para isso.
A despeito das imagens que o título me fez recordar, o
tema do livro de Lya Luft nada tem a ver com a Índia, muito menos com os poderosos
animais que lhe dão título e que na narrativa tem presença tênue ficando no
campo do simbolismo e da metáfora. O
tigre desta narrativa que, por sua vez, se integra com a poesia de forma muito
bonita, existia apenas na tênue fronteira entre a imaginação e a realidade
vivida por uma criança que se sentia pouco amada pela mãe e carregava o estigma
de um pequena “deficiência” física: uma perna mais curta. Essa criança é
Dolores, “nome escuro, de sombra e
pranto, cheio de ôôôs lúgubres”, mas que por causa da irmã, Dália, passou a
ser chamada de Dôda.
Dôda era uma menina cuja
imaginação e sagacidade parecia não ter fronteiras. Via coisas que ninguém mais
via, criava um tigre de olhos azuis no quintal. Via a si mesma no espelho como
outra garota, a Dolores, que tinha a vida que ela sonhara ter. Uma imaginação
que era alimentada pela sua avô delicada, mas pouco convencional que sempre lhe
dizia: “Realidade? Bobagem. Cada um
inventa a sua”.
Quando criança, Dôda
sofria muito com o desafeto da mãe egoísta e cheia de sonhos de grandeza, mas que
descontava no marido passivo suas frustrações por sua pobreza. Com as filhas
não era diferente, de Dália e de Dôda, a caçula, sempre exigiu demais. Da mais
velha que fosse a filha perfeita e a outra que não a envergonhe com suas
limitações. Via a caçula como a deficiente, a limitada, limitação que a
envergonhava, e a mais velha como a bonita, a que tinha futuro. Nada fez de bom
e que não alimentasse o ressentimento das duas filhas, sentimentos que as meninas
levariam também para a vida adulta.
Contado pelo olhar de Dôda
a família retratada por Lya é marcada por diversos problemas além do desafeto, como
o alcoolismo e a traição. Ao longo do livro a menina vai narrando seu
relacionamento conturbado com a mãe, seu amor pela Vovinha que era tão
diferente da filha única e que com o avô era o porto seguro de Dôda. Fala de seu
relacionamento com a irmã e do pai passivo e incapaz de pôr limites aos
excessos de sua esposa. Uma narração que se alonga até a idade adulta da
personagem mostrando os desdobramentos daquelas relações sobre o psicológico
das meninas e seus reflexos na maturidade. [SPOILER] mostrando como
gradativamente Dôda abandona suas fantasias e passa a viver uma vida iludida.
Opinião
e divagações
Aqui no blog eu tenho uma
regra de respeito absoluto ao trabalho de qualquer autor que eu resenhe (veja os 13 mandamentos do bom leitor), logo
nenhuma das resenhas que vão a público são daqueles livros que detestei, que eu
tenho muitas ressalvas ou que simplesmente não gostei e não tenho nada de bom
para falar. Livros assim eu prefiro não resenhar, não trazendo a público a
minha opinião. Então quando eu dedico uma resenha aqui pode ser que o livro não
tenha me interessado, mas nele há de algo de positivo, de instigante e que
considero necessário dividir. Por esse motivo, por exemplo, algumas vezes evito
parcerias.
Quando definitivamente não
gosto de uma história e não tenho nada de positivo para falar sobre ela costumo
deixar apenas um comentário para os meus amigos no Skoob e não faço resenha
para o blog. Se quiserem me seguir lá vejam meu perfil.
Por isso costumo dividir
os autores que resenho em três grupos principais: aqueles que me encantam pela sua escrita, pela originalidade e
beleza da forma como manipulam e escolhem as palavras; os autores que me
encantam pela originalidade da
narrativa, com histórias que realmente prendem o leitor seja pela
inteligência, seja pela criatividade e beleza de suas histórias; e, por fim,
aqueles autores que de fato me encantam porque carregam ambas as características. Esses últimos são de fato aqueles de
grande e genuíno talento no MEU ponto de vista.
A autora |
Melancólica e terna,
cativante como criança travessa de sorriso bonito, a protagonista de Lya me conquistou
nas primeiras páginas, mas pouco a pouco as coisas mudam, se tornam mais
amarguradas, mais acres, perde a direção, ou melhor, mudam de curso e com ele o
meu interesse. Não sei explicar, mas ao chegar no final do livro bem pouco da
trama ainda me interessava e provavelmente essa resenha só foi escrita meses
depois porque não sabia ao certo o que falar do livro.
Afirmo que Lya aborda com
talento os dramas familiares da rejeição, do alcoolismo, dos relacionamentos
fracassados e das infelicidades da vida ao exemplo da depressão e das situações
traumáticas que marcam as pessoas, as modificam. Confesso, por outro lado, que
dramas familiares não me chamam atenção, não se estes forem bastante temperados
com trivialidades. Não obstante, não deixei de me encantar pelo lirismo e profundidade da escrita da
autora que me fizeram divagar um pouco.
No caso do lirismo, percebi como a autora desfia o
cotidiano de forma poética e com propriedade vai falando dos muitos problemas
que se interpõem entre os membros da família. Poesia se intercala e se integra com prosa, num ritmo todo único e em
alguns parágrafos nos são dados vislumbres do futuro na narrativa. O resultado final é de uma originalidade
ímpar:
No fundo do corredor
um espelho em pé é uma casa
de vidro;
um espelho deitado é um mar,
abismo.
Em ambos algo me observa
lambendo calmamente as patas.
Ele é a vida e a morte,
reais
ou com disfarces bizarros:
quem se importa com a verdade?
Ela é sempre invenção de alguém.
(E os olhos do meu tigre
são azuis.)
Um homem tira o revólver da prateleira mais alta e
coloca embaixo do travesseiro. E pensa antes de adormecer: Eu preciso ser alguém.
Uma mulher abre os olhos no escuro e pensa: Eu preciso
encontrar alguém.
Uma mãe recebe nos braços seu bebê recém-nascido e não
entende por que o rostinho dele está coberto por gaze.
Uma menina sonha que tem duas perninhas iguais.
Por sua vez, quanto a profundidade ela está sobretudo na
reflexão dos personagens.
Dôda é uma personagem dividida entre a realidade e a fantasia, seu principal refúgio do desamor da mãe. Mas ao mesmo tempo ela é um personagem maduro que reflete bastante sobre a vida, dando voz a autora.
Algo que gostei muito na personagem e em sua avó foi
esse jeito de deixar-se levar pelas fantasias, aceita-las como um real
possível, e a realidade como algo vindo de nós e que forjamos. É um livro
bastante subjetivo, mas que nos faz refletir, por exemplo, como são muitas as
pessoas no mundo reprimidas pela necessidade de se ajustar, e tantas outras
exprimidas na busca por um refúgio que lhe sirva como válvula de escape ou como
armadura de autodefesa.
Não acho que a imaginação precise ser uma atitude de
fuga, considero-a, primeira e primordialmente, como algo inerente ao espírito
humano. Não é necessário ser alienado
para se ter imaginação, nem acredito que todo alienado seja capaz de sonhar
acordado. Imaginar não supõe ser
irracional, racionalidade não inviabiliza o imaginar. O projeto humano de
felicidade e igualdade, por exemplo, pressupõe a capacidade de imaginar uma
outra maneira de se viver e se organizar em sociedade, é preciso isso para
saber qual realidade se pretende construir. Assim nascem as utopias e por todas
essas coisas é que meu ser pesquisador, educador e cientista não contradiz ou
se opõe ao meu eu leitor e apreciador de fantasias.
Outra divagação que o
livro de Lya me trouxe é sobre como as vezes idealizamos demais as pessoas e a
vida e nos esquecemos que cada um tem seus próprios sonhos e desejos. Me fez pensar de como as nossas
expectativas para com o outro podem representar grilões pesados demais e
difíceis de romper. A mãe fez isso com Dália e [SPOILER] arruinou a sua
vida.
Fez-me pensar também de como somos aquilo que
recebemos das pessoas. De como nos construímos do amor, da indiferença, da presença
e da ausência dos outros. Somos uma caleidoscópio, ou melhor, um
mosaico de sentimentos aflorados da experiência e do contato com o outro. Se
seremos mais imaginativos, felizes, desiludidos, amargurados ou complexados, se
iremos nos revestir de uma couraça que nos proteja do mundo ou se vamos nos
entregar a ele e ao sabor da fortuna[1], isso
dependerá enormemente de quem foram as pessoas que nos cercaram, e com o qual nos
relacionamos e trocamos experiências.
De todo modo, tenha eu ou não gostado da trama da
narrativa de O Tigre na Sombra – algo
que só agora consigo ver como muito pouco relevante – a verdade é que esse é um
livro que nos faz pensar e ir além dele e isso já é mais do que suficiente. Vale
a pena lê-lo.
A edição lida é da Editora Record, do ano de 2012 e possui 128 páginas. Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível no Google Books e um vídeo da autora falando sobre seu livro.
Quer saber mais sobre a autora? Confira nossa postagem sobre os autores que estamos lendo na campanha (CliqueAqui).
Video
Prévia do Google Books
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