Por Eric Silva
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resenha nos comentários.
“Sou shotet. Sou tão afiado e frágil quanto vidro
quebrado. Conto mentiras melhor do que digo a verdade. Vejo tudo da galáxia e
nunca tive um vislumbre dela”.
(Crave a Marca – Veronica Roth)
Nações em guerra, viagens intergalácticas, vários mundos
e uma poderosa força que, sempre se fazendo presente, influencia a vida de
todos. Pode parecer coisa de Star Wars, mas não é. A resenha de hoje vai falar
de Crave a Marca, um dos últimos livros da autora estadunidense Veronica Roth
que ficou mundialmente conhecida pela série Divergente. Dessa vez, a aposta da
autora é em uma nova duologia onde fantasia e ficção científica se misturam
para compor uma trama de luta pela sobrevivência.
Sinopse
Um planeta dividido e
influenciado por uma força poderosa e mística, Thuvhe é o lar de dois povos
inimigos que disputam o controle do território: shotet e thuvhesitas. Ao longo
da história desta disputa ambos os lados tiveram muitas perdas, mas é na última
invasão shotet que Akos e sua família tem a vida revirada de ponta-cabeça. Com
o pai morto e levado com seu irmão para o território adversário, é na vida de
prisioneiro e na amizade improvável com um dos inimigos que o rapaz descobre
que não existe lugar para honra na sobrevivência.
Resenha
De antemão gostaria de
ressaltar que não li Divergente, e, ainda que eu tenha assistido a todos os
filmes da adaptação cinematográfica da série, não considero isso suficiente
para tecer comparações, por isso não as farei.
Crave a Marca é o primeiro
livro de uma duologia que se ambienta em um planeta dividido por duas potências
antagonistas: a nação dos shotet e a dos thuvhesitas. Dois povos muito
distintos entre si, como Esparta era de Atenas, e que se encontravam separados
por uma grande plantação de capim-pena, uma planta causadora de alucinações que
impedia que qualquer um atravessasse para o outro lado ao seu bel-prazer. Isso
porém nunca impediu que o lado thuvhesita fosse invadido pelos guerreiros
shotet.
Neste universo, onde Thuvhe
era só mais um dos vários planetas, cada um dos corpos celestes são influenciados
pela força poderosa de um fenômeno natural visível apenas através de um fluxo
constante no espaço e que é chamado apenas de “a corrente”. Uma força não só
empregada em naves, armas e máquinas como capaz de dotar cada pessoa do sistema
solar com um poder singular. Um destes poderes era a capacidade de ver as
várias ramificações e possibilidades do futuro, sendo que as poucas pessoas que
tinham um futuro imutável, ou melhor, que convergia sempre para um mesmo
resultado tantas fossem as variações, eram chamadas de afortunadas, sendo que
suas “fortunas” eram guardadas como segredo de Estado.
É quando o futuro de todos os
afortunados é revelado que a vida do thuvhesita Akos Kereseth e sua família
vira de ponta a cabeça. Sequestrados por soldados shotet, ele e o irmão são
levados para território inimigo e feitos cativos pelo líder shotet, o sádico
Ryzek Noavek.
Ali, Akos descobre não só a
triste fortuna que o ligava a família Noavek, mas também que sua irmão era a
chave para os planos de dominação do ditador Shotet. Cativo, mas treinado
militarmente, com o passar dos anos, Akos busca sobreviver e fugir com o irmão
consigo, e graças ao seu dom peculiar o rapaz se torna próximo da temida e
perigosa Cyra Noavek, a única irmã de Ryzek e única chance de fuga dos irmãos
Kereseth.
A primeira coisa que chama a
atenção no novo livro de Veronica Roth, que no Brasil foi publicado pela
editora Rocco, é sem dúvida a capa com suas marcas irregulares feitas sobre um
fundo azul-brilhante e de onde escorre um “sangue” furta-cor. Quem lê o livro
logo percebe que cada um dos elementos que estão naquela capa possui um
significado na história e não estão ali apenas para serem bonitas. Mas para
mim, o que mais chamou a atenção foi o slogan (“não há lugar para honra na
sobrevivência”) que em conjunto com o título – propositadamente escrito no
imperativo – desperta em que ler aquela sensação de se deparar com alguém de
jeito militarizado. Mesmo isso tem significado na história ao apresentar ainda
na capa o jeito shotet de ser: autoritário, militar e destemido.
Mas falando um pouco das características gerais do livro
e da minha opinião sobre ele, que ressalto de antemão que não são conclusivas,
haja vista que é uma série que ainda não li por completo, e nem absolutas e
definitivas, porque cada história imprime em cada pessoa uma experiência e
opinião diferente. Mas sendo objetivo. Crave a Marca é um livro comum, um tanto
destemperado, e que na maior parte do tempo pareceu mais a ambientação[1],
ou introdução, como preferirem, para o livro seguinte – um preâmbulo de mais de
400 páginas. Essa é a primeira sensação que tive e que persistiu por muito
tempo.
O livro tem tudo para ser bom, e a autora me parece
criativa na criação de seus universos, sendo que estes além de bem construídos,
não parecem deixar lacunas ou aspectos mal explicados. Isso por si só já é bastante positivo. Mas a história de
Crave a Marca, sobretudo, pelos seus
personagens e pela pouca mobilidade da narrativa ao longo de seus primeiros
60%, não conseguiu me cativar e me deu essa impressão de uma eterna expectativa
para um algo a mais que nunca chegava. Faltou dinamismo. O que temos é um livro formado de pequenos clímax e momentos de tensão
que se espalham pela história, mas sem que nada se torne conclusivo ou aponte
para a conclusão.
A autora |
Ao contrário de Cyra, o seu
par, Akos, é pintado em cores mais desbotadas. Ele quer salvar o irmão e a autora pareceu querer desenhá-lo como
alguém decidido, determinado, mas não me convenceu. Ele vai ganhar mais
força à medida que caminhamos para o desfecho, mas ainda assim não conseguiu
conquistar minha atenção. Outros personagens como Teka, que possui um gênio
difícil, semelhante ao da protagonista, se destacam por se distanciar da apatia
que reconheço na maioria do elenco, mas não ganham muito espaço na história
para ter um desenvolvimento completo, mas que provavelmente terão no segundo
livro.
Uma coisa curiosa no livro de Veronica é que ela trabalha
com dois focos narrativos diferentes.
Nos capítulos com o nome de Akos, a narrativa é contada em terceira pessoa.
Naqueles com o nome de Cyra, o foco narrativo está em primeira pessoa, sendo
ela o narrador personagem. O resultado direto disso é que este personagem ficou
melhor caracterizado e mais forte na trama.
Uma referência que muita
gente tem encontrado no livro é ao universo dos filmes de Star Wars, porque o
conceito da corrente lembra bastante a Força
usada pelos mestres jedi da obra de George Lucas, mas tem diferenças bem
demarcadas que diluem a referência.
Outra coisa que tem chamado a
atenção do pessoal é um suposto “racismo” na construção do universo da história
em que os shotet, vistos como bárbaros pelos thuvhesitas, teriam pele morena
enquanto os thuvhesitas, vistos como mais “civilizados” teriam pele mais clara.
Primeiro acho que o pessoal não atentou para algumas passagens como estas:
“Tudo que eu sabia sobe o povo thuvhesita – além do fato de serem nossos
inimigos – era que tinham a pele fina, fácil de perfurar com uma lâmina, e se
refestelavam nas flores-do-gelo, a seiva vital de sua economia”.
“Muitos shotet tinham sangue misturado, então não era surpreendente –
minha pele tinha um tom amarronzado, quase dourado sob certas luzes”.
Como meu livro é digital pude
pesquisar todas as vezes em que o termo “pele” foi citado e em nenhuma se
afirma que os thuvhesitas eram brancos e os shotet negros, mas que a pele dos
primeiros eram sensíveis (fina), algo ruim quando se é um guerreiro, o que os
shotet viam como desvantagem e até certo preconceito. Porém pele fina não é
sinônimo de pele branca, ainda mais quando se vem de uma região gelada do
planeta onde se é pouco exposto ao sol. O irmão de Akos, Eijeh, por exemplo, é
descrito como tendo “pele marrom clara,
como a terra leitosa do planeta Zold”. Se há alguma referência racista eu
não a encontrei. O que eu encontrei foi miscigenação, misturas de linhagens e
raças, porém citada apenas quanto aos shotet, porque todas as referências vem
dos capítulos de Cyra. E só para encerrar esse assunto, tudo na narrativa
indica que Akos tem ascendência shotet e ele é o único descrito realmente como
branco.
Não li Divergente e depois de conhecer o filme e
sobretudo o último (e pior deles) não tenho desejo de tentar. Não porque ache
que foi de todo ruim, não, o final é meio decepcionante, mas o universo criado
é singular e interessante. Confesso, inclusive, que o final do segundo filme e
o iniciozinho do terceiro me pegaram de surpresa, mas não sinto vontade de ir
aos livros da série porque tenho dezenas de outros livros bastante promissores
na lista de leitura que quero muito ler, e cujas histórias ainda desconheço.
Por isso, quis ler Crave a Marca quando ele ainda era um mistério. Assim
conheceria o estilo da autora sem as mil referências da obra vinda dos fãs ou
de adaptações. É chato ler um livro que você já conhece o final. É preciso
estar muito apaixonado para isso.
Pretendo ler a continuação de Crave a Marca porque já no
final da história a autora solta algumas revelações (uma delas bem inesperada)
e que podem mudar o curso da narrativa no futuro, mas espero que o próximo seja
mais dinâmico e que os personagens tenham uma construção mais sólida e menos
apática.
A edição lida é digital, da
Editora Rocco, do ano de 2017. A versão impressa possui 480 páginas. Abaixo
você pode conferir uma prévia do livro disponível no Google Books.
Prévia do Google Books
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[1] Ambientar significa “adequar(-se), adaptar(-se) a um ambiente” ou, então, “ter
a ação passada em; desenrolar-se” (Houaiss, 2001), mas costumo usar o termo
ambientação de forma indiscriminada em minhas resenhas. Todavia, sempre uso o
termo com o significado de preparação ou apresentação, ou seja, o processo em
que o autor apresenta todo o universo de sua narrativa desde personagens, a
cenários, a problemática, e etc. O uso do termo pode até ser pouco adequado,
mas já se incorporou e tomou essa significação em minha retórica.
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