domingo, 24 de fevereiro de 2019

Norwegian Wood – Haruki Murakami – Resenha


Por Eric Silva
24 de fevereiro de 2019, ano da Itália

“I once had a girl
Or should I say
She once had me”
 (Norwegian Wood, The Beatles)

Está sem tempo para ler? Ouça a nossa resenha, basta clicar no play.


Um tanto melancólico e reflexivo, Norwegian Wood fala de temas como o suicídio e a transição para a vida adulta, tendo em si um enredo com uma veia cômica e uma artéria trágica. Livro do escritor japonês Haruki Murakami esse é um romance de personagens singulares e únicos e com profundas referências à música e a literatura. Confira a resenha desse que foi o livro responsável por catapultar a carreira internacional de seu escritor.

Sinopse do enredo

Toru Watanabe é um jovem universitário que está começando sua vida em uma república masculina. Recém-chegado a Tóquio, Toru ainda não conhece praticamente ninguém na cidade e vive uma vida solitária dedicada aos deveres da faculdade e a analisar as peculiaridades das pessoas com quem passa a conviver.  A única pessoa conhecida na cidade é Naoko, a antiga namorada de seu amigo de adolescência Kizuki antes deste inesperadamente cometer suicídio.

Anos antes do tempo cronológico da narrativa, a morte de Kisuki foi um divisor de águas na vida de Naoko que nunca conseguiu superar a perda do namorado e se tornou uma garota introspectiva, psicologicamente frágil e confusa, mas também foi responsável por aproximá-la de Toru que era sensível a sua dor e não tardou a se apaixonar por ela.  Toru tenta ajudá-la a sair de seu estado de morbidez e eterno luto, mas, na maior parte do tempo, seus diálogos com a moça são cheios de divagações e coisas incompreensíveis enquanto ambos caminham horas a fio e sem destino certo pelas ruas de Tóquio. Até que um dia, por conta de seus traumas, que o desenvolvimento da história mostrará serem bastante profundos, Naoko se interna em uma clínica especializada, abandonando a faculdade e a capital japonesa.

Ainda mais solitário, Toru se envolve com novas pessoas e numa espécie de fuga passa a viver uma vida de bares e sexo sem compromisso, enquanto se corresponde por cartas com Naoko e ocasionalmente a visita na clínica. Ele também conhece Midori, uma garota extremamente animada e excêntrica, o total oposto de Naoko e os dois começam uma amizade que gradativamente vai se estreitando. É entorno da relação de Toru com Naoko e com os outros personagens de personalidades bem marcantes e distintas que o livro de Murakami é construído e, por fim, acaba se revelando um retrato da nossa modernidade e da forma como as pessoas lidam com as perdas e com seus vazios existenciais.

Resenha

Há muito tempo que ouço falar do estrondoso sucesso de Haruki Murakami não só no Japão como no mundo todo e até no Brasil, mas nunca havia lido nada do autor japonês nascido em Quioto, em 1949.  A minha primeira tentativa foi ano passado com a leitura de Caçando Carneiros, mas que abandonei quando estava lá pelos 20% do livro.

Foto: Eric Silva, 2019.
Norwegian Wood foi a minha segunda tentativa de imergir na escrita de Murakami e tentar, com uma cajadada só, entender o seu sucesso e incluí-lo na III Campanha Anual de Literatura que ano passado homenageou a literatura japonesa. Infelizmente não deu tempo de fazer essa inclusão, porque imergir na literatura de Murakami foi custoso e ler Norwegian Wood sem constantes interrupções e abandonos, quase impossível. No final, não deu tempo de incluí-lo no projeto e a resenha de seu livro saí agora quando já vivemos a IV Campanha Anual de Literatura, homenageando dessa vez a literatura italiana.

Norwegian Wood é um livro realista apesar de ficcional, mas que tem muito pouco da tradição contemplativa da literatura japonesa, ainda que traga uma mensagem profunda nas entrelinhas (falarei mais disso) e seja uma trama com um narrador profundamente observador. Todas suas personagens são profundas e muito bem construídas. Posso dizer que elas são bastante excêntricas e distintas entre si, e até certo ponto diferem da imagem típica que costumamos ter dos japoneses.  Por isso, elas não são cansativas apesar da história em si não ter me cativado.

O título faz referência à música homônima dos Beatles lançada em 1965, no álbum Rubber Soul. Além de ser trilha sonora favorita de Naoko nas noites em que vivia na residência que ocupava com uma colega de quarto na clínica onde se internou, Norwegian Wood tem um conteúdo que se assemelha bastante ao livro de Murakami. Ambas falam de um relacionamento breve com momentos descontraídos entre dois jovens, mas que termina abruptamente e sem nenhuma palavra de despedida. Na canção, a moça mostra ao rapaz seu quarto e ali, sentados no chão, eles conversam até as duas da manhã enquanto bebem vinho. Depois ele vai dormir no banheiro e no dia seguinte ela desapareceu, deixando-o só. Cenas como estas são comuns no livro de Murakami que torna sua obra quase um retrato em prosa da música dos cantores ingleses. Contudo, os Beatles não são as únicas referências dessa que é uma obra repleta de menções a canções e obras literárias de artistas do mundo todo, e reúne duas grandes paixões de Murakami: a música e a literatura.

A escrita de Murakami nesse livro é prosaica, limpa e objetiva dispensado quase totalmente o uso de metáforas e outros recursos estilísticos que costumam encher de floreios a escrita de autores mais poéticos, mas, ao mesmo tempo, é um livro cheio de descrições e reflexões de seu narrador quanto as coisas que ele vivia e as cenas que presenciava no teatro de sua vida.

Em termo de conteúdo, do meu ponto de vista, Norwegian Wood é um livro que fala de perdas e das dificuldades que muitas pessoas têm de enfrentar o sofrimento. Assim cada personagem dessa história teve suas próprias situações traumáticas, mas responde a elas de formas completamente distintas. É também um livro que mostra bastante o lado terrível do suicídio: as marcas que ele deixa nas pessoas que conviviam com o suicida.

Norwegian Wood mostra como as vezes não conseguimos perceber os sinais deixados pela pessoa antes que ela tire sua própria vida. Fala como até mesmo pessoas que parecem perfeitas ou que vivem vidas maravilhosas podem estar sujeitas a crises e vazios existenciais, a não suportarem perdas repentinas ou a perderem a esperança. O livro de Murakami revela a fragilidade do ser humano, mas, sobretudo, a fragilidade da mente humana. Ao mesmo tempo, o autor faz uma denúncia da realidade moderna na qual as pessoas vêm perdendo a esperança ou deixando enxergar sentido na vida, onde tudo parece estar fora de lugar e sem saberem qual caminho tomar, as pessoas se refugiam no sexo, em relações vaporosas, em passatempos vazios de sentido, ou se entregam a morbidez de rotinas entediantes como Toru, ou até mesmo perdem os parafusos e não conseguem mais se reconectar às pessoas e ao mundo como ocorre com Naoko. Enfim, Norwegian Wood é um livro que possui um exército de personagens que de alguma forma esperam em vão por um deus ex machina saído de alguma tragédia de Eurípedes que irromperá os céus no último ato e então porá em seu devido lugar cada engrenagem solta para que a vida siga de novo seu fluxo inexorável.

Ao retratar o curso torto desse rio que seguimos e que se chama modernidade, Murakami escreve um livro que é também um retrato do Japão moderno que enfrenta todos os anos o problema de centenas de suicidas que engordam as estatísticas nacionais.

Para nos falar de todas essas coisas Murakami escolhe como narrador o jovem e apático Toru Watanabe, que segue uma vida de estudante universitário sem sabor, frequentando as aulas que não lhes dizem nada por não ter nada mais interessante ou especial na sociedade que o mobilizasse a largar tudo e abandonar a faculdade.

Watanabe se declara antissocial, calado e introspectivo, é realmente um personagem ensimesmado, mas que convive e dialoga com muitas pessoas. Algumas dessas pessoas são muito singulares e distintas entre si, como seu amigo Nagasawa, que vive uma vida de prazeres fúteis e sem significados, ou seu colega de quarto, o Nazista, que é fanático por limpeza e tem uma vida sem grandes propósitos, ou ainda Midori, que não esconde nenhum de seus pensamentos pervertidos e é bastante descontraída. Além disso, Toru está apaixonado pela doce e complicada Naoko, namorada de seu melhor amigo que cometeu suicídio alguns anos antes e que jamais superou essa perda. Como a situação com Naoko é extremamente complicada, Watanabe transa com muitas mulheres sem se envolver com nenhuma, enquanto espera que Naoko se resolva e supere seus problemas. Enfim, o protagonista é o típico jovem que vive por osmose preso a uma rotina enfadonha e que se encontra cercado por pessoas excêntricas as quais ele observa e até se sente atraído e por isso permite com que elas entrem em sua vida facilmente. 

O suicídio do amigo e a morbidez e sofrimento vivido por Naoko são importantes elementos que impactaram a vida desse personagem que de certa forma vive uma vida medíocre porque não vê grandes sentidos e significados na vida em si. As pessoas que ele conhece são o verdadeiro substrato de sua existência que sem elas é taciturna e povoada de domingos mortos onde tudo que lhe resta é lavar e passar a própria roupa. Nesse ensejo, a relação de Toru com Naoko e sua relação com Midori o dividem bastante e ao mesmo tempo passam a serem vetores que determinam e preenchem a sua vida, mas como era de se esperar os constantes vão e vêm e autos e baixos com Naoko acabam por interferir também na relação com Midori.

Por seu turno, como dois extremos de um mesmo planeta, Naoko e Midori retratam diferentes formas como as pessoas enfrentam o sofrimento. Ambas vivem situações traumáticas e a dor da perda, mas suas reações são completamente opostas. Enquanto Naoko se torna taciturna, psicologicamente frágil e confusa em relação aos seus pensamentos e desejos e pouco ao pouco se torna ausente e alheia a vida, Midori reage de forma adversa com espontaneidade e bom humor, buscando viver intensamente e de forma despreocupada e divertida. O resultado final obtido por Murakami é um leque riquíssimo de personagens e que não se limitam aos que citei até agora.

Mas suicídios e conflitos existenciais não são os únicos conteúdos desse que foi o livro a catapultar internacionalmente a carreira de Murakami. Ele também regista de uma forma bem adulta o fim da adolescência de Toru e as banalidades do seu dia a dia sem perder uma certa veia cômica. Por isso Norwegian Wood apesar de ser um drama, não é excessivamente triste e pesado, mas uma abordagem realista da vida e do significado da morte, além de retratar a difícil passagem para a vida adulta.

Comparado a Caçando Carneiros esse é um livro que fez muito mais sentido para mim. Abandonei minha primeira tentativa de ler Murakami, porque com tantos elementos fantásticos, Caçando Carneiros se tornou um livro muito pouco compreensivo. Ele se assemelha a Norwegian Wood por retratar a rotina vazia e melancólica de seu protagonista, mas as várias lacunas em seu enredo o tronaram incompreensível. A sensação é que aquele é um livro incompleto ou que nasceu como continuação de outra obra – suspeita e divagação minha que depois descobri ser verdade. Ao contrário, Norwegian Wood é coeso e realista, tem começo, meio e fim. Além disso, seus personagens são muito bem estruturados e a narrativa é linear e independente.

Não obstante, Norwegian Wood não foi um livro que me fez imergir, não me cativou ou me impressionou. Não há grandes problemas na escrita ou na forma de narrar de Murakami, mas não me identifiquei com seu estilo. Em nosso jogo de sedução, Murakami não me conquistou.

[ALERTA DE SPOILER]. Por fim, quanto ao desfecho, ainda que eu não tenha me identificado com o livro, achei que o autor estragou tudo ao finalizar sua trama com o envolvimento entre dois personagens que cumpriam um papel muito específico na trama. Achei totalmente desnecessário e até fora de sentido o envolvimento de Toru e Reiko, personagem quarentona, amiga íntima de Naoko, interna da clínica e que na trama é um importante elo entre Naoko e Toru.

[ALERTA DE SPOILER]. Reiko é um personagem divertido e especial na trama. É ela quem apoia Naoko durante todo o seu tratamento e ao longo da trama sua importância cresce enormemente. Mas, no final, após uma série de acontecimentos, ela e Toru acabam transando quando isso não seria necessariamente uma consequência natural dos acontecimentos. Simplesmente Murakami acha que Reiko deveria ser mais uma no harém de Toru, ainda que por uma única noite, e isso, na minha opinião destrói completamente a atmosfera de cumplicidade, respeito e admiração mútua que existia ali e que fora construída ao longo do livro.

Enfim, Norwegian Wood não me conquistou, mas não decepciona porque é um livro de qualidade. Recomendo porque vai agradar leitores cults, principalmente, mas a mim que tenho um gosto para lá de excêntrico e pouco definido, ele não agradou.

A edição lida é da Editora Companhia das Letras, do ano de 2008 e possui 360 páginas.

Sobre o autor

Haruki Murakami (村上春樹) é um escritor e tradutor japonês considerado um dos autores mais importantes da atual literatura japonesa. Murakami nasceu em Kyoto, no Japão, em janeiro de 1949, mas cresceu em Kobe. Se graduou na Universidade Waseda, em Tóquio e viveu por quatro anos nos Estados Unidos, onde deu aulas em Princeton, regressando ao Japão em 1995.

Recebeu importantes prêmios, como o Yomiuri e o Franz Kafka Prize e seus livros são sucessos de vendas no Japão e internacionalmente, já tendo sido traduzidos para mais de 50 idiomas.

Preview do Google Books

Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível no Google Books.


4 comentários:

  1. [ALERTA DE SPOILER]. Mais uma crítica em relação ao desfecho do livro que me incomodou muito, foi não haver o esclarecimento do que Toru estava indo fazer na Alemanha. Confesso, li boa parte do livro me perguntando o que haveria de especial nessa cena, para onde ele estava indo, no que tudo aquilo culminara... Ao ver o livro encerrar daquela forma abrupta, eu me senti traída. Outro ponto que não fica esclarecido foi a explicação do que aconteceu com o Nazista, reduzindo-o a apenas um alívio cômico indigno de nota. Seria ele mais uma das pessoas que optou pelo fim? Eu não sei, e é por essas coisas, e pelos pontos que você apontou, que o livro não me cativou. Eu senti que, na essência, estava acompanhando como que Toru ia dormir com alguém que conheceu. [/ALERTA DE SPOILER].

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    1. O livro é complexo e deixou fios soltos, assim como você disse. Acho que talvez, no futuro, eu tenha que reler para compreender melhor esse desfecho. Obrigado pelo comentário.

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  2. Sobre o nazista, vc tem razão, ele foi usado, sofreu assédio e desapareceu... Mas sobre Alemanha, assim como em algum momento o toru tem uma lembrança da cidade do méxico (bairro santa fé) imagino que queira dizer que ele seguiu sua vida, trabalhou, fez viagens, tem lembranças do passado, mas segue vivendo e vendo o mundo...

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    1. Devo ter me passado com este detalhe. Obrigado pelo comentário.

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