Por Eric Silva
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Com um título inspirado, Absolutos: Sinfonia da Destruição é o último lançamento do selo
editorial do blog A Taverna. Um space
opera dinâmico e criativo e que dá início a série escrita pelo brasileiro
Rodolfo Salles, com milhares de leitores na plataforma Wattpad.
Sinopse
estendida
Em um futuro muito distante
os seres humanos já não vivem isolados no planeta Terra. Viagens interestelares,
bem como o contato com espécies alienígenas já são uma realidade, e devido a
esses contatos muitas guerras e batalhas foram travadas até que as diferentes
raças descobrissem uma maneira de coexistirem.
Érico é um jovem hacker que
vive na pequena lua de Miesac, com seus
irmãos adotivos Vexel, uma corredora profissional, e Miro, uma versão futurista
de youtuber. Quando ainda era muito pequeno, o rapaz havia sido enviado àquela
lua em uma cápsula de fuga por sua irmã biológica, Daina, para que escapasse do
ataque alienígena que destruiria seu planeta natal. Resgatado pelos dois irmãos,
Érico cresce em Miesac com o sonho de se tornar um caçador de relíquias,
uma espécie de aventureiro intergaláctico que, em grupos, esquadrinha o Espaço
em busca de artefatos antigos, raros e de grande valor. Porém alguns mistérios
perturbam a mente do rapaz, cujo passado é praticamente desconhecido. O
principal deles é o significado de um conjunto de tatuagens que ele possui por
todo o corpo desde quando se lembrava.
É buscando respostas sobre seu
passado e sobre as misteriosas tatuagens que Érico se aproxima de uma conhecida
e poderosa irmandade hacker que lhe coloca em contato com uma entidade
cibernética chamada Decifradora. Somente a Decifradora poderia
ter respostas sobre o significado das tatuagens e com a ajuda da irmandade e de
seus dois irmãos, Érico localiza a entidade que lhe faz revelações ainda mais
perturbadoras.
O rapaz descobre que na verdade é um
ser temido pelas mais poderosas organizações do Universo e que de tempos em
tempos é responsável por trazer caos e destruição. Ele é um absoluto,
único ser capaz de controlar uma poderosa e elementar forma de energia
universal: o Campus.
De tão temível, a história dos Absolutos
precedentes é censurada e sistematicamente apagada dos bancos de dados digitais
de todo o universo. A existência de um absoluto é uma ameaça para o
universo e deve ser extirpada, e se o poder de Érico despertasse ele também
traria caos e destruição. Diante da previsão de um destino nefasto, Érico
deseja ver-se livre daquele poder, mas para isso ele deveria encontrar um Desbravador,
um tipo de hacker que tivera sua consciência digitalizada e “elevada” para o
mundo virtual, permitindo-lhe acumular uma grande gama de conhecimentos. Apenas
um Desbravador pode mudar o destino gravado naquelas tatuagens, mas
encontrá-lo é um imenso desafio e Érico precisa se aventurar pela galáxia e ao
mesmo tempo fugir de uma poderosa organização que deseja a sua destruição.
Resenha
Absolutos:
uma space opera nacional
Primeiro volume da trilogia Absolutos, de Rodolfo Salles, Sinfonia da destruição é um space opera nacional que carrega todas
as principais características de seu gênero e não faz feio quando se trata de
criatividade, diversidade e poder imaginativo.
Ainda que sobre-existam
alguns pequenos problemas em seu texto, publicado pela primeira vez em
fevereiro de 2016, de forma independente, através da plataforma Wattpad, esse é
um livro de qualidade evidente, não é à toa que na plataforma de textos ele
possua mais de 28 mil leituras e tenha ficado em décimo lugar no ranking de
livros de Ficção Científica do Wattpad em junho de 2017[1].
Atualmente, dentro do
universo literário, tenho observado que o space
opera, com suas viagens intergalácticas, planetas e formas de vidas
exóticos, tem perdido espaço para as histórias de distopias tecnológicas
geralmente situadas numa Terra destruída ou em colapso social ou ambiental,
como muitas das histórias do gênero cyberpunk,
que vem fazendo sucesso no mercado editorial internacional. Rodolfo, porém,
aposta no retorno de um subgênero que contagiou muitas gerações e que
presenteou o mundo geek com obras
memoráveis como a série Fundação, de
Isaac Asimov, na literatura, e, no cinema, com franquias como Star Trek (Jornada nas Estrelas), de Gene Roddenberry, e Star Wars (Guerra nas Estrelas),
de George Lucas.
A proposta do livro é recheada de
ideias criativas e originais. Ela, obviamente, se inspira no universo space opera do qual se origina, como a ideia de uma criatura titânica em forma de
verme subterrâneo que me fez lembrar do universo de Duna, criado por Frank
Herbert. Contudo, as respostas para a tecnologia, a proposta de um universo
anárquico e o conjunto de espécies criadas pelo autor são originalíssimas. Além
disso, a proposta sobre a qual foi criada a imagem do que é ser um Absoluto é
muito instigante.
Achei divertida a forma como
a trama brinca com a natureza e importância dos Absolutos. Eles certamente são
tiranos sanguinários, mas seriam realmente obscuros os seus propósitos? Além
disso, eles são cercados de mistérios. Do outro lado, temos Érico, que parece
ser uma contradição no conjunto de Absolutos. Mas ele continuará sendo a ovelha negra da família? Ou cederá a sua
herança histórica, tornando-se mais um temível tirano e o vilão de sua própria
trama? Ou ainda, dominará seus dons, usando-os para um propósito maior? Muitas
dúvidas permeiam a história de Érico e seu futuro. Ademais, a narrativa de Sinfonia da Destruição possui muitos
outros mistérios e pontos obscuros que instigam a leitura completa da série.
Muitas
espécies e personagens
Como não podia ser diferente,
Rodolfo reserva um grande espaço em sua narrativa para a descrição não apenas
do universo que ele cria para abrigar sua trama, como das muitas sociedades e
espécies de seres vivos que nele habitam. Humanos, ánimas, tharinos, nobas,
léstaris e muitos outros, cada qual com suas características e peculiaridades
específica, povoam uma galáxia regimentada por uma forma de anarquia universal.
Mas de todas as espécies, certamente, a que mais chama atenção são os tharinos, espécie bípede que só se diferenciava dos humanos pela “sua pele extremamente branca, lisa e seus
olhos amarelos como girassóis”, além, é claro, da sua capacidade de abrir e
selar portais que levavam a qualquer ponto do universo.
Personagens principais. da esquerda para direita: Érico, Darwin, Camilo e Alopex |
Semelhante ao que o escritor
Felipe Castilho faz em seu livro a Ordem Vermelha:
filhos da degradação, Rodolfo cria
um núcleo de personagens centrais com representantes de cada uma das espécies
mais importantes, mas coloca um humano como seu protagonista.
Érico é antes de mais nada um
sonhador, alguém sedento por ação e aventura e, por isso, na maior parte do
tempo ele se demonstra muito empolgado, mesmo quando o seu destino se mostra um
fardo preocupante. Muito jovem, a imagem que se pode ter de Érico é de alguém
ainda imaturo e demasiadamente otimista. Porém, ele é também uma pessoa de
ação, apegado à família, fiel e também corajoso, ainda que, por vezes, se
demonstre bastante egoísta, sobretudo quando quer embarcar as pessoas em suas
aventuras, mesmo quando estas claramente não estão dispostas a fazê-lo. Ele é
assim com Camilo, um veterano de guerra que atormentado pelas muitas mortes que
provocara em seu passado e, por isso, decidiu abandonar o trabalho de piloto de
naves espaciais.
Camilo vivia isolado em um
planeta inóspito onde montava espaçonaves com sucata vinda do espaço para
depois revendê-las. Érico entra em sua vida de forma súbita e acaba
arrastando-o contra vontade para sua aventura pelo espaço. O mesmo se dá com a
ánima Alopex que por muito tempo se encontrou confinada em um laboratório abandonado
e também é arrastada por Érico. Alopex como qualquer ánima tem um aspecto muito
animalesco e até primitivo que não chega a se desenvolver “muito intelectualmente, passando a maior parte de sua vida agindo por
instintos e inseridos em rotinas escolhidas por eles”. Apesar de agressiva,
briguenta e irritadiça, a ánima se demonstra uma amiga zelosa e protetora.
Há ainda a tharina Darwin, uma criminosa irônica e
de personalidade muito forte que salva a vida do rapaz em troca de sua própria
liberdade e o impressiona com suas capacidades incríveis de teletransporte
através de portais.
Muitos outros personagens
importantes compõem a história, como o Tenente Hathor e os irmãos Vexel e Miro,
além de outros que vão emergindo na trama ao longo de seu desenvolvendo e vão
ocupando papéis estratégicos na mesma.
Edificando
mundos: estética, narração e temáticas
Narrado em terceira pessoa, Sinfonia da Destruição possui alguns
contrastes entre narração e diálogo que me chamaram a atenção logo nas
primeiras páginas. Quando se analisa o narrador onisciente logo se nota que a
forma como os mundos, as raças, a tecnologia e as ações dos personagens são
descritos difere bastante da linguagem adotada por vários de seus personagens.
Sobretudo Érico e Miro, por
serem personagens muito jovens, possuem uma linguagem muito despojada e
coloquial comum aos adolescentes e que contrasta profundamente com a linguagem
bem mais rebuscada de seu narrador. Contudo, os dois não são os únicos a terem
uma linguagem contrastante. Outros personagens também apresentam linguagens
pouco desenvolvidas ou coloquiais como Alopex, por ser uma ánima, e também Eurália,
uma evox (ser com inteligência artificial) que devido a um defeito em seu
sistema operacional tinha dificuldades de aprendizagem. O resultado final
obtido pelo autor é uma mescla de estilos linguísticos que se tornam próprios
dos personagens caracterizando-os e que, ao mesmo tempo, diverge do tom mais
rebuscado da narração.
Entretanto, quando digo que a
narração é mais rebuscada, não quero
dizer com isso que Sinfonia da Destruição
seja um livro difícil de ler. Pelo contrário, sua linguagem é leve e não chega a ser erudita, como nos clássicos.
Uso o termo rebuscado em oposição a
uma linguagem cotidiana, gramaticalmente incorreta e de vocabulário pobre,
aspectos marcantes na forma de falar de Alopex e Eurália. Rodolfo escreve muito bem e seu texto flui com facilidade não sendo
cansativa a leitura. Mesmo nas passagens mais descritivas (essenciais na
ficção científica) o texto não se torna enfadonho ou desestimulante.
Não vejo grandes problemas na
escrita deste primeiro livro da série, mas algo que me chamou a atenção foi, no
entanto, muito pontual, e está relacionado a uma única cena um pouco mais
romântica entre Darwin e Érico, já no meio da narrativa.
Nessa passagem, inicialmente
de ação, os dois personagens passam muito abruptamente de uma situação de
tensão, risco e espanto, para um momento mais relaxado e nostálgico, e de novo
para uma situação de perigo e ameaça. O que me incomodou na cena foi sua
transição emocional um tanto repentina que, no momento da leitura, me causou
certo estranhamento.
Senti o esforço de Rodolfo
para tornar natural a transição da primeira situação para a segunda, porém a
mudança de “humores” dos dois personagens não soou muito bem integrados. Faltou
um pouco mais de “gradatividade”
(neologismos!!) que fariam com que o humor de ambos não mudasse de forma súbita
ou inesperada. O cenário criado é espetacular e a forma como essa passagem
acaba é quase um épico, mas a transição da ação
para o nostálgico romântico precisava
de mais suavidade, descrevendo também como a tharina foi passando da tensão de uma situação inesperada e ilógica,
para um momento mais contemplativo e de recordação do passado. A transição de Érico
foi bem descrita, mas há um apagão em
relação a Darwin e desse ponto emergiu meu estranhamento.
Por sua vez, quanto a
temática, o livro fala de liberdade e
destino. Seriamos nós mesmos os
responsáveis pelo caminho que trilhamos, ou ele já foi traçado como nos
desenhos de uma tatuagem e seriam como os desenhos: permanentes e inalteráveis?
Pode até não ter sido a
intenção do autor, mas as tatuagens de Érico é também uma metáfora sobre o
destino e o que fazemos de nosso futuro. Somos
ou não donos de nossos destinos? Essa é a grande questão que permeia toda a
história de Sinfonia da Destruição e
tira o sono de seu protagonista que teme a si e a seu futuro, mais do que
qualquer adversidade que se entreponha em seu caminho.
Contudo, se destino é o tema
principal, Absolutos surpreende pela gama de subtemas que enriquecem um
universo que já foi idealizado para ser amplo e diverso. Não se trata
apenas de uma narrativa de viagens intergalácticas, planetas exóticos e seres
além da imaginação. Censura, tecnologia, Inteligência Artificial (I.A.) e
“emancipação tecno-robótica”, realidade virtual, ciberpirataria e irmandades
hackers, política, conspirações, ditaduras, anarquismo e corrupção são alguns
dos muitos subtemas que permeiam e atravessam a trama de aventuras, tornando-a
mais eclética e rica. Essa diversidade é, para mim, o maior ponto do livro.
Mas se de um lado gosto de tramas complexas e que
desafiam o seu leitor, de outro concordo que o elemento
fundamental para uma história de fantasia ou de ficção científica é, na verdade,
o quão criativo o escritor é ao idealizar mundos e realidades capazes de fazer
o leitor imaginar lugares exóticos sem, no entanto, perder verossimilhança.
Galáxia Eidola, o cenário da trama da série. |
Para mim, o mais fantástico
nos livros de ficção científica é a criação de um mundo em toda a sua
complexidade. Ali o escritor se torna um deus que edifica a realidade como numa
sinfonia da criação (desculpem-me o
trocadilho) e convida o leitor a sonhar com universos para além da
imaginação. Rodolfo parece compreender isso muito bem e concebe um universo de
maravilhas, criando em seu livro construções sofisticadas e originais para
compor tecnologias e mundos.
Para mim – e isso é uma nota
puramente pessoal – a história de Érico não é tão importante quanto contemplar
o universo grandioso criado para abrigá-la. Digo isso, porque não é na trama
que reside a beleza da ficção científica, mas na criatividade empregada para
criar um universo fantástico e verossímil que desafie a mente humana e faça-a
sonhar. Ficção científica é antes de
tudo um sonho, uma utopia (ou distopia) cheia de maravilhas.
Rodolfo é certamente um
talento criativo que com o tempo se tornará ainda mais afiado e o primeiro
volume de Absolutos é um prenúncio
disso. Os poucos pontos fracos da narrativa estão ainda na pouca experiência
que qualquer escritor em começo de carreira deixa transparecer nos seus
primeiros escritos. Pequenos deslizes gramaticais e alguns pontos e diálogos
com desenvolvimento apressado são algumas dessas fraquezas, mas que só muito
raramente sobrepujam o conjunto. Todavia é o exercício da pena que faz o
escritor.
O desfecho – como era de se esperar em uma trilogia –
deixa várias perguntas em aberto e faz revelações extremamente importantes para
a continuação da trama. Apenas a leitura do segundo volume permitirá descobrir
os caminhos que serão trilhados e se Érico poderá de fato decidir o seu
destino.
A segunda edição também promete a ascensão de um
arqui-inimigo para Érico, mas fica obscuro se este de fato representaria as
forças do bem. De qualquer forma, o desfecho de Sinfonia da Destruição é um convite para continuar a leitura e
descobrir novos rincões da galáxia de Eidola e o destino de sua maior
ameaça(?): o absoluto Érico, “o horror
dos céus”.
A edição lida é digital, do
selo editorial Histórias d’A Taverna, do ano de 2018, e possui 447 páginas.
Sobre
o autor
Rodolfo Salles é escritor de ficção fantástica e colaborador do
blog A Taverna. Designer especialista em produção de vídeos, nasceu e mora em
São Paulo. Escreve desde criança, período onde começou a criar mundos
fantásticos e lúdicos. Com o surgimento do Wattpad, o que era apenas um hobby
se tornou parte fundamental de sua vida. Devido ao sucesso de sua obra na
plataforma, decidiu relançá-la em versão profissional como autor independente.
Após ganhar o prêmio Wattys na plataforma, em 2017, com o conto Último Dia — concorrendo em uma seleção com mais de 280 mil participantes — decidiu explorar novos horizontes profissionais. O conto foi republicado pela revista Trasgo n° 17, enquanto o autor decidiu relançar Absolutos como autor independente pela Amazon, apoiado pelo selo d’A Taverna.
Após ganhar o prêmio Wattys na plataforma, em 2017, com o conto Último Dia — concorrendo em uma seleção com mais de 280 mil participantes — decidiu explorar novos horizontes profissionais. O conto foi republicado pela revista Trasgo n° 17, enquanto o autor decidiu relançar Absolutos como autor independente pela Amazon, apoiado pelo selo d’A Taverna.
Resenha imeeeensa e incrível!! Não esperava menos, hehe. Muito obrigado pela análise caprichada e detalhada da obra, muito feliz que tenha gostado da viagem :)
ResponderExcluirObrigado. O livro é muito bom. Sucesso!!!
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