sábado, 12 de dezembro de 2020

[Especial Zafón] Rosa de Fuego (conto) - Carlos Ruiz Zafón - Resenha

 Por Eric Silva para o Especial Zafón

12 de dezembro de 2020

Nota: todos os termos com números entre colchetes [1] possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias, prévias, banners ou postagens relacionadas.

Diga-nos o que achou da resenha nos comentários.

Está sem tempo para ler? Ouça a nossa resenha, basta clicar no play.

Play


Conto breve que remota às origens do Cemitério dos Livros Esquecidos, Rosa de Fuego retrocede até a Barcelona do século XV, em meio a tragédia de uma praga de febre e das atrocidades cometidas pelo Tribunal do Santo Ofício, para contar como tudo começou e como chegou a um dos primeiros membros da família Sempere a semente que originaria o lendário e labiríntico palácio feito de livros que povoa as narrativas da série que leva seu nome. Uma história curta e de cunho fantástico que até então nunca foi traduzido para o português e que compõe o livro póstumo do autor, La Ciudad de Vapor.

Confira a resenha de mais esta obra em mais uma postagem do projeto do Especial Zafón, que faz um raio-X de toda a obra publicada do autor.

Resenha

Publicado em 2012 pela revista Magazine y Diário de Ibiza[1], só um ano depois após o lançamento de O Prisioneiro do Céu, Rosa de Fuego é um pequeno conto pertencente à série do Cemitério dos Livros Esquecidos e que fora escrito em comemoração ao Dia do Livro naquele ano.

Apesar de nunca ter sido traduzido para o português, assim como outras histórias curtas do autor, Rosa de Fuego pode ser considerada como marco inicial na cronologia da série por fazer um longo retrocesso no tempo até o ano de 1454 para contar as origens mais remotas do intrincado labirinto que daria origem ao cemitério de livros, um velho e secreto palacete barcelonês onde ao longo de séculos foram escondidos milhares de livros, desde obras raras ou desconhecidas até aqueles tomos que precisaram ser protegidos em tempos ditatoriais e de censura.

O Cemitério dos Livros Esquecidos funciona como um importante personagem dentro d atrama da série iniciada com A Sombra do Vento e é citado em todos os livros que compõe a tetralogia. No entanto, sua origem é totalmente desconhecida e permanece na obscuridade durante toda a série. Não obstante, em Rosa de Fuego Zafón dá as primeiras indicações da origem do colossal templo literário, a catedral de livros que muito atiçou o fascínio e curiosidade dos personagens e leitores de Zafón.

Como se trata de um relato brevíssimo (perto de 10 páginas) dividido em sete capítulos de aproximadamente uma página, é muito difícil resenhá-lo sem dar spoilers consideráveis, mas em resumo, o enredo gira entorno de um dos mais antigos antepassados da família Sempere, o impresor (impressor) Raimundo de Sempere, o inquisidor Jorge de Léon e o misterioso e quase forasteiro Edmond de Luna, um construtor barcelonês  de labirintos que fizera fama em terras estrangeiras.

A história se passa logo depois que uma praga de febre quase havia dizimado a população de Barcelona durante o inverno de 1454 e, por conta da epidemia, a cidade catalã havia sido selada pelo Santo Oficio, cujas investigações (nem um pouco imparciais) haviam apontado a origem da moléstia um poço próximo ao bairro judio de Call de Sanaüja, supostamente envenenado pelos semitas ali residentes, o que valeu aos judeus a expropriação de seus bens e o descarte de seus corpos em um pântano. Enquanto isso, os cadáveres dos mortos pela febre perniciosa se acumulavam nas fogueiras ascendidas pelas ruas para incineração.

É em meio a este cenário desolador que uma embarcação arruinada chega ao porto de Barcelona trazendo em seu interior uma dúzia de sarcófagos e um único sobrevivente: Edmond de Luna, um engenheiro “hacedor de labirintos” que trazia consigo apenas uma relíquia e um diário de bordo que continha a sua história e a do objeto que portava consigo.

Imediatamente após o seu resgate, Edmond é entregue aos oficiais do Santo Ofício sob o comando do ambicioso inquisidor Jorge de Léon. Como o caderno encontrado com Edmond se encontrava escrito em um idioma desconhecido ao inquisidor, Léon confia a tarefa de traduzir os escritos do engenheiro ao impressor Raimundo de Sempere e o que este encontra naquele diário leva a cidade a um segundo suplício, desta vez de fogo e cinzas. A partir daqui é melhor eu não contar mais nada.

O conto de Zafón vai para o gênero fantástico ou de fantasia até então pouco explorado pelo autor na série, mas que é figura carimbada em seus livros da Trilogia da Névoa. Contudo, o estilo usado é muito distinto daquele que encontramos no segundo romance da série, O Jogo do Anjo, que não é só gótico como trata de elementos sobrenaturais. Por isso, Rosa de Fuego está mais próximo das narrativas da supracitada Trilogia da Névoa, do que de sua série original. Ainda assim, acho que ela se enquadraria melhor entre as narrativas de fantasia que utilizam o mundo medieval como cenário, unindo elementos reais com aqueles de natureza mítica, o que faz com que este conto faça uma curva e se distancie bastante da matéria do qual é feita a série do Cemitério dos Livros Esquecidos e se aproxime do estilo mágico-sobrenatural de O Príncipe da Névoa  e O Palácio da Meia-noite, sem, no entanto, ter temáticas, cenários, período e nível linguístico dos mesmos.

A mim parece que o autor quis dar um tom mais fantástico para a origem do misterioso e secreto palácio de livros para assim acrescentar o gênero fantasia à hibridização de gêneros que marca suas obras. Mas a pesar disso, o que mais chamou a minha atenção no conto foram suas referências históricas ao período medieval barcelonês que muito bem conheci com a leitura de outro livro, A Catedral do Mar do também hispânico Ildefonso Falcones. Neste bildungsroman, termo alemão para designar o romance de formação ou de aprendizagem, Falcones faz um verdadeiro panorama histórico-cultural e social da Idade Média catalã e faz referências muito próximas daquelas que foram feitas em Rosa de Fuego por Zafón. Alguns desses pontos de semelhança são as referências ao trabalho parcial e tendencioso das autoridades do Tribunal do Santo Ofício, à perseguição religiosa e fanática aos judeus e às constantes epidemias que, vez por outra, dizimavam parte da população e cujas origens, quase sempre, eram atribuídas a desígnios divinos ou a suposta vilania dos judeus – odiados pelos cristãos por fazerem parte do povo que julgou e condenou Cristo ao flagelo da cruz.

Quanto ao estilo, Zafón preserva neste conto toda a estética linguística e literária com o qual descreveu sua Barcelona feita de vapor nos romances da referida série. Mais do que isso, ler este conto em seu idioma original reforçou em mim a certeza que a tradução para o português muito bem representou o estilo do autor, suas construções metafóricas cheias de “arabescos” e seus jogos inusitados de palavras que caracterizam seu estilo.

Infelizmente, para aqueles que não dominam o espanhol, os contos de Zafón nunca foram traduzidos para o português (nem mesmo para o lusitano, ao que me parece) e o conto, apesar de se encontrar gratuitamente em forma digital nas plataformas brasileiras da Amazon e do Google Play, está em espanhol. A esperança de tê-los traduzidos, porém surgiu em novembro quando foi lançado na Espanha o livro La Ciudad de Vapor, uma coletânea que reúne todos os contos publicados do autor e alguns ainda inéditos.

O livro não tem previsão de publicação no Brasil, mas como se trata de uma obra póstuma que homenageia o autor, e tendo sido toda a sua obra traduzida anteriormente em terras tupiniquins, é plausível afirmar que em breve teremos nossa versão traduzida de Rosa de Fuego e de outras dez narrativas que compõe o livro, dentre elas outro conto (quase uma novela) que ainda estou lendo: El Príncipe de Parnaso.

Então, até lá sugiro um bom dicionário (o meu é da Real Academia Española) e um pouco de esforço (bem recompensado e não tão grande haja vista o tamanho reduzido do conto) e saboreie o original em castelhano.

A edição lida é digital, distribuída gratuitamente pela Vintage Español, uma divisão da Random House. O conto tem aproximadamente 10 páginas e é do ano de 2012.

Postagens relacionadas

Especial: Zafón

Quem é Carlos Ruiz Zafón? - Especial Zafón

A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón – Resenha de Releitura

O Jogo do Anjo – Carlos Ruiz Zafón – Resenha

O Prisioneiro do Céu – Carlos Ruiz Zafón – Resenha

O Príncipe da Névoa – Carlos Ruiz Zafón – Resenha

O Palácio da Meia-noite – Carlos Ruiz Zafón – Resenha




[1]https://es.wikipedia.org/wiki/Rosa_de_fuego.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens populares

Conhecer Tudo