domingo, 3 de maio de 2020

O Código Perdido – Kevin Emerson – Resenha


Por Eric Silva
29 de março de 2020

Nota: todos os termos com números entre colchetes [1] possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias, prévias, banners ou postagens relacionadas.

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Um amor jovem nascido durante um acampamento para adolescentes, localizado naquele que era um dos últimos refúgios da humanidade. Um mundo colapsado por mudanças climáticas que comprometeram a sobrevivência no planeta. Conspirações, mentiras, mutações e uma profecia milenar. Esses são alguns dos ingredientes que compõe a trama teen de O Código Perdido, primeiro volume da trilogia Os Atlantes.

Sinopse do enredo

Um livro que mistura questões ambientais sobre mudanças climáticas e fantasia mitológica num mundo distópico, O Código Perdido, narra a história de como Owen Parker, um menino de condições financeiras muito baixas e que vivia numa das regiões mais insalubres do mundo, foi parar em um estranho acampamento para adolescentes, em um dos últimos lugares da Terra ainda protegido e em condições mais ou menos favoráveis a vida.

No mundo em que a série de Kevin Emerson se ambienta, as mudanças climáticas e o aquecimento global provocaram o colapso do planeta e pouquíssimas áreas não se tornaram completamente desérticas e inabitáveis, caso da maior parte da América do Norte. Além disso, o degelo rápido das calotas polares decorrente do aumento das temperaturas mundiais fez com que os níveis dos oceanos se elevassem e devorassem as regiões costeiras e com elas as antigas tecnópolis de Nova York, Xangai e Dubai.

Grande parte da população mundial não sobreviveu aos deslocamentos em massa, às guerras e ao caos que se seguiram ao cataclismo. Daqueles que restaram, a maioria passou a viver nas estreitas faixas de terra das Zonas Habitáveis, em lugares completamente insalubres, escondendo-se em abrigos subterrâneos onde ainda lhes restavam alguns recursos tecnológicos vindos da pujante era pré-Ascenção.

Somente alguns poucos privilegiados – que ponderam pagar por isso – passaram a viver nos cinco domos Éden, grandes estruturas controladas pela poderosa Corporação Éden capazes de abrigar em seus interiores pequenos bosques, lagos e cidades, e nos quais as pessoas podiam continuar vivendo como tinham vivido no passado.

Porém, mesmo os domos já demonstravam desgaste e era uma questão de tempo até que se tornassem insustentáveis e também colapsassem. A corporação sabe disso, ainda que tente esconder, e corre contra o tempo e usa dos meios mais sórdidos para encontrar uma solução que garanta sua própria sobrevivência.

É em um desses domos que funciona todos os anos o aparentemente inofensivo Acampamento Éden, onde Owen descobrirá, após se afogar por quase dez minutos, que não é uma pessoa normal. Desse dia em diante, o garoto se verá no difícil desafio de desvendar os mistérios que cercam sua descendência extremamente peculiar e que está modificando seu corpo e sua natureza, mas que é a chave para evitar o fim da raça humana. Para isso, ele precisará escapar das garras da Corporação Éden que aparenta um perverso interesse nos conhecimentos ancestrais que o menino descobre possuir (o código perdido). E para esta aventura ele conta com a ajuda de Lily, uma garota encantadora e misteriosa.

Resenha

Li O Código Perdido ano passado durante as férias e logo me esqueci dele.

Quem leu a sinopse do enredo provavelmente deve estar pensando agora que se trata de mais uma narrativa teen de ficção-científica envolvendo conspirações e um mundo pós-cataclismo que será salvo por um grupo de adolescentes cheios de adrenalina, espertos e exalando feromônio[1]. Bem, tem bastante disso, mas não se trata só disso.

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O que posso dizer é que o livro de Kevin é uma salada de frutas que mistura distopia, ficção-científica, mutação genética, conscientização para questões ambientais sérias, romance e dramas jovens e – o mais inusitado – fantasia mitológica atlante. Todo esse conjunto vem em um único pacote, no máximo, bem costurado e com alguns insights inteligentes e criativos, porém com uma narrativa bastante clichê e cheia de lugares comuns.

O que acabei de escrever pode soar bastante contraditório – o que não foge muito da minha natureza pessoal –, mas a verdade é que minha relação com esse livro foi também bastante contraditória. Ele não é suficientemente ruim para que eu diga que é perda total, nem suficientemente bom e instigante para que eu o considere como um dos meus favoritos dentro de seu gênero.

Seus personagens não me cativaram e sua narrativa não é nem marcadamente criativa, nem desprovida de originalidade. A escrita é boa e o desencadeamento lógico das coisas é até certo ponto bastante verossímil. Ainda assim, ele não me apetece. Tanto que não lerei os próximos livros da série – apesar que ler apenas o primeiro volume de uma série já tenha se tornado um hobby meu.

Diria eu que os elementos menos originais do livro são, em primeiro lugar, o fato de ser um livro distópico, cujo mundo foi virado de cabeça para baixo por questões ambientais, provocando sérios problemas para a continuação da humanidade. Parece-me que esse é um tema que está bastante em voga no gênero, aparecendo em livros como O Conto da Aia, Feios, Divergente, Maze Runner, etc. por isso está ficando desgastado.

Em segundo lugar, há muitos elementos clichês que destoam com o clima de desespero mundial que acontece fora do domo. Os principais deles são: um acampamento de verão para adolescentes, os dramas adolescentes, que parecem se tornar universais na literatura, e os amores de verão embalados pelo eterno clima de férias.

Para quem não tem paciência de vencer a maior parte da narrativa aquele acampamento parece algo inverossímil e destoante com a proposta do próprio livro, que se pretende ser uma distopia de um mundo em colapso. Obviamente que o clima de férias criado pelo acampamento foi cunhado propositadamente pelo autor, que inclusive já foi monitor de acampamentos antes de se dedicar à literatura.

A clara intenção de Kevin era mostrar mais explicitamente as contradições entre o estilo de vida daqueles que viviam dentro do domo Éden, protegidos da radiação solar e dos intemperes do novo clima, e a forma como viviam os desafortunados habitantes do exterior.

Owen, por exemplo, como personagem principal da história e um dos poucos garotos vindos de fora do domo, serve à narrativa como um contraponto entre como pensa as pessoas de dentro e de fora dos domos. Esse deveria ser, na verdade, o seu principal papel nos primeiros 2/3 da narrativa. Contudo, em muitos momentos, ele está mais preocupado com seus próprios problemas juvenis e corriqueiros, só mudando sua postura de forma mais marcante quando os problemas dentro do domo se mostrem cada vez mais explícitos.

Mas já que citei o protagonista, falemos dele e de outros personagens.

Owen é um daqueles adolescentes apagados, sem muita personalidade, ingênuo, deslocado e desprezado pelo rebanho, além de ser cheios das neuras e dos hormônios comuns a idade dele.

Ele vive com seu pai em uma região inóspita, onde as pessoas são obrigadas a viver nos subterrâneos, uma vida de muitos desafios, mas que na minha modesta opinião, infelizmente, não imprimiu tanto relevo quanto era possível a personalidade do jovem. Digo isso, porque minha impressão dele é que na maior parte da primeira metade da história ele está mais preocupado em parecer interessante para a garota mais cobiçada do acampamento e também se manter fora do caminho do valentão da história, o Sanguessuga.

Owen é para mim mais um adolescente qualquer do século XXI, mas que parece ter sido jogado em outra época sem que houvesse o perfeito encaixe entre a personalidade e o período histórico – ainda que Kevin tenha feito enormes esforços para isso. Ele é crítico e curioso, elemento que acaba por equilibrar um pouco o personagem, mas isso não foi o suficiente para que ele se tornasse cativante. A única coisa que achei interessante nele foi o seu senso de humor que geram algumas autorreflexões, além, é claro, da forma como ele passa a conversar com seu próprio corpo como se por dentro de si houvesse uma equipe de pequenos operadores responsáveis pelo funcionamento da “máquina Owen”.

Outros personagens da narrativa também merecem meu destaque.

O primeiro é o grupo dos jovens mais descolados do acampamento: Lilly, Aliah, Evan e Marco.

Eles formam uma espécie de grupo de elite, os Conselheiros em Treinamento (CET). Mais velhos do que os demais campistas eles são responsáveis por guiar os mais novos em várias das atividades realizadas no acampamento. O problema é que eles também são bastante clichês não tendo conseguido superar os estereótipos comuns aos jovens atléticos ditos “populares” das escolas estadunidenses, e que, lamentavelmente, servem de modelos a algumas centenas de livros, filmes e séries produzidos naquele país. Lilly, talvez é a única no grupo que parece se transformar na história.

Lilly, como uma das protagonistas da narrativa, é narrada como uma jovem bonita e atraente – apenas – mas no decorrer da narrativa ganha algum relevo ao se mostrar bastante humana, ética, forte, determinada e inteligente. Diria que de todos é o melhor personagem. Infelizmente os demais parceiros de seu grupo não apresentam grandes evoluções.

Quanto a ala vilã da história, Sanguessuga e seu pequeno bando de valentões seguem a mesma linha dos CETs e são clichês ao ponto de não merecerem grandes destaques. O mesmo se aplica ao dúbio e nenhum pouco confiável, Paul, o estranho e enigmático diretor do acampamento.

Apesar do tamanho (352 páginas), a leitura desse livro é fácil e rápida, e se você está preocupado só com o entretenimento e não com a profundidade dos personagens ou com a originalidade da narrativa, bem, ele é uma boa opção para se ler no final de semana, mas não vá com muitas expectativas.

Enfim, digo que O Código Perdido é um livro que me distraiu durante os dias monótonos das férias, mas não é um livro que eu leria de novo ou que tenha me motivado a continuar a leitura da saga. Claro que nas minhas críticas pesa também a minha particular antipatia pela maioria das histórias teens. E aí você pergunta: porque você leu então? E eu respondo simplesmente: não julgue o livro sem ter lido. ;)

A edição lida é da Editora Fantasy Casa da Palavra, do ano de 2015 e possui 352 páginas.

Sobre o autor

Estadunidense, Kevin Emerson cresceu em Connecticut e agora vive em Seattle com sua esposa e seus dois filhos. Antes de se dedicar a literatura, foi banqueiro, monitor de acampamento e professor de escola primária. Hoje, além de escritor é também músico e faz parte do The Board of Education, uma banda que apresenta músicas educacionais para crianças. Kevin também é voluntário no 826 Seattle, um braço do 826 National, uma instituição sem fins lucrativos que ensina jovens de 6 a 18 anos, fundada pelo escritor Dave Eggers.

Preview do Google Books

Abaixo você pode conferir uma prévia do livro disponível no Google Books.




[1] Substâncias químicas produzidas para fora do corpo que, ao serem disseminadas, promovem determinadas reações dentre outros indivíduos de uma mesma espécie (Wikipédia)

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