quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Aniquilação – Jeff Vandermeer – Resenha


Por Eric Silva

Nota: todos os termos com números entre colchetes [1] possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias, prévias, banners ou postagens relacionadas.
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“A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido”.
H.P. Lovecraft

Uma leitura estranha de um lugar exótico e ameaçador e de uma expedição com objetivos duvidosos. Uma narrativa atravessada por momentos de incompreensão, dúvida, estranhamento e monotonia. Essa é a minha visão de Aniquilação, primeiro livro da trilogia Comando Sul escrita pelo americano Jeff Vandermeer, adaptado para o cinema por Alex Garland e que entra em cartaz em fevereiro.

Confira nossa opinião sobre o livro.

Sinopse estendida

Na intrincada e surrealista narrativa de Aniquilação, Vandermeer conta a história da décima segunda expedição à Área X, uma enigmática região, onde se desenvolveu misteriosamente uma natureza endêmica e de características bastante singulares.

Por muitos anos a área foi mantida isolada do restante do mundo e sua administração e segurança encaminhada para o Comando Sul, uma agência governamental clandestina que era responsável exclusivamente por ela e por todas as expedições de reconhecimento que para lá eram periodicamente enviadas. Contudo, por motivos ainda desconhecidos, todas as 11 expedições se demonstraram verdadeiros fracassos e, em sua maioria, terminaram de forma trágica, com a morte de todos os seus integrantes. Os insucessos das expedições, no entanto, não impediram o prosseguimento da investigação empreendida pelo Comando Sul.

Na 12ª expedição, acompanhamos quatro mulheres nomeadas apenas por suas profissões: a antropóloga, a topógrafa, a psicóloga (líder da missão) e a bióloga, cujo diário narra todo o enredo do livro. O objetivo do grupo era não apenas mapear o terreno, como identificar mudanças ambientais e monitorar através de diários as relações empreendidas pelo grupo. Contudo, após atravessarem a fronteira da Área X e alcançarem o acampamento instalado pelas expedições anteriores, o grupo encontra um misterioso túnel – insistentemente chamado de torre pela Bióloga – inexistente nos mapas registrados da região.

Intrigadas com o surgimento daquilo que não aprecia ter sido construído por mãos humanas, o grupo decide investigá-lo. Ali elas encontram uma misteriosa forma de vida que escrevia frases enigmáticas compostas por organismos bioluminescentes[1]nas paredes da construção. Dali em diante, a missão, assim como as demais, demonstra seus primeiros sinais de fracasso e um a um vai perdendo os seus integrantes, vítimas da natureza estranha daquele lugar, mas sobretudo das mentiras e segredos ocultados pela organização responsável por ele.

Resenha

Já fazia um tempo que eu havia ouvido falar sobre este livro e suas sequências, mas na época não dei muita atenção, nem a sinopse do livro havia me provocado um ímpeto de lê-lo. Esse ímpeto só veio surgir em outubro de 2017 quando, por acaso, vi no Youtube o trailer da adaptação cinematográfica que será lançada ainda em fevereiro.

As imagens psicodélicas e surreais presentes no primeiro trailer do filme (assista no final da postagem) junto com o clima de mistério e suspense me chamaram a atenção e provocou em mim um desejo irresistível de ler o livro. Como a obra é bem condensada (208 páginas), logo vi que não atrapalharia a minha lista de leitura para o fim do ano e comecei a lê-lo. Conclusão pessoal: decepção.

O autor: Jeff Vandermeer. Nasceu nos Estados Unidos e
foi ganhador do prêmio Nebula em varias categorias.
Aniquilação é o primeiro livro da trilogia Comando Sul, de autoria do estadunidense Jeff Vandermeer, e faz parte de um subgênero da ficção especulativa[2] que se chama Weird Fiction, em tradução livre, “ficção do estranho” ou “ficção do bizarro”[3].

Até então, eu desconhecia a total existência desses subgênero que, contrariando todas as minhas expectativas, é bastante antiga e tem sua origem ainda no final do século XIX e início do século XX.

A principal característica do Weird Fiction é comprimir em um só enredo uma mistura radical de sobrenatural, de mítico e até mesmo de científico, para gerar uma narrativa que não é nem propriamente horror, nem fantasia. Uma mistura que o livro de Vandermeer parece respeitar e seguir em toda a sua profundidade. Contudo, a obra do estadunidense comete muitos pecados, não com o gênero, é necessário enfatizar, mas com a capacidade de manter seu leitor interessado até o fim. É um livro de enredo estranho – o que faz jus ao Weird Fiction –, mas que também é mal explicado e de uma introspectividade maçante, o que me fez gostar muito pouco de sua narrativa.

Para começo de conversa, por si só a composição do grupo da 12ª expedição, que anteriormente também contava com uma linguista, é inusitado pela disparidade de suas especialidades. A primeira coisa que me questionei foi o que uma antropóloga, uma psicóloga e uma linguista teriam a descobrir em um ambiente natural e supostamente sem a presença de humanos. Isso, felizmente, vai ficando mais claro ao longo da narrativa, uma resposta bem original, diga-se de passagem.

No entanto, não espere muitas respostas a outras perguntas como: De onde veio a Área X? Quando e como ela surgiu? Onde está localizada? Qual a sua real natureza? O que de fato é o Comando Sul? Quem está no comando? Qual o seu real propósito e também das expedições?

Quase nada é revelado nesse primeiro livro, porque ao contrário de condensar toda a narrativa em um volume, o autor preferiu dispersá-la ao longo de uma trilogia. E o que contraditoriamente deveria me instigar a ler a continuação, foi, ao contrário, me desestimulando. A gente começa a narrativa em um tal grau de cegueira e conclui a leitura sabendo ainda tão pouco, que isso me frustrou bastante. Até agora tento entender o porquê, pois o misterioso é algo que sempre me instigou bastante, mas acho que até o final desta resenha conseguirei expressar como me sinto em relação à Aniquilação.

Foco narrativo e introspecção

Aniquilação é narrado em primeira pessoa, em forma de um diário de bordo, sob o ponto de vista da Bióloga, que como os demais personagens da trama não tem seu nome revelado. Dentro da trama a Bióloga é o único personagem que tem reveladas as suas motivações para participar da expedição.

Esposa de um dos expedicionários da missão anterior, ela foi testemunha da ruína de seu marido logo após retornar transformado da Área X. Muito tempo sem ter quaisquer notícias sobre ele, um dia o marido da Bióloga ressurge em casa, sem nem ao menos se recordar de como chegou ali. Ela tenta de todas as formas recebê-lo bem e deixá-lo confortável, mas aquele não era nada mais do que a sombra do homem que ela conhecera. De alguma forma, ele havia sido tocado pela Área X e ela havia o transformado de uma forma incompreensível. Se isso já não bastasse, assim como todos os expedicionários da 11ª expedição, ele faleceu de um câncer súbito.

É dessa perda inexplicável, súbita e sem propósito que a Bióloga tira o desejo incoercível[4] de tentar compreender o que se passou com o marido naqueles dias em que ele ficou vagando pela Área X. E é justamente essa busca que torna o livro bastante introspectivo.

Em vários trechos o livro dá espaço a longas e entediantes passagens em que a Bióloga analisa profunda e demoradamente sua vida pessoal. Essas passagens de introspecção dão à trama vários momentos de monotonia e não contribuem para interessar o leitor, ainda que nos ajude a compreender a forma como a Bióloga percebe e se atrai pela Área X.

Acho que minha reserva em relação a esse espaço muito grande dado a introspecção do personagem reside no fato de que aquilo não tenha contribuído em nada para o crescimento do personagem ou de seu leitor. Só a acho necessário um foco muito grande na introspecção quando esta combina com o gênero, ou seja, quando é a marca principal deste. Ou ainda, quando vem imbuída em si o propósito de provocar ou elucidar um ensinamento filosófico ou ponderação que colabore para a própria reflexão do leitor, para provocá-lo de algum modo.

A introspecção também pode contribuir para ligar o leitor fortemente ao personagem, criando um laço de identificação do leitor com o personagem e atribuindo ao último uma identidade mais profunda e verossímil. Acho que a intensão do autor tenha sido esse último: criar uma identidade mais profunda e verossímil para o personagem.

De fato, a introspecção da Bióloga deixou clara o porquê da sua forte ligação com o lugar onde ela se encontrava e acaba ocupando um papel muito importante na trama, mas, no outro extremo, não funcionou comigo porque não criou o laço de identificação, solidariedade ou de qualquer outro tipo de sentimento. Não funcionou porque achei que mesmo não destoando do gênero a qual pertence, a história da personagem, no geral, não me mobilizou em nada. Muitos não concordarão comigo, sei, mas essa foi a forma como o livro e sua narrativa se refletiram em mim. E eles nem chegaram a arranhar a superfície na tentativa de me alcançar.

Você leitor pode pensar, e eu vou concordar, que sou exigente demais com o que leio. Talvez essa seja uma explicação possível, mas livros para mim não são só entretenimento. A Literatura não deve servir nem ao extremo do academicismo literário nem ao do entretenimento vazio de sentido.

A protagonista é também do tipo que tem uma grande dificuldade de interagir com as pessoas, mas sempre se sentiu atraída pela natureza e pelo desconhecido. Por conseguinte, ela tem uma percepção diferente da Área X, se sente atraída por sua natureza, quer desvendá-la a qualquer preço e se integra a ela de forma absurda, sendo quase que absorvida para tornar-se parte integrante de sua complexidade. É certo que o fim trágico de seu marido é impulsionador de todas essas coisas, mas a Área X revela se algo bem maior para ela.

É justamente por essa atração irresistível que tudo na Área X provoca na Bióloga, somado ao fato de que conhecemos todas as situações e elementos daquele lugar dentro dos limites da compreensão e visão da mesma, que não nos é permitindo saber a veracidade do que ela relata ou se tudo não passa de um delírio de sua parte. Mais uma incógnita para o livro seguinte.

O desconhecido, o estanho e o inominado

Mapa da Área X
A natureza da Área X é misteriosa e desconhecida, assim como sua origem, sua extensão e o porquê de todas as expedições enviadas para lá se demostrarem desastrosas e nocivas aos expedicionários. Uma natureza que superficialmente pode parecer comum, ainda que contradiga algumas lógicas naturais, mas que, no seu âmago, se mostra bizarra, perigosa e traiçoeira, mescla do estranho e do grotesco, e infunde[5] o horror na beleza de um ambiente ainda por desbravar. Assim como os personagens conhecem e entendem a Área X, também o livro pouco revela, pouco esclarece sobre a natureza e surgimento daquele lugar, e esse é o principal motivo da minha frustração.

É certo que muitas coisas sobre as expedições são reveladas, mas o universo criado por Vandermeer é tão surreal e complexo que foi difícil gostar da narrativa. A área X é tão absurdamente fora da realidade conhecida que beira o irracional e o incompreensível, e a escolha do autor em revelar o mínimo contribuiu para que isso não mudasse para o leitor. Ao mesmo tempo, o mistério e as mentiras entorno do Comando Sul só aumentam as dúvidas. Ainda assim, avancei muito rápido na leitura porque meu cérebro ansiava compreender, localizar as peças da trama, buscar explicações, ver onde tudo aquilo levaria. Você devora o livro porque quer dar ordem aos acontecimentos, revelar o que está por baixo do véu de um enredo que aspira ser transcendental[6].

Seguindo fielmente a proposta literária do seu gênero, Aniquilação é uma obra que causa estranhamento. A proposição é criar um enredo sobre o desconhecido, o estranho e o inominado, e, em parte, por isso, nomes se tornam irrelevantes. Por exemplo, para o comando Sul não importam os nomes dos expedicionários, mas as suas especialidades e o que estes sujeitos com seus conhecimentos são capazes de descobrir. Nesse intento, como animais de sacrifício, os personagens não são nomeados e apenas designados por suas profissões, pois – e o livro no faz supor isso – se esses falhariam miseravelmente em sobreviver à Área X, por que nomes seriam relevantes?

Tem-se aí um processo completo de desumanização dos participantes, utilizados como peças de algo maior que não conseguimos antever na trama. Uma impessoalidade que é marcante em todos os aspectos do livro. Por outro lado, muito do que há naquele lugar é desconhecido e até inominado – a própria Área X tem uma designação genérica – o que faz compreensível a razão dos nomes serem descartáveis. Mas tanta generalidade me incomodou quando, aliada a isso, vem a falta de respostas sobre o surgimento e a natureza da área em questão.

Em conclusão, Aniquilação é um livro que não começa bem a sua trilogia. Ele não te dá a segurança ou, pelo menos, uma pista se, no todo, a série conterá uma história verdadeiramente boa, algo que valha a pena o investimento de seu tempo. Se não bastasse, o livro procura ser metafórico sem ser, na verdade, profundo, o que me incomodou bastante. Por fim, o desfecho é confuso e aberto, bastante frustrante por sinal, deixando para o segundo volume da série mais algumas questões a serem reveladas. Questões que não sei sinceramente se terei interesse em desvendar.

A edição lida é da Editora Intrínseca, do ano de 2014 e possui 208 páginas. Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível no Google Books.

Trailer do filme




Preview do Google Books







[1] Organismos vivos que produzem e emitem luz.
[2] https://en.wikipedia.org/wiki/Weird_fiction

[3] https://blogdaboitempo.com.br/2014/11/21/weird-fiction-essa-forca-estranha-parte-i/

[4]Que não se pode dominar, refrear, impedir; irreprimível (Houaiss, 2001).

[5]Introduzir-se, penetrar (Houaiss, 2001).
[6]Que eleva-se sobre ou vai além dos limites de; situa-se para lá de (Houaiss, 2001).

2 comentários:

  1. O filme também é incrível! É uma boa opção para uma tarde de filmes. Natalie Portman é ótima. Adoro os filmes de ficção cientifica, são muito emocionantes! Li que iam lançar Fahrenheit 451 o filme e o tema não me interessou, mas um dia vi um trailer e fiquei intrigada. Além, ouvi dizer que o filme é baseado em um livro, nunca tinha escutado dele, mas li uma resenha e me chamou a atenção. Também tem um ótimo elenco, como Michael Shannon e Michael B. Jordan. Acho que será um dos melhores filmes em 2018, espero muito do filme, espero que seja umas das melhores adaptações para ver, não posso esperar para vê-la. Acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.

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    1. Apesar de poucos leitores concordarem, há casos sim em que a adaptação cinematográfica fica muito interessante e até mais dinâmico do que o livro. Interessei-me por Aniquilação, assim como você com Fahrenheit 451 (obra de Ray Bradbury), por conta do trailer do filme. Infelizmente minha cidade é pequena e o único cinema só traz filme infantil e grandes bilheterias (filmes da moda) e não trouxe Annihilation, ainda não pude fazer uma comparação. Mas com toda a certeza a literatura é uma fonte vasta de material para o cinema, e em muitos casos geram roteiros bem mais interessantes do que algumas obras originais.

      Obrigado pelo comentário, Ana. Volte sempre. Não respondi logo porque estamos numa pausa forçada aqui no blog.

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