domingo, 31 de janeiro de 2021

[Especial Zafón] El Príncipe de Parnaso (conto) - Carlos Ruiz Zafón - Resenha

 Por Eric Silva

21 de fevereiro de 2021, Ano da Itália

“[...] Miguel de Cervantes, luz entre poetas, mendigo entre los hombres y Príncipe de Parnaso.”

(Carlos Ruiz Zafón, El Príncipe de Parnaso)

Nota: todos os termos com números entre colchetes [1] possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias, prévias, banners ou postagens relacionadas.

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Capa da edição promocional da editora Planeta de Libros,
distribuída em 2012 na Espanha.

Sinopse do enredo

Barcelona, 1616.

Do alto da muralha que selava Barcelona, Antoni de Sempere, el facedor de libros, avista a chegada à cidade do cortejo fúnebre de seu amigo Cervantes, tendo ao seu lado a funesta figura de Andreas Corelli, o principal responsável pelas desventuras de seu amigo.

Corelli não havia envelhecido um único dia depois de todo o tempo que se passara desde a primeira vez que Cervantes e Francesca haviam chegado a Barcelona, em 1569, como dois fugitivos de terras italianas. E como já se era de esperar, o macabro arcanjo estava ali para testemunhar a ida de Cervantes ao túmulo após este ter finalmente escrito a obra-prima prometida ao funéreo editor.

É em meio ao incômodo diálogo com o perturbador Corelli que Sempere se entrega as suas recordações acerca de Miguel de Cervantes Saavedra e de como este, ao mesmo tempo, conhecera em seu exílio na Itália, a criatura mais bela já vista e assinara um pacto que seria razão de sua fama e de seu maior infortúnio. 

Confira a resenha de mais uma obra do escritor barcelonês resenhada para o Especial Zafón.

Resenha

Publicado em 2012, El Príncipe de Parnaso é um conto de 35 páginas que foi oferecido pela editora Planeta, até onde sei, somente na Espanha, como uma cortesia aos compradores do romance de Zafón, El Prisionero del Cielo (O Prisioneiro do Céu) na ocasião de sua publicação. Por conta disso, assim como os demais contos do autor, não chegou a ser pulicado no Brasil e nem em língua portuguesa. Ele é também um dos onze contos que integram a coletânea póstuma do autor, La Ciudad de Vapor – que em breve será publicada no Brasil.

O conto é mais um dos que integram o universo da série d’O Cemitério dos Livros Esquecidos trazendo como personagens uma figura real – Miguel de Cervantes Saavedra, escritor espanhol dos séculos XVI e XVII e autor de Dom Quixote – dois antepassados de personagens da quadrilogia do Cemitério e Andreas Corelli, a figura sobrenatural que carimba sua presença em duas obras do autor:  As Luzes de Setembro e O Jogo do Anjo.

A história de El Príncipe de Parnaso se passa na Barcelona de meados da Idade Moderna, um pouco mais de um século depois dos fatos narrados em outro conto que integra o universo da série do Cemitério, Rosa de Fuego e que narra um pouco da origem da misteriosa biblioteca que funciona como eixo principal de todos os livros da série.

Neste segundo conto, Zafón desvia-se da história da secular biblioteca – ainda que a cite nos parágrafos que encerram a narrativa, [ALERTA DE SPOILER] sugerindo que Cervantes esteja secretamente sepultado dentro da colossal biblioteca –, e foca sua trama numa recriação da história de Miguel de Cervantes, mais exatamente de um episódio de sua mocidade quando este esteve vivendo em Roma após ter fugido de Madri.

Na biografia do autor espanhol, consta realmente que para evitar ter a mão direita decepada como punição por participar de um duelo, Cervantes fugiu para Roma em 1569[1]. Contudo, o relato de Zafón é obviamente ficcional – sobretudo quanto ao local real de sepultamento do escritor –, mas toma por base uma estadia real de Cervantes naquela que se tornaria séculos depois na capital da Itália atual.

Neste conto Zafón descreve um Cervantes em início de carreira, um tanto vacilante, bastante melancólico, tentando mostrar a sua arte para algum editor que quisesse publicá-la. Zafón desenha um jovem que já possui as marcas de um talento observável, mas pouco polido, ainda muito bruto e distante do horizonte onde estaria o escritor que se imortalizaria e teria sua obra conhecida em todos os cantos do planeta. Contudo, para alcançar esse horizonte distante o destino coloca no caminho de Cervantes o diabólico Corelli que conduzirá o jovem escritor para uma direção inesperada.

Em paralelo, a narrativa também conta a história de Francesca di Parma, uma pobre miserável, mas de grande beleza que tivera o infortúnio de ser abandonada bebê em baixo de uma ponte, sendo resgatada por uma família de facínoras e trapaceiros tão pobres quanto ela, mas que só não a descartaram de novo por terem visto em sua beleza uma forma de explorá-la e obter algum lucro. Prova disso é que ao surgir a oportunidade de conseguirem um grande lucro às custas da garota não hesitam em submetê-la a um destino cruel.

Zafón faz o encontro destas duas almas perdidas (ele real, ela fictícia) e tem-se um conto sobre amor e tragédia, com pitadas de terror e elementos fantásticos e góticos.

Apesar de não ter um enredo grandioso e nem mesmo muito ambicioso, El Príncipe de Parnaso conserva o que há de melhor no estilo “zafoniano” de escrita: muitas e ricas construções estilísticas, cinematográficas e metafóricas, atmosfera gótica e soturna, ambientes decadentes, romance trágico, e, por fim, artistas frustrados, melancólicos, loucos ou à beira da insanidade. Toda a poética singular do autor se expressa nesse texto, o que dificultou bastante a minha leitura, haja vista que li o conto em sua língua materna.

Apesar de não ter um enredo tão instigante quanto os livros da série do qual faz parte El Príncipe de Parnaso me atrai por ser mais um vislumbre do estilo maduro de Zafón, e do qual senti muita falta nos livros juvenis da Trilogia da Névoa.

Como o texto é contado a partir de um flashback de Sempere – porém narrado em terceira pessoa – os fatos não são absolutamente contados em ordem cronológica. Pelo contrário, o conto começa no ano de 1616, recua 47 anos no passado até 1569, recua mais alguns meses, avança até 1610 e depois retorna a 1616. Para evitar confusões, cada capítulo – com exceção de dois – são datados e localizados geograficamente no título.

Esses constantes vão-e-vêm se dão porque o flashback de Sempere é também entrecortado por um relato do próprio Cervantes, porém narrado em terceira pessoa, e que numa taverna conta a história do tempo passado em Roma e de como acabara fugindo de lá com Francesca. O relato é feito a Sempere e também ao espirituoso, esperto (e inconveniente) Sancho Fermín de la Torre. E aqui temos um dado curiosos: para mim, que li agora 80% da obra de Zafón, é evidente que o nome do personagem Sancho foi escolhido a dedo para fazer referência a dois personagens icônicos. O primeiro deles é Fermín Romero de Torres, amigo, cúmplice e protetor do jovem Daniel desde os fatos narrados no livro A Sombra do Vento até o encerramento da série com O Labirinto dos Espíritos. O segundo personagem pertence ao Cervantes real: o simplório escudeiro de Don Quixote, Sancho Pança.

É perceptível que Zafón escolhe esse nome tão estranho e incomum com o intuito de sugestionar que Cervantes escolhera o nome do escudeiro de Don Quixote inspirando-se na triste figura que conhecera anos antes em Barcelona: um antepassado longínquo do moderno Fermín da Espanha franquista para quem o grande artista uma vez contara a sua história.

Oura referência, essa menos obvia, está no título. El Príncipe de Parnaso faz referência a um dos livros do Cervantes real, Viaje del Parnaso, uma das obras poéticas do autor e publicada em 1614. O termo Parnaso, por sua vez, faz referência ao monte grego Παρνασσός (Parnassos) que aparece na mitologia grega como lar das Musas e que por isso é associado ao lar da poesia, da música e do aprendizado[2]. Um paraíso da arte e das letras. Como grande escritor, Cervantes seria o príncipe de Parnaso.

Para concluir. Em termos de pontos forte e fracos, reitero que o melhor deste conto é a escrita, e sua fragilidade, o enredo. A ideia é original, apesar de que tornar personagens reais em fictícios não seja nenhuma novidade na literatura. Contudo, Zafón integra Cervantes com perfeição ao universo expandido de O Cemitério dos Livros Esquecidos.

Edição espanhola de A Cidade de Vapor

Algo que lamento muito e a mim causa espanto é que a editora Suma, na ocasião da publicação da edição brasileira de O Prisioneiro do Céu, não tenha seguido os passos da editora Planeta de Libros e publicado também aqui essa edição promocional, ou, no mínimo ter publicado o conto em versão epub gratuito como muitas editoras vem feito nos últimos anos com seus títulos mais populares. Já vi coleções (sagas, séries) que eu – da minha parte – dificilmente investiria esforço para ler, terem contos associados aos livros publicados na Amazon e mesmo no Google Play. A Suma perdeu esta oportunidade na época. Todavia, com o lançamento, na Espanha, de La Ciudad de Vapor, isso será corrigido, uma vez que El Príncipe de Parnaso figura entre os contos da coletânea.

É verdade que o conto não é tão instigante quanto a série, mas ganha pontos por nos dar mais um vislumbre dos ancestrais da mesma, assim como Zafón fizera em Rosa de Fuego porém este último destoa um pouco das narrativas centrais por seus elementos fantásticos que inexistem na quadrilogia e também no El Príncipe de Parnaso. Verdade seja dita, El Príncipe de Parnaso tem mais a ver com a série do que Rosa de Fuego.

Quanto ao desfecho, este não é particularmente surpreendente, porque já era do conhecimento do leitor desde as primeiras páginas. No entanto, os dois últimos parágrafos sugestionam mais algumas coisas acerca das origens da grande biblioteca. É neste breve ponto da trama que fica claro porquê, apesar de não focar na grande biblioteca de livros esquecidos, a edição promocional do conto traz em sua capa uma ilustração em ponta de lápis que sugere ser um vislumbre do Cemitério de Livros quando este estava em construção. Um empoeirado e secreto paraíso de livros que para sempre os fãs de Zafón procurarão pelas estreitas ruas da Barcelona antiga.

A edição lida foi distribuída gratuitamente como brinde pela editora Planeta na época do lançamento de El Prisionero del Cielo na Espanha. A edição é do ano de 2012 e possui 35 páginas. Como ele não é acessível no Brasil li numa versão em epub que encontrei na internet.

Sobre o autor

Saiba mais sobre Carlos Ruiz Zafón na postagem especial que fizemos sobre ele.

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[1]https://super.abril.com.br/historia/o-cavaleiro-da-triste-figura/.

[2]MOUNT PARNASSUS. In: WIKIPÉDIA, The Free Encyclopedia. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Mount_Parnassus>. Acesso em: 15 jan. 2021.

 

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