Por Eric Silva
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Introspectivo, contemplativo e fortemente ligado ao mundo
das artes, Beleza e Tristeza foi o último
romance do escritor japonês Yasunari Kawabata. Nele conhecemos uma história de
amor e traição que acabou em tragédia e separação, mas que anos depois têm suas
feridas reabertas. Um livro considerado por seus críticos como incômodo, mas que poderia ser também
definido como polêmico.
Confira a resenha do segundo livro da III Campanha Anual
de Literatura do Conhecer Tudo que neste ano homenageia a literatura japonesa.
Sinopse
Último romance do escritor
japonês ganhador do Prêmio Nobel, Yasunari Kawabata, Beleza e Tristeza conta a história de Oki Toshio, um escritor
japonês, que viaja para Quioto em busca de se reunir com uma antiga amante,
Otoko Ueno, agora uma artista plástica, para tentar reconciliar o
relacionamento rompido no passado de forma trágica.
Resenha
O enredo
Narrado em terceira pessoa e ambientado em um Japão que se
adaptava a entrada da influência ocidental, a narrativa de Beleza e Tristeza (美しさと哀しみと) gira entorno de um pequeno núcleo de
personagens, dos quais os protagonistas são o escritor Oki Toshio e a artista
plástica Otoko Ueno.
No passado, quando Otoko ainda era uma garota de dezesseis anos,
ela e Oki, um homem já com seus 31 anos, casado e pai de seu primeiro filho,
tiveram um caso conturbado que trouxera sofrimento a todos e terminou em
tragédia. Na ocasião, a moça deu à luz a um bebê prematuro que por conta do
péssimo atendimento médico nasceu sem vida. Transtornada com a perda da
criança, Otoko por um tempo a perde a razão e tenta cometer suicídio, mas
sobrevive. A morte do filho, os ciúmes e descontroles da esposa de Oki e o
desequilíbrio emocional de Otoko também acabam por acelerar a separação dos
amantes, deixando marcas profundas em todos, mas principalmente na garota.
Vinte quatro anos depois, Oki é um escritor consagrado e seu
maior sucesso, Uma garota de dezesseis
anos, é um relato idealizado e apaixonado de seu romance e tragédia com
Otoko Ueno. Ela por sua vez, tornou-se uma artista de sucesso e mora em um
monastério de Quioto (京都市) onde vive com sua pupila Keiko, uma linda jovem
com que também mantém um relacionamento amoroso.
Com a desculpa de ouvir os sinos dos monastérios de Quioto
tocados na passagem de ano novo, Oki vai a antiga capital japonesa com a
intenção de se reaproximar da amante do passado, mas esse contato inesperado
desencadeia uma série de acontecimentos que envolve a todos novamente em
momentos de angustia, sofrimento e traição, principalmente quando Keiko
desperta em si o desejo profundo e incontrolável de vingar o sofrimento vivido
por sua professora e amante.
Personagens
Como já mencionei, Beleza
e Tristeza não conta com um vasto séquito de personagens, mas o mais
curioso nesse livro é que enquanto os protagonistas são bastante passivos, os
personagens secundários além de tomarem a cena, são os responsáveis por mover e
direcionar a narrativa.
Otoko é uma mulher fraca e fragilizada pelo passado. Não
conseguiu desvencilhar-se de seu amor por Oki, mas, ao mesmo tempo, quer reter
Keiko ao seu lado, por isso pressente a tragédia eminente quando a moça revela
suas intenções vingativas, mas entregue a sua própria passividade pouco faz
para deter o previsível. Por sua vez, Oki beira entre a passividade e a ação e
apesar de todo o sofrimento que provocara tanto a sua família como a Otoko não
hesita em reabrir a ferida com sua reaproximação indesejada. Na minha opinião
um homem fraco e movido por seus desejos egoístas.
Mas a força da narrativa está mesmo em Sakami Keiko, que é de
longe o personagem mais interessante da trama.
Retratada como uma moça de beleza inquietante e de temperamento
difícil e dúbio, a jovem pintora assume para si o papel de vingar o sofrimento
passado imposto a Otoko e que ainda a atinge. Ciúmes e desejo de vingança se
misturam e a personagem transita entre a falta de moralidade explícita, a
paixão ardente, inconsequente e desequilibrada e o maquiavelismo, mas não um
maquiavelismo em que os fins justificam os meios, mas em seu sentido figurado
como sinônimo de qualidade do que é inescrupuloso. Keiko é dominada por um pensamento que aceita a máxima de que a dor
causada contra alguém é motivo para gerar mais dor, ou seja, a ilógica pura da
vingança. Aqui tantos os meios como os fins são escusos.
Na narrativa Keiko se torna a ponte entre o passado e o
presente, reabre as feridas criando novas chagas, e envolve também nesse jogo o
filho de Oki, Taichiro.
Professor universitário, Taichiro não tem uma boa relação com o
pai e se ressente pela traição de Oki no passado. É um personagem bastante
apagado em mais da metade da narrativa, contudo é também o elemento-chave para
o desfecho da obra. Nesse ponto do livro sua presença se torna bem mais intensa
do que a dos protagonistas e estes são gradativamente jogados para a margem dos
acontecimentos. Ele se demonstra um homem relativamente cauteloso, mas tão
fraco quanto o pai.
Por fim, Fumiko, esposa de Oki, é outro personagem com presença
destacada, mas bem menos do que Keiko e o filho Taichiro. Ao lado de Otoko ela
é uma das principais vítimas dos erros de Oki e a pessoa que mais sofre com a
publicação do livro no qual o marido relatava o seu relacionamento
extraconjugal. Mas apesar de todo o seu sofrimento ela é também a principal
intermediadora de Oki com o mundo editorial, e contribuiu diretamente para que
o livro fosse publicado e se tornasse um sucesso de vendas.
Polêmico,
introspectivo e contemplativo: arte dentro da arte
Escrito na década de 1960, Beleza
e Tristeza é um dos últimos escritos de Yasunari Kawabata (川端康成) antes que o autor cometesse suicídio em 1972. É um livro marcado por sentimentos fortes e
conflitantes como ressentimento, arrependimento, amor, desejo, ódio, vingança,
obsessão, infidelidade e covardia, porém com um traçado abstrato muito
forte, pois como afirma Teixeira Coelho em seu prefácio, trata-se de um “romance que recorre ao simbólico e ao
abstrato para tocar mais fundo no concreto e no real”.
Um tanto
monótono, mas belo e profundo, Beleza e
Tristeza expressa com sensibilidade aguçada a tragédia humana, o
descompasso das paixões desmedidas e irresponsáveis. Expressa com
clareza o lado egoísta, maquiavélico e dissimulado do espírito humano quando
entregue ao desejo de vingança. Como parece ser o estilo da literatura japonesa
esse é um livro bastante contemplativo e introspectivo, pois destaca e dá
preferência ao universo interior – psicológico – de seus personagens. É em essência uma obra que exprime a natureza
contraditória dos seres humanos, principalmente quando fala de como nos
deixamos facilmente levar pelos ímpetos dos desejos sem medir as consequências
de nossos atos ou pensar no sofrimento que deles pode decorrer.
O mundo das artes é sem dúvidas uma das principais marcas e
planos de fundo do romance de Kawabata, e entorno desse mundo gravitam seus
personagens.
A separação de Oki e Otoko se dá num momento de extrema
fragilidade e dor da moça. Mas o laço não se desfaz por completo, restam as
mágoas, as feridas, as amarguras, as esperanças vãs e os sentimentos de
nostalgia, de acomodação e de amor quebrantado. Esses sentimentos são expressos
com intensidade através da arte, e por serem intensos o que é triste se expressa como algo de rara beleza. Assim, a arte de Otoko atingiu a
fama e o livro de Oki se revelou sua obra-prima. A arte é então retratada como expressão dos sentimentos e experiências
pessoais, das desilusões e amarguras, e por ser cheia de significados é também
contemplativa e para ser contemplada.
Mas, em Beleza e Tristeza,
Kawabata não apenas utiliza a arte como manifestação dos sentimentos passados e
presentes de seus personagens. Ele é também um livro que explora a contemplação
e nuanças de diferentes outras artes. Além de metalinguístico – pois o livro
fala também de literatura – essa é uma obra que explora o universo das artes
como um todo, seja elas tradicionais ou mais contemporâneas, orientais ou
ocidentais, abstratas ou impressionistas. Assim as artes plásticas, a música, a
jardinagem, a arquitetura e a poesia dentre outras formas de expressão
artística são contempladas e recebem seu devido espaço e tratamento no livro de
Yasunari.
Outro ponto interessante na obra é como ela está à frente de seu
tempo ao apresentar com relativa naturalidade a questão do homossexualismo
entre as personagens Otoko e Keiko.
Mesmo sendo um livro da década de 60, quando uma “moralidade
heterossexual” ainda se sobrepunha, não há uma escandalização por parte do
narrador acerca da existência uma relação homossexual entre mestra e aprendiz –
isso fica a cargo da visão estreita de quem lê.
O narrador não se demonstra indignado ou reativo, tudo é tratado
como algo que se dá, logo também não há apoio ou exaltação. Quem gera as
dúvidas são os próprios personagens, sobretudo Otoko. A perplexidade está
também apenas nos personagens como Fumiko, que fica escandalizada com a relação
homoafetiva entre as pintoras.
Entretanto, por parte da narração, nada é tomado como absurdo ou errado.
Isso me
impressionou porque não há, dentro do contexto histórico em que foi escrito, um
medo por parte do autor de ser polêmico, de causar incômodo ou desconforto. As
relações existem, são fato, e, aceitando-as ou não, elas são parte concreta da
realidade e da existência humana, sempre foram, e por isso não há porque ignorar
ou fingir que não existem. Ainda assim a visão da sociedade da época não
é ignorada e expressa através da perplexidade de Fumiko.
Conclusão
Quando se lê Beleza e
Tristeza é quase impossível não buscar na trama o significado de seu
título. Foi um dos elementos que mais persegui na obra. Percebi a beleza nos cenários silenciosos e vazios
de jardins, parques e templos descritos pelo livro. Também nos corpos femininos
da jovem Keiko e de Otoko quando jovem. Mas tudo que é belo nesse livro também
é triste. Não apenas os dramas e
amarguras do passado que seus personagens carregam no seio, mas em cada coisa,
na arte por eles produzida, nos seus pensamentos, nos lugares onde vão há um
pouco dessa tristeza. Então tudo que
é carregado de beleza neste livro é igualmente morada para uma tristeza
silenciosa, não dita.
O ponto fraco do livro e que
o tornaria impopular entre as novas gerações de leitores é sua monotonia
causada pelo caráter introspectivo e abstrato. A narrativa arrastada e com
longas incursões pelo psicológico e passado dos protagonistas, torna o livro
pouco instigante na maior parte de seu enredo, mesmo que a linguagem seja
acessível e não muito erudita.
Com um enredo
cheio de sutilezas e silêncios que caminham inexoravelmente para a tragédia,
Kawabata escolheu para seu livro um desfecho em aberto, em suspenso, abrupto,
interrogativo e sugestivo. Um desfecho que incomoda
o seu leitor assim como nos alerta Teixeira Coelho, no prefácio do livro, e
isso só fez do final de Beleza e Tristeza
a parte mais interessante e instigante do livro.
Em algumas das resenhas que eu li, algumas pessoas de fato se
incomodaram com o final em aberto e sugestivo que não se preocupa em dar
conclusões. No entanto, a forma como ele
acaba tão abruptamente é original e quase cinematográfico, como uma cena que
acaba com um close em um ponto
específico e sugestivo. Um close em
um olhar que abre parênteses para milhares de interpretações, e isso é, por si
só, emocionante, provocante.
Confesso que Beleza e Tristeza está longe de ser um
livro das minhas preferências e gostos, mas no final fiquei querendo mais umas
cinco ou dez páginas. Acho que a intenção de Kawabata tenha sido justamente
essa.
A edição lida é da Editora
Globo, do ano de 2008 e possui 289 páginas.
Sobre
o autor
O autor, Yasunari Kawabata (1899-1972). Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1968. |
Nascido em 11 de junho de 1899, na cidade de Osaka (大阪市), Japão, Yasunari Kawabata (川端康成) foi o primeiro escritor japonês a ganhar, em 1968, o
Prêmio Nobel de Literatura.
Órfão aos 3 anos de Idade, Kawabata foi criado pelo avô materno.
Em 1924, diplomou-se em Literatura pela Universidade Imperial de Tóquio e foi
fundador do jornal de letras Bungei Jidai. Sua primeira obra de destaque foi A Dançarina de Izu (伊豆の踊り子), publicado em
1926.
Em sua escrita recorreu a técnicas surrealistas que tentou
combinar coma estética tradicional japonesa. Com a publicação de Yukiguni (雪国, O País das Neves),
em 1934, ascendeu à posição de importante escritor da literatura japonesa.
Entre suas obras mais importantes, Senbazuru (千羽鶴, Mil Tsurus),
Yukiguni e Koto (古都, Kyoto) foram citadas na ocasião de sua
premiação com o Nobel de Literatura.
Em seu discurso de recebimento do prêmio, condenou a prática do
suicídio, recordando amigos escritores que haviam tirado suas próprias vidas. Contudo,
em 1972, o próprio Kawabata, em decorrência de um surto depressivo, comete
suicídio pela inalação de gás.
Confira quem são os
outros autores participantes da Campanha deste ano no link: http://bit.ly/2n5OK6U.
Conheça
os pontos do nosso itinerário no mapa do link: http://bit.ly/2G9Mkwx.
Abaixo você pode conferir uma prévia da edição portuguesa disponível no Google Books.
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A trama do livro me parece ser bem dramática e complexa, gostei bastante desse enredo, com certeza seria uma leitura que eu gostaria de conferir.
ResponderExcluirwww.estante450.blogspot.com.br
Oi, Cássia, Beleza e Tristeza é daqueles livros que te fazem pensar sobre a natureza e o egoísmo humano. É uma obra que provoca reflexões, como quase tudo na literatura japonesa.
ExcluirObrigado pela visita.