Por Eric Silva
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“A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o
medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido”.
H.P. Lovecraft
Uma leitura estranha de um lugar exótico e ameaçador e de
uma expedição com objetivos duvidosos. Uma narrativa atravessada por momentos
de incompreensão, dúvida, estranhamento e monotonia. Essa é a minha visão de Aniquilação, primeiro livro da trilogia Comando Sul escrita pelo americano Jeff
Vandermeer, adaptado para o cinema por Alex Garland e que entra em cartaz em
fevereiro.
Confira nossa opinião sobre o livro.
Sinopse
estendida
Na intrincada e surrealista
narrativa de Aniquilação, Vandermeer
conta a história da décima segunda expedição à Área X, uma enigmática região,
onde se desenvolveu misteriosamente uma natureza endêmica e de características
bastante singulares.
Por muitos anos a área foi
mantida isolada do restante do mundo e sua administração e segurança encaminhada
para o Comando Sul, uma agência governamental clandestina que era responsável
exclusivamente por ela e por todas as expedições de reconhecimento que para lá
eram periodicamente enviadas. Contudo, por motivos ainda desconhecidos, todas
as 11 expedições se demonstraram verdadeiros fracassos e, em sua maioria,
terminaram de forma trágica, com a morte de todos os seus integrantes. Os
insucessos das expedições, no entanto, não impediram o prosseguimento da
investigação empreendida pelo Comando Sul.
Na 12ª expedição,
acompanhamos quatro mulheres nomeadas apenas por suas profissões: a
antropóloga, a topógrafa, a psicóloga (líder da missão) e a bióloga, cujo
diário narra todo o enredo do livro. O objetivo do grupo era não apenas mapear
o terreno, como identificar mudanças ambientais e monitorar através de diários
as relações empreendidas pelo grupo. Contudo, após atravessarem a fronteira da
Área X e alcançarem o acampamento instalado pelas expedições anteriores, o
grupo encontra um misterioso túnel – insistentemente chamado de torre pela Bióloga – inexistente nos
mapas registrados da região.
Intrigadas com o surgimento
daquilo que não aprecia ter sido construído por mãos humanas, o grupo decide
investigá-lo. Ali elas encontram uma misteriosa forma de vida que escrevia
frases enigmáticas compostas por organismos bioluminescentes[1]nas
paredes da construção. Dali em diante, a missão, assim como as demais,
demonstra seus primeiros sinais de fracasso e um a um vai perdendo os seus
integrantes, vítimas da natureza estranha daquele lugar, mas sobretudo das
mentiras e segredos ocultados pela organização responsável por ele.
Resenha
Já fazia um tempo que eu
havia ouvido falar sobre este livro e suas sequências, mas na época não dei
muita atenção, nem a sinopse do livro havia me provocado um ímpeto de lê-lo.
Esse ímpeto só veio surgir em outubro de 2017 quando, por acaso, vi no Youtube
o trailer da adaptação cinematográfica que será lançada ainda em fevereiro.
As imagens psicodélicas e
surreais presentes no primeiro trailer do filme (assista no final da postagem)
junto com o clima de mistério e suspense me chamaram a atenção e provocou em
mim um desejo irresistível de ler o livro. Como a obra é bem condensada (208
páginas), logo vi que não atrapalharia a minha lista de leitura para o fim do
ano e comecei a lê-lo. Conclusão pessoal: decepção.
O autor: Jeff Vandermeer. Nasceu nos Estados Unidos e foi ganhador do prêmio Nebula em varias categorias. |
Até então, eu desconhecia a
total existência desses subgênero que, contrariando todas as minhas
expectativas, é bastante antiga e tem sua origem ainda no final do século XIX e
início do século XX.
A principal característica do
Weird Fiction é comprimir em um só
enredo uma mistura radical de sobrenatural, de mítico e até mesmo de
científico, para gerar uma narrativa que não é nem propriamente horror, nem
fantasia. Uma mistura que o livro de Vandermeer parece respeitar e seguir em
toda a sua profundidade. Contudo, a obra do estadunidense comete muitos
pecados, não com o gênero, é necessário enfatizar, mas com a capacidade de
manter seu leitor interessado até o fim. É
um livro de enredo estranho – o que faz jus ao Weird Fiction –, mas que também é mal explicado e de uma
introspectividade maçante, o que me fez gostar muito pouco de sua narrativa.
Para começo de conversa, por
si só a composição do grupo da 12ª expedição, que anteriormente também contava
com uma linguista, é inusitado pela disparidade de suas especialidades. A
primeira coisa que me questionei foi o que uma antropóloga, uma psicóloga e uma
linguista teriam a descobrir em um ambiente natural e supostamente sem a
presença de humanos. Isso, felizmente, vai ficando mais claro ao longo da
narrativa, uma resposta bem original, diga-se de passagem.
No entanto, não espere muitas
respostas a outras perguntas como: De onde veio a Área X? Quando e como ela
surgiu? Onde está localizada? Qual a sua real natureza? O que de fato é o
Comando Sul? Quem está no comando? Qual o seu real propósito e também das
expedições?
Quase nada é revelado nesse
primeiro livro, porque ao contrário de condensar toda a narrativa em um volume,
o autor preferiu dispersá-la ao longo de uma trilogia. E o que contraditoriamente deveria me instigar a ler a continuação,
foi, ao contrário, me desestimulando. A
gente começa a narrativa em um tal grau de cegueira e conclui a leitura sabendo
ainda tão pouco, que isso me frustrou bastante. Até agora tento entender o
porquê, pois o misterioso é algo que sempre me instigou bastante, mas acho que
até o final desta resenha conseguirei expressar como me sinto em relação à Aniquilação.
Foco
narrativo e introspecção
Aniquilação é
narrado em primeira pessoa, em forma de um diário de bordo, sob o ponto de
vista da Bióloga, que como os demais personagens da trama não tem seu nome
revelado. Dentro da trama a Bióloga é o único personagem que tem reveladas as
suas motivações para participar da expedição.
Esposa de um dos expedicionários da missão anterior, ela foi testemunha da ruína de seu marido logo após retornar transformado da Área X. Muito tempo sem ter quaisquer notícias sobre ele, um dia o marido da Bióloga ressurge em casa, sem nem ao menos se recordar de como chegou ali. Ela tenta de todas as formas recebê-lo bem e deixá-lo confortável, mas aquele não era nada mais do que a sombra do homem que ela conhecera. De alguma forma, ele havia sido tocado pela Área X e ela havia o transformado de uma forma incompreensível. Se isso já não bastasse, assim como todos os expedicionários da 11ª expedição, ele faleceu de um câncer súbito.
É dessa perda inexplicável,
súbita e sem propósito que a Bióloga tira o desejo incoercível[4]
de tentar compreender o que se passou com o marido naqueles dias em que ele
ficou vagando pela Área X. E é justamente essa busca que torna o livro bastante
introspectivo.
Em vários trechos o livro dá espaço a longas e
entediantes passagens em que a Bióloga analisa profunda e demoradamente sua
vida pessoal. Essas passagens de introspecção dão à trama vários momentos de
monotonia e não contribuem para interessar o leitor, ainda que nos ajude a
compreender a forma como a Bióloga percebe e se atrai pela Área X.
Acho que minha reserva em
relação a esse espaço muito grande dado a introspecção do personagem reside no
fato de que aquilo não tenha contribuído em nada para o crescimento do
personagem ou de seu leitor. Só a acho
necessário um foco muito grande na introspecção quando esta combina com o
gênero, ou seja, quando é a marca principal deste. Ou ainda, quando vem imbuída
em si o propósito de provocar ou elucidar um ensinamento filosófico ou
ponderação que colabore para a própria reflexão do leitor, para provocá-lo de
algum modo.
A introspecção também pode contribuir para ligar o leitor
fortemente ao personagem, criando um laço de identificação do leitor com o
personagem e atribuindo ao último uma identidade mais profunda e verossímil.
Acho que a intensão do autor tenha sido esse último: criar uma identidade mais
profunda e verossímil para o personagem.
De fato, a introspecção da Bióloga deixou clara o porquê
da sua forte ligação com o lugar onde ela se encontrava e acaba ocupando um
papel muito importante na trama, mas, no outro extremo, não funcionou comigo
porque não criou o laço de identificação, solidariedade ou de qualquer outro
tipo de sentimento. Não funcionou porque
achei que mesmo não destoando do gênero a qual pertence, a história da
personagem, no geral, não me mobilizou em nada. Muitos não concordarão comigo,
sei, mas essa foi a forma como o livro e sua narrativa se refletiram em mim. E
eles nem chegaram a arranhar a superfície na tentativa de me alcançar.
Você leitor pode pensar, e eu
vou concordar, que sou exigente demais com o que leio. Talvez essa seja uma
explicação possível, mas livros para mim
não são só entretenimento. A Literatura não deve servir nem ao extremo do
academicismo literário nem ao do entretenimento vazio de sentido.
A protagonista é também do
tipo que tem uma grande dificuldade de interagir com as pessoas, mas sempre se
sentiu atraída pela natureza e pelo desconhecido. Por conseguinte, ela tem uma
percepção diferente da Área X, se sente atraída por sua natureza, quer
desvendá-la a qualquer preço e se integra a ela de forma absurda, sendo quase
que absorvida para tornar-se parte integrante de sua complexidade. É certo que
o fim trágico de seu marido é impulsionador de todas essas coisas, mas a Área X
revela se algo bem maior para ela.
É justamente por essa atração
irresistível que tudo na Área X provoca na Bióloga, somado ao fato de que
conhecemos todas as situações e elementos daquele lugar dentro dos limites da
compreensão e visão da mesma, que não nos é permitindo saber a veracidade do
que ela relata ou se tudo não passa de um delírio de sua parte. Mais uma incógnita para o livro seguinte.
O
desconhecido, o estanho e o inominado
Mapa da Área X |
É certo que muitas coisas
sobre as expedições são reveladas, mas o universo criado por Vandermeer é tão
surreal e complexo que foi difícil gostar da narrativa. A área X é tão absurdamente fora da realidade conhecida que beira o irracional
e o incompreensível, e a escolha do autor em revelar o mínimo contribuiu para
que isso não mudasse para o leitor. Ao mesmo tempo, o mistério e as
mentiras entorno do Comando Sul só aumentam as dúvidas. Ainda assim, avancei muito rápido na leitura porque meu cérebro ansiava
compreender, localizar as peças da trama, buscar explicações, ver onde tudo
aquilo levaria. Você devora o livro porque quer dar ordem aos
acontecimentos, revelar o que está por baixo do véu de um enredo que aspira ser
transcendental[6].
Seguindo fielmente a proposta literária do seu gênero, Aniquilação é uma obra que causa
estranhamento. A proposição é criar um enredo sobre o desconhecido, o estranho e o
inominado, e, em parte, por isso, nomes se tornam irrelevantes. Por
exemplo, para o comando Sul não importam os nomes dos expedicionários, mas as
suas especialidades e o que estes sujeitos com seus conhecimentos são capazes
de descobrir. Nesse intento, como animais de sacrifício, os personagens não são
nomeados e apenas designados por suas profissões, pois – e o livro no faz supor
isso – se esses falhariam miseravelmente em sobreviver à Área X, por que nomes
seriam relevantes?
Tem-se aí um processo
completo de desumanização dos participantes, utilizados como peças de algo
maior que não conseguimos antever na trama. Uma impessoalidade que é marcante em todos os aspectos do livro.
Por outro lado, muito do que há naquele lugar é desconhecido e até inominado –
a própria Área X tem uma designação genérica – o que faz compreensível a razão dos
nomes serem descartáveis. Mas tanta
generalidade me incomodou quando, aliada a isso, vem a falta de respostas sobre
o surgimento e a natureza da área em questão.
Em conclusão, Aniquilação
é um livro que não começa bem a sua trilogia. Ele não te dá a segurança ou,
pelo menos, uma pista se, no todo, a série conterá uma história verdadeiramente
boa, algo que valha a pena o investimento de seu tempo. Se não bastasse, o
livro procura ser metafórico sem ser, na verdade, profundo, o que me incomodou
bastante. Por fim, o desfecho é confuso e aberto, bastante frustrante por
sinal, deixando para o segundo volume da série mais algumas questões a serem
reveladas. Questões que não sei sinceramente se terei interesse em desvendar.
A edição lida é da Editora
Intrínseca, do ano de 2014 e possui 208 páginas. Abaixo você pode conferir uma
prévia do livro disponível no Google Books.
Trailer do filme
Preview do
Google Books
[1]
Organismos vivos que produzem e emitem luz.
[2]
https://en.wikipedia.org/wiki/Weird_fiction
[4]Que
não se pode dominar, refrear, impedir; irreprimível (Houaiss, 2001).
[5]Introduzir-se,
penetrar (Houaiss, 2001).
[6]Que
eleva-se sobre ou vai além dos limites de; situa-se para lá de (Houaiss, 2001).
O filme também é incrível! É uma boa opção para uma tarde de filmes. Natalie Portman é ótima. Adoro os filmes de ficção cientifica, são muito emocionantes! Li que iam lançar Fahrenheit 451 o filme e o tema não me interessou, mas um dia vi um trailer e fiquei intrigada. Além, ouvi dizer que o filme é baseado em um livro, nunca tinha escutado dele, mas li uma resenha e me chamou a atenção. Também tem um ótimo elenco, como Michael Shannon e Michael B. Jordan. Acho que será um dos melhores filmes em 2018, espero muito do filme, espero que seja umas das melhores adaptações para ver, não posso esperar para vê-la. Acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.
ResponderExcluirApesar de poucos leitores concordarem, há casos sim em que a adaptação cinematográfica fica muito interessante e até mais dinâmico do que o livro. Interessei-me por Aniquilação, assim como você com Fahrenheit 451 (obra de Ray Bradbury), por conta do trailer do filme. Infelizmente minha cidade é pequena e o único cinema só traz filme infantil e grandes bilheterias (filmes da moda) e não trouxe Annihilation, ainda não pude fazer uma comparação. Mas com toda a certeza a literatura é uma fonte vasta de material para o cinema, e em muitos casos geram roteiros bem mais interessantes do que algumas obras originais.
ExcluirObrigado pelo comentário, Ana. Volte sempre. Não respondi logo porque estamos numa pausa forçada aqui no blog.