Por Eric Silva
Mais uma releitura dos clássicos contos de fadas, em uma
edição luxuosa e ricamente ilustrada, A
Bela e a Adormecida, livro do escritor britânico Neil Gaiman, busca
recontar duas histórias mundialmente conhecidas através de um olhar mais
moderno e atualizado e com uma proposta de enredo revolucionária para o gênero,
mas que peca por sua narração mecânica e pouco envolvente.
Sinopse
No reino mais próximo, uma
poderosa magia está envolvendo a todos em um sono eterno. Munida de armadura e
espada e na companhia de três corajosos anões, a Rainha abandona os
preparativos de seu casamento e parte em busca de descobrir a origem daquele
mal que ameaçava também sobre seu reino.
Resenha
Conheci o trabalho do
escritor britânico Neil Gaiman ainda em 2015, quando li Lugar Nenhum, um de seus livros de maior sucesso no Brasil e que,
recentemente, foi republicado pela editora Intrínseca. Lembro que na época
achei muito criativo o universo criado pelo autor para compor o cenário da história,
na qual um simples e fracassado funcionário de escritório se vê, contra a sua
vontade, envolvido em uma trama perigosa de perseguição em um mundo subterrâneo
que jamais imaginaria que existisse. Uma combinação de fantasia, com gótico e
pitadas de humor e terror.
Sem dúvidas, Lugar Nenhum é um bom livro e me fez
ficar interessado na obra do autor mundialmente conhecido. É verdade que, de lá
para cá, não tive oportunidade de ler outro livro do autor, sobretudo porque
estive ocupado com outros livros e com a campanha do #AnoDaEspanha e agora do
#AnoDoBrasil. Mas foi esse desejo de retornar a Gaiman, que fez com que A Bela e a Adormecida me chamasse a
atenção quando a editora Rocco anunciou seu lançamento no Brasil.
A Bela e a Adormecida
é um livro esteticamente muito bonito, com suas ilustrações detalhistas e
luxuosas e com uma proposta revolucionária de releitura dos contos da Branca de
Neve e da Bela Adormecida, mas que pecou pela narração um tanto fria e sem
sabor. Vou explicar.
Neste livro, Branca de Neve –
que na história não é chamada por esse nome, ficando subentendido – já é rainha
e está prestes a se casar, apesar de parecer não estar muito feliz com a
situação. Mas é nas vésperas de seu casamento que três anões procuram-na para
avisá-la de uma maldição que está assolando o reino vizinho, colocando seus
habitantes em um sono que durava décadas, e que, em breve, poderia recair também
sob os domínios da rainha, levando seus súditos a terem destino igual.
Eis que, muito decidida do
que tinha que fazer, a rainha adia seu casamento, toma medidas preventivas para
que seu reino não fosse acometido pela maldição durante sua ausência e, tomando
sua cota de malha e sua espada, parte com os anões para o reino vizinho em
busca da origem daquele mal que ameaça seu povo.
É com a atitude decidida da
rainha que logo de início percebemos que A
Bela e a Adormecida é um conto de fadas diferente, sem príncipes e feito de
mulheres fortes. A rainha, principalmente, é uma personagem forte, altiva e
corajosa. O espelho de uma mulher de ação que não está disposta a esperar por
um pretenso príncipe que venha ao seu socorro e que mude sua vida. Ela o faz por
si mesma.
Além disso, o livro traz à
tona, em suas entrelinhas, uma discussão de gênero importantíssima. Há nele uma
busca clara de quebrar com uma lógica tradicionalista em que contos de fadas
devem ser sempre histórias de amor e cujos personagens centrais,
invariavelmente, são casais de príncipes e princesas, onde, os primeiros são os
heróis da trama e elas, as donzelas em perigo, incapazes de se defender. Quebra
também a convenção de que o desejo da princesa é sempre encontrar um príncipe
perfeito, casar-se e “viver felizes para sempre”.
A nossa personagem, é uma
mulher moderna e com outras prioridades que não são o matrimônio ou a
maternidade. Nestes pontos o livro é notável e bastante moderno, alinhado a
nossa época, além de trazer um desfecho completamente novo em relação ao conto
original, mas isso não foi o suficiente para mim.
Fiquei sabendo, inclusive,
que Gaiman vem sendo muito criticado por algumas pessoas mais tradicionalistas
e conservadoras, que viram com maus olhos [SPOILER
em itálico] um beijo que acontece
entre Branca de Neve e a Bela Adormecida já próximo do desfecho da história.
Porém, minha crítica não é nesse sentido.
Riqueza de detalhes nas ilustrações de Chris Riddell desenhadas em preto, branco, e as vezes em dourado escurecido. |
O livro é muito bem
ilustrado, um luxo, o que deixou a edição bonita, chamativa, um convite
tentador para que peguemos o livro e comecemos a ler. Tenho certeza que por
parte das ilustrações o livro deve ter agradado amplamente os seus leitores. Mas para mim um bom livro é feito pela
aliança equilibrada de um bom enredo[1] (a história em si),
personagens bem construídos e uma boa narração[2] ou escrita (a forma como a
história é contada, o modo de narrar). Se narração e enredo se harmonizam
e são de boa qualidade, e se os personagens apresentam uma boa construção,
tem-se, no meu ponto de vista, um bom livro.
Em A Bela e a Adormecida faltou o quesito narração que ficou um tanto
crua, sem emoção na apresentação dos fatos e um pouco sem beleza estética.
Condene-me quem quiser, mas isso é essencial, principalmente em um conto de
fadas, onde o envolvimento e a atmosfera mágica é feita através da palavra.
Além disso, mesmo o enredo me
frustrou um pouquinho. Li o livro de Gaiman todo em pouco mais de duas horas e
nenhum momento me senti envolvido por ele. É certo que, pela extensão e pelo
gênero, a ideia é de que todo o livro seja nada mais do que um conto, sem
muitos aprofundamentos, mas o livro frustrou todas as minhas expectativas. Esperava por uma história ainda mais
criativa e com muito mais desdobramentos, como em Lugar Nenhum. Esperava uma história que fosse bem mais longe, não se limitando a
apenas recontar uma história antiga com alguns elementos novos e de um modo
mais moderno e antenado com os novos contextos.
Vivemos uma era em que a mulher já não é mais o sexo
frágil e vem conquistando com muita luta o seu merecido espaço e, por isso,
parabenizo o autor pela iniciativa de quebrar tabus, mas esperava uma história
mais elaborada e com mais sentimento, com uma narrativa mais envolvente,
instigante e que desse mais brilho e emoção a uma ideia que já era boa.
Infelizmente não foi assim.
A edição lida é da Editora
Rocco, do ano de 2015 e possui 72 páginas. Ilustrações de Chris Riddell.
Abaixo você pode conferir uma
prévia do livro disponível no Google Books e um vídeo promocional onde o autor
e ilustrador falam sobre a obra.
Vídeo
Prévia no Google
Conheça nossas comunidades sobre literatura no Google Plus e no Facebook
http://conhecertudoemais.blogspot.com/2016/12/as-comunidades-do-conhecer-tudo.html
[1]Sucessão
de acontecimentos que constituem a ação, em uma produção literária (história,
novela, conto etc.); entrecho, trama. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)
[2]
Ato de narrar. = NARRAÇÃO. (Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa).
Nenhum comentário:
Postar um comentário