sábado, 7 de março de 2015

Lugar Nenhum - Neil Gaiman - Resenha


Por Eric Silva para a Conhecer Tudo
Nobreza e indigência se misturam no livro de Neil Gaiman que criou dentro de Lugar Nenhum todo um universo singular e irracional - ainda que no caos se encontre alguma ordem lógica – mas capaz de prender a atenção justamente por seus espaços e personagens inusitados.

Em Lugar Nenhum Gaiman imagina uma cidade subterrânea que pulsa e fervilha em vida no interior da rede labiríntica de galerias de esgotos, nos tuneis de metrô a muito selados e esquecidos e em outros ainda em intensa atividade, além de em lugares a muito abandonados e condenados a demolição da secular capital londrina. Esse conjunto inusitados de lugares estranhamente conectados entre si comporão assim como um Frankenstein a Londres-de-baixo, a cidade que vive abaixo de Londres. Uma outra Londres que abriga criaturas estranhas que se esgueiram na escuridão lamacenta ou na nevoa mais densa, e que também é o lar e domínio de pessoas que apesar de maltrapilhas e cobertas de sujeiras carregam consigo a mesma altivez que outrora tiveram os nobres ingleses do século XVII.

Mas se não bastasse singular universo, as pessoas que vivem e partilham da mágica às avessas deste lugar imaginado pela fértil mente de Neil Gaiman são também completamente invisíveis – como se não existissem – ao olhar daqueles que pertencem a Londres-de-cima, e como mal infeccioso, aqueles que são da Londres-de-cima e muito se envolvem com este mundo também passam a pertencer a Londres-de-baixo deixando de existir na cidade da superfície. É o que acontece a Richard um rapaz que saiu do interior para trabalhar na capital inglesa e lá vive uma vida enfadonha e acomodada ao lado de uma noiva tão promissora quanto ditadora, cujo nome é Jessica. Entretanto tudo muda para o rapaz quando ele na companhia da noiva encontra uma moça ferida caída na calçada e que do nada parecia ter simplesmente surgido na sua frente. A moça é Door, uma garota da Londres-de-baixo e que fugindo de dois implacáveis assassinos de aluguel que eliminou toda a sua família consegue escapar graças a seu dom de abrir portas até mesmo onde elas nem se quer existem. Decidido a ajudar a desconhecida, Richard deixa a furiosa noiva pra trás e leva Door para seu apartamento, esse será o seu passaporte para ser também perseguido por uma dupla asquerosa e inescrupulosa de assassinos e adentrar forçosamente o universo da Londres-de-baixo. Ele perderá tudo o que conhece e preza e para recuperar sua vida terá que enfrentar desafios que vão além do que a racionalidade é capaz de aceitar.

Mr. Croup e Mr. Vandemar, dois dos 
principais vilões de Lugar Nenhum.

Lugar Nenhum é uma história povoada por personagens que de tão singulares podem ser fantásticos como o oportunista Marquês de Carabas, o “homem-pássaro” Old Bailey, e a dupla criminosa: o senhor Croup e senhor Vandemar. Porém os personagens principais ficam um pouco a desejar. A minha primeira impressão de Richard – impressão que permeia boa parte da narrativa – é a de um homem fraco e sem determinação, um verdadeiro idiota – talvez seria melhor chama-lo de ingênuo – que cai de paraquedas na mais terrível e impressionante aventura de sua vida e que o forçará a amadurecer. Door é mais determinada, mas um pouco sem sal, transitando da menina indefesa e sozinha no mundo para a garota determinada a conseguir vingar a morte prematura de toda sua família. Mas os lugares que servem de cenário às aventura travada por eles é o suficiente para fazer interessante a história. Cada novo lugar percorrido é um novo mistério, um novo perigo eminente e cada novo passo é cercado de incertezas, nada parece real, mas traz consequências concretas, a pior delas: a morte.

HMS Belfast, navio-museu pertencente à Marinha Real Britânica, 
é um importante cartão postal londrino e que encontra ancorado
permanentemente nas margens do Tâmisa. Em Lugar Nenhum,
o navio é o local escolhido para a realização de uma das 
edições do  Mercado Flutuante, importante e itinerante ponto de
encontro  e trocas comerciais na Londres-de-Baixo.  
Fonte: Wikimedia Commons.
Confesso que aprendi muito sobre Londres (a de cima) e que achei fantástica a capacidade criativa do autor para criar lugares, e parece que seu foco era esse mesmo,  focar nos lugares - o que faz com que o titulo seja bem sugestivo - criar um mundo completamente novo, bem adverso ao nosso e ao mesmo tempo impregnado pelos mesmos problemas, pelos mesmos sentimentos mesquinhos, individualistas, mas cabendo o lugar para ações e sentimentos mais nobres.

            Essa habilidade de criar mundos novos e fantásticos parece ser o grande talento do autor que também nos presenteou com outro universo singular – um pouco mais modesto mas ainda assim fantástico – em Stardust (O Mistério da Estrela: Stardust) que foi adaptado para o cinema e que assim como em Lugar Nenhum se encontra separado do mundo real, dessa vez porém por um muro.

Indico para quem gosta de literatura fantástica – como eu – e que queira conhecer um mundo novo, para quem quiser saber muito sobre Londres e sua história – quase me senti um londrino – mas advirto que não é o melhor livro de Neil Gaiman.

As edição lida foi digital sem procedência conhecida. 571 locations (padrão epub) através do aplicativo calibre para PC.

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