Por Eric Silva, pela Conhecer Tudo.
Um crime na cinzenta e
chuvosa Londres e o escaldante Deserto do Colorado. O que há de comum entre
eles?
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Capa da edição lida da publicada
pela Editora Melhoramentos.
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Um
estudo em vermelho é um clássico mundial, responsável por
imortalizar um dos mais conhecidos autores britânicos do início do século XX.
Não há uma só pessoa que goste de ler livros ficcionais que nunca tenha ouvido
falar do grande e excêntrico detetive Sherlock Holmes criado pelo autor Sir.
Conan Doyle. Holmes é um homem enigmático dotado de uma mente estritamente racional.
Suas capacidades dedutivas vão além do normal e o mesmo busca desenvolve-las incessantemente
com estudo científicos extremamente racionalizados, mas que nenhum cientista
comum se inclinaria ou empreenderia seu tempo para realizar, como o estudo de
pegadas e da cinza de charutos. Mas ainda assim, suas histórias conquistaram
milhões de leitores ao longo de mais de um século desde quando Um estudo em vermelho apresentou-o ao
mundo (o livro foi originalmente publicado em 1887).
Em nosso livro, Conan
Doyle narra pela voz de John H. Watson, amigo e escudeiro de Holmes e é
dividido em duas partes que narra duas histórias distintas, mas que se
encontram como dois extremos de um mesmo fio. A primeira parte se sucede em
Londres:
Watson é ex-médico
militar que, depois de uma desventurada passagem pelo Afeganistão onde tomou
parte na batalha de Maiwand durante a ocupação britânica do Afeganistão, retorna
a Inglaterra a fim de restabelecer a saúde abalada durante o conflito. Sem
muito dinheiro e longe dos parentes Watson vive na capital britânica em hotéis
compatíveis com sua renda. Quando já estava decidido a ir embora da cidade
londrina encontra em um bar Stamford, um de seus ex-assistente de hospital, e
se alegra ao saber por ele que um outro cavalheiro desejava encontrar alguém
para dividir as despesas de um apartamento alugado. Contudo, Watson é
insistentemente alertado por seu ex-assistente acerca do temperamento e
natureza peculiares de seu futuro flatmate
(companheiro de apartamento):
“posso até
imaginá-lo capaz de administrar a um amigo uma pitada do último alcaloide
vegetal, não por malvadeza, compreenda-me, mas simplesmente pelo espirito da
pesquisa e para ter uma ideia precisa dos efeitos. Faço-lhe, porém, justiça de
admitir que ele próprio o tomaria com a mesma desenvoltura. Ao que me parece, a
sua paixão é o conhecimento exato e completo”.
Contudo,
Watson estava persuadido em convidar a notável figura para que com ele
dividisse a despesa do aluguel de um apartamento e então não ter mais a
necessidade de abandonar a capital. Por intermédio de Stamford Watson conhece
Holmes no laboratório químico do hospital onde este trabalhava. Mas quando
Sherlock Holmes os recebeu emocionado por ter encontrado um composto químico
capaz de revelar evidencias de sangue (chave para a solução de vários crimes),
e adivinhar precisamente que o médico vinha do Afeganistão, Watson teve uma
amostra que aquele homem era muito mais do que seu ex-assistente pode lhe
descrever.
Após
um breve entrevista onde ambos expuseram seus principais defeitos e manias, a
fim de se decidirem por dividirem o mesmo teto, o acerto é selado, sendo que no
dia seguinte os dois alugam um apartamento no 221 B da Baker Street.
A
coexistência entre os companheiros se dão de forma amistosa e conciliável. Cada
um tentava conviver com os hábitos e manias do outro, sobretudo Watson em
relação as esquisitices e mistérios de seu flatmate.
Mas tudo o que Holmes fazia, as pessoas que recebia a sós na sala de estar e
seus mistérios aguçavam a curiosidade do médico que ansiava compreender melhor
quem era e ao que Holmes se dedicava. Ainda atiçava a curiosidade de Watson a
dúvida de como Holmes deduzira que ele estivera no Afeganistão quando ainda
eram totalmente estranhos um ao outro.
À medida que passavam as semanas, o
meu interesse nele e a minha curiosidade quanto aos seus objetivos na vida iam
gradualmente aumentando em extensão e profundidade. Até seu físico era tal que
despertava a atenção do mais descuidado observador.
Watson
só começa a compreender a inteligência prodigiosa e extremamente seletiva de
seu companheiro quando sem saber o médico critica a completa ilógica de um dos
artigos de Holmes sobre a ciência da dedução e este demonstrar o quanto era
logica e coerente suas teorias. Holmes era um detetive nato, capaz de resolver
os mais intrincados enigmas do mundo do crime, sem nem mesmo sair de casa ou ir
in loco na sena do crime, bastava que
lhe dissessem os pormenores dos fatos que ele apenas com o conhecimento
racional, dedutivo e sistemático era capaz de solucionar o mistério. Tão
certeiras eram suas deduções que os dois mais importantes investigadores da
Scotland Yard, a Metropolitan Police Service de Londres, lhe pediam
conselhos. Porém Holmes também era frustrado pois mesmo sendo um excepcional
investigador, nunca colheu os louros de suas descobertas ficando sempre para
polícia os créditos enquanto ele permanecia no anonimato.
Mas Watson fica surpreso com a
grande capacidade de seu flatmate
e
o impele a aceitar o chamado do investigador Gregson para que fosse observar a
cena de um crime ocorrido em condições misteriosas numa casa desabitada da Lauriston Gardens. É nesse ponto que a
história começa.
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Lauriston Gardens |
Em
uma das casas da Lauriston Gardens foi
encontrada na madrugada o corpo de um americano que morrera em condições tais
que se não fosse pelo sangue espalhado pela casa e o fato daquele estranha
morte ter se dado em uma casa onde não vivia ninguém teria a polícia alegado à sua
morte causas naturais, como ataque súbito, uma vez que inexistia marcas de
tiros ou punhaladas em seu corpo, logo, o sangue não lhe pertencia. Além disso
uma misteriosa inscrição feita em sangue numa das paredes da casa e que trazia
a palavra rache, que, segundo o
próprio Holmes, se tratava de uma palavra alemã que significava vingança. O
crime parece insolucionável, contudo para Holmes “não há nada de novo debaixo do sol”.
A
segunda parte da história somos transportados para um outra realidade
totalmente adversa num recuo de tempo de várias décadas para o ano de 1847 e
jogados em pleno deserto do Colorado diante de um viajante “esquálido e desencarnado” que mesmo vendo a morte se avizinhar permaneciam
em seu caminho carregando nas costas uma pequena menina loira. Percebendo que
sua jornada havia chegado ao fim, sentou-se com a criança sob a sombra de uma
lapa, em companhia de abutres esperando que a morte chegasse para eles como
antes havia chegado aos seus companheiros de viagem [mais do que isso é spoiler].
Nessa
segunda parte, intitulada País dos
Santos, somos levados por Doyle a uma paisagem muito adversa ao cenário
londrino, posso afirmar que Um estudo em
vermelho é uma história dentro da outra. Inicialmente País dos Santos, como
um parêntese, nos lança em uma atmosfera diferenciada, cheia de conspirações,
assassinatos e fanatismo religioso, decorado por um panorama paisagístico de
tirar o folego. Doyle destila todo o seu potencial em uma narração descritiva impecável
e extremamente geográfica do deserto:
(...) um árido e medonho deserto
que por muitos anos foi uma barreira contra o avanço da civilização. Da Sierra Nevada
ao Nebraska, e do rio Yellowstone, ao norte, até o Coloado, ao sul, tudo é
desolação e silêncio. Mas nesta região sinistra a natureza não se apresenta sob
um aspecto uniforme, pois que abrange altas montanhas cobertas de neve e vales profundos
e tenebrosos. Há rios impetuosos que correm através dos cañons, e há vastas
planícies que no inverno branquejam de neve e no verão ficam cinzentas de areia
salitrosa e alcalina. Em tudo, porém, prevalece a característica de uma terra
nua, inóspita e miserável.
É
nessa paisagem que veremos desabrochar da flor
do Utah que cresce entre os mórmons e protagonizará uma narrativa dramática.
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Deserto do Colorado |
Um
estudo em vermelho é uma narrativa policial de muita criatividade, sobretudo
que ela nos prende na tentativa vã de entender, até que se termine a história,
qual a relação entre um assassinato ocorrido numa noite terrível e chuvosa e a
narrativa que se desenrola nas vastas planícies áridas do Colorado.
Compreendo
que existe dois tipos básicos de romance policial, uma mais tradicional onde a
narrativa é preenchida sobretudo pelas capacidades dedutivas e arguciosas do investigador,
onde a inteligência sobressai-se a história do assassinato; outras, mais
modernas, onde o acaso é mais marcante na investigação, e a ação e as peças
deixadas pelo caminho tomam conta da narrativa, sendo que a inteligência dedutiva
do investigador é débil, ou pouco valorizada pela narrativa. Livros como os de
Conan Doyle e Agatha Christie são do primeiro tipo. Eu, da minha parte, gosto
de ambos os tipos, porque acima da inteligência do investigador, valorizo um
bom mistério e histórias intricadas e difíceis de resenhar.
A
edição que li é da editora Melhoramentos, editado em 1990, com tradução de
Hamilcar de Garcia e capa de João Carlos Mosterio de Carvalho. 147 páginas. E minha
avaliação pessoal é: Bom.
Abaixo
trago um link para a edição ilustrada original
em inglês do livro (A Study in Scarlet) disponível
para ler online.
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