Por Eric Silva
Nota: todos os termos com números entre colchetes [1]
possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias,
prévias, banners ou postagens relacionadas.
Diga-nos o que achou da
resenha nos comentários.
Está sem tempo para ler? Ouça a nossa
resenha, basta clicar no play.
Mistério, loucura, tortura, vingança, sacrifício e
impunidade. Chegando ao terceiro volume da série d’O Cemitério dos Livros Esquecidos o nosso especial sobre
Carlos Ruiz Zafón vem falar de O
Prisioneiro do Céu o menor dos livros da coleção, mas para onde convergem
as tramas de A Sombra do Vento e de O Jogo do Anjo. Nesse livro instigante
conhecemos mais ao fundo o passado de Fermín Romero de Torres principal
escudeiro de Daniel Sempere e como as tramas do destino os ligaram muito antes
de se conhecerem. Um livro no qual literatura e história se unem mais uma vez
para falar de uma Barcelona cheia de segredos e perigos.
Sinopse
do enredo
É dezembro de 1957 e dois
anos se passaram após os fatos narrados em A Sombra do Vento. Daniel Sempere prossegue sua vida agora
casado com Beatriz e pai do pequeno Julián. Os negócios da livraria vão mal,
mas além das vendas escassas outros problemas vem tirando o sono de Daniel: o
comportamento estranho de Fermín as vésperas de seu casamento com Bernarda e,
mais tarde, também o segredo que Beatriz escondia e que poderia abalar sua relação.
Contudo, o cenário pouco
animador se torna ainda pior quando um estranho com a mão de porcelana visita a
loja e compra um exemplar raro de O Conde de Monte Cristo, o item mais caro da livraria,
e deixa nele uma dedicatória inquietante endereçada a Fermín: “Para Fermín Romero de Torres, que retornou
de entre os mortos e tem a chave do futuro”. Irrequieto com aquele mistério
Daniel resolve investigar quem seria o homem misterioso, e descobre não só onde
esteva hospedado com o mais inquietante: este usava um nome falso, o do próprio
Fermín.
Sentindo que algo estava
muito errado, o rapaz resolve pressionar o amigo e falar da visita do
enigmático homem expondo os fatos que descobrira. Após muita insistência e
também se abrir com Fermín sobre as dúvidas que o persegue em relação a Beatriz,
Daniel consegue que o amigo também se abra e explique sua conexão com o homem
da mão de porcelana. Nesse momento, somos transportados para o passado de
Fermín Romero de Torres, para a época quando ele foi capturado pelo regime
franquista que ascendia após a Guerra Civil Espanhola, torturado e preso no Castelo de Montjuic, local onde seu destino começa a convergir em direção aos
dos Sempere.
Resenha
O Prisioneiro
do Céu possui uma trama que é bem mais próxima do estilo de A Sombra do Vento do que da
atmosfera gótica e sobrenatural de O Jogo do Anjo, porém bem
menos romantizado do que o primeiro e substancialmente menos sombrio e dúbio se
comparado ao segundo. É um livro de memórias e confluências e a preparação para
o livro seguinte e derradeiro: O Labirinto dos
Espíritos. Aqui parte dos personagens de A Sombra do Vento se encontram com os d’O Jogo do Anjo, novos personagens são incluídos e a ligação entre
Fermín e os Sempere é finalmente esclarecida.
O livro é dividido em três
partes. Na primeira, Um Conto de Natal,
voltamos a Barcelona para saber como vivia Daniel e sua família após o
casamento com Bea e o nascimento de seu filhinho Julián. Nessa parte também
temos o surgimento da estranha figura que procurava por Fermín e acaba
comprando o livro mais caro da loja apenas para transmitir uma mensagem. A
segunda e a terceira parte do livro, De
entre os Mortos e Nascer de Novo,
são inteiramente dedicadas ao passado de Fermín e sua passagem pela prisão de
Montjuic. Por fim, com O Nome do Herói,
Zafón encerra sua narrativa.
Assim como os demais esse é um livro magnético que prende o seu
leitor em uma leitura voraz e muito rápida. O texto transcorre com uma fluidez
incrível que me fez lê-lo completamente do sábado para o domingo mesmo com as
dores impostas por uma virose horrível.
No que se refere aos personagens, O prisioneiro do Céu conserva parte bem pequena do núcleo principal
de A Sombra do Vento formado pelos
Sempere, Bea, Fermín e Isaac, e resgata de O
Jogo do Anjo o seu protagonista, David Martin, e a jovem mãe de Daniel,
Isabella.
Ao elenco modesto – se comparado com os livros anteriores – é
acrescido apenas alguns novos personagens dignos de nota. Pablo, ex-noivo de
Bea que volta a atormentar o juízo de um Daniel enciumado; Fernando Brians, um
advogado de pequena projeção social, e Rociíto, uma jovem prostituta, que
ajudam Fermín quando esse foge da prisão. Mas os dois mais importantes a
adentrarem a narrativa são Maurício Valls, diretor da prisão de Montjuic e
entorno do qual gira boa parte da trama como principal antagonista do livro, e
Sebastián Salgado um dos presos de Montjuic e que também possui um papel de
grande relevo na trama. Infelizmente revelar mais alguma coisa estragaria a
surpresa do livro.
História
e literatura como fio condutor: Montjuic e O Conde de Monte Cristo
![]() |
Castelo de Montjuic. Wikimedia Commons. |
Habitado por autores malditos que se tornam os próprios
personagens de suas histórias, o insondável e nebuloso mundo dos livros é
novamente explorado atestando que O
Cemitério dos Livros Esquecidos foi pensado como um verdadeiro labirinto de
livros dentro de livros, histórias dentro de histórias, que não só busca tornar
misterioso e fascinante o universo da literatura como explora com muita
inteligência a história trágica da própria Espanha.
Interior do Castelo. Wikimedia Commons. |
É tomando como ponto de partida
a compra do volume raro do famoso livro do romancista francês que Zafón conta a
passagem do mais icônico personagem de A Sombra do Vento pelo tenebroso castelo barcelonês, que nos finais da
Guerra Civil Espanhola se tornou a principal prisão e campo de execução dos
franquistas na cidade catalã. Desta
forma Montjuic se torna o principal
cenário da trama, a literatura o seu principal tema e o fim da guerra civil, o
contexto histórico do livro.
Magnetismo
Como em todos os seus livros
Zafón escreve uma trama instigante e que prende a atenção dos leitores para
cada detalhe.
Em minha experiência com o
livro, a minha atenção era prendida principalmente com qualquer coisa que
dissesse respeito a David Martin, protagonista de O Jogo do Anjo. Para mim a
narrativa do segundo livro da série é a mais atípica e estranha da coleção
e, por isso, qualquer pequena informação sobre David em O Prisioneiro do Céu poderia se tornar em uma pista para
compreender os pontos nebulosos da narrativa anterior. De fato, muitas
passagens do terceiro livro ajudam a compreender o estranhamento que a
narrativa de David produz no leitor e porquê ela se distancia substancialmente
do estilo empregado em A Sombra do Vento.
Além disso, ficamos sabendo em que circunstâncias O Jogo do Anjo foi escrito por David.
![]() | |
|
Não é a primeira vez que
Zafón utiliza-se de mais de um narrador para contar passagens diferentes de sua
história. Em A Sombra do Vento
todo o mistério por trás da história de Julian é narrado por Nuria através de
uma carta deixada pra Daniel, tornando a personagem em uma segunda narradora do
livro.
Em O Prisioneiro do Céu, Zafón utiliza-se de recurso semelhante, mas
opta por não usar Fermín como narrador para permitir que a narração fosse além
dos muros da fortaleza, onde ele se encontrava preso, e alcançasse igualmente
outros personagens. O restante da trama é narrado por Daniel. Uma jogada
inteligente e estrategicamente escolhida que permitiu, de um lado, que em parte
do livro revivêssemos a sensação de ter Daniel novamente como narrador de sua
história e, do outro, permitiu ao autor desenvolver a narrativa da forma como
queria. Assim foi possível a Zafón fornecer os detalhes e desenlaces
necessários para compor o enredo que prepara o terreno para o livro seguinte.
Outro ponto está relacionado
a escrita do texto. Zafón mantém uma
escrita impecável, mas achei bem menos poética, mais crua e prática do que nos
livros anteriores. É certo que o lirismo de que se vale para escrever seus
livros é bem dosado e aprece em momentos bem estratégicos, sobretudo nos quais
ele descreve os cenários e a atmosfera geral da cidade de Barcelona. Mas achei
que nesse livro ele buscou se preocupar bem menos com a estética e
concentrou-se mais na história. A verdade é que notei muito pouco a presença
das construções estéticas que sempre elogio na obra do autor (leia a resenha de
releitura de A Sombra do Vento).
Desfecho:
entrecruzando caminhos numa edição lindíssima
Apostando em uma trama rápida que revela e omite ao mesmo
tempo, o desfecho do livro é muito interessante e deixa muitas coisas pelo
caminho: perguntas não respondidas, mistérios não explicados e um desejo visível
de vingança. Esses elementos nos fazem ter uma ideia de que o livro que se
segue e com o qual, enfim, Zafón encerra a trama do Cemitério dos Livros Esquecidos, deverá ter muitos desdobramentos e
uma história arrebatadora. Essa é a minha expectativa. Pelo tamanho do tomo –
que conta com 679 páginas – há muita história a ser contada em O Labirinto dos Espíritos e se a qualidade da série foi mantida até o fim, esse,
sem dúvida, será um final inesquecível.
Por fim, gostaria só de fazer
um rápido comentário sobre a edição. Não
costumo falar muito disso nos livros que leio, porque em sua maioria são livros
digitais, mas não podia deixar de mencionar como a nova edição de O prisioneiro do Céu é linda. A
ilustração da capa tem uma resolução perfeita apesar da provável idade da
fotografia. Além disso, a atmosfera misteriosa de uma manhã nublada e úmida
pelas ramblas[1] de Barcelona
combina perfeitamente com a atmosfera que Zafón dá às suas histórias. A capa é
ao mesmo tempo bonita, elegante e combina com sua narrativa. Digo seguramente que é o livro mais bonito
da minha biblioteca.
A edição lida é da Editora
Suma de Letras, do ano de 2017 e possui 270 páginas. Abaixo você pode conferir
uma prévia do livro disponível no Google Books.
Preview do Google Books
Postagens Relacionadas
[1]Ruas
largas e com grande movimentação de pedestres.