quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

O Caçador – Ana Lúcia Merege – Resenha

Por Eric Silva

“A natureza não para durante o inverno. Mesmo as plantas ocultas sobre a neve se preparam para brotar de novo, e esse período de sono e de recolhimento é parte do drama de toda existência. Acostumados a viver em seu próprio ritmo, os homens muitas vezes não notam essas mudanças, que, no entanto, ocorrem também com cada um deles. E, para os poucos que se deixam guiar pelo ciclo da vida, elas acostumam ser percebidas a partir do primeiro sinal”
(O Caçador, Ana Lúcia Merege)

Chegamos a 2017, o #AnoDoBrasil, e para inaugurar a campanha que homenageará a literatura do nosso país escolhemos um livro que li ainda em 2016, mas que é especialíssimo: O Caçador, livro de estreia da escritora carioca Ana Lúcia Merege. Com uma narrativa rápida, mas profunda, esta releitura do conto da Branca de Neve vai além do conto e explora ao máximo a criatividade e o talento narrativo que são próprios da escritora, dando vida e continuidade a história do caçador que salvara a princesa, mas cujo destino fora esquecido pelo próprio conto que lhe deu vida. Por ser um livro bonito e de um encanto único, que ele será o primeiro ponto no itinerário da nossa nova campanha.

Sinopse

Solitário na floresta o caçador só ouvia vozes humanas quando ia ao castelo entregar a carne e as peles que caçavam para a rainha, mas mesmo em sua vida reclusa e controlada pelos ritmos da natureza, ele vivia tranquilo e era feliz nunca tendo sentido falta de nada que a floresta não pudesse lhe prover. Tudo muda porém quando a rainha exige sua presença e o incube de uma tarefa tenebrosa: levar a princesa a floresta e lá, secretamente, matá-la, trazendo como prova o coração da garota.
Mesmo tendo tentado cumprir sua palavra com a rainha, o jovem caçador fraqueja e poupa a vida da princesa. Em vez de levar à rainha o coração da garota entrega à bruxa o coração de um animal da floresta e é aí que sua história de desventuras começa, em uma caminhada errante por florestas, cidades e aldeias, entrecortando e testemunhando histórias, as mais fantásticas, até que conheça o seu verdadeiro destino.

Resenha

Fazer releituras dos clássicos contos de fadas é algo que vem se tornando frequente nos últimos tempos. Seja para tornar os velhos contos em algo mais verossímil e realista como foi o caso do filme Para Sempre Cinderela, do diretor Andy Tennant, ou para transformá-los em algo deslocado e que pouco tem a ver com o original, como é o caso do filme João e Maria: Caçadores de Bruxas, de Tommy Wirkola, em que as crianças rejeitadas e abandonadas na floresta crescem e se tornam caçadores de bruxas. Há ainda aquelas releituras que buscaram na fusão de vários contos uma narrativa nova e as vezes a partir de um olhar que se quer mais moderno, como vemos em A Bela e a Adormecida, de Neil Gaiman. Porém mais do que buscar inovar, releituras são desafios que exigem do escritor criatividade e talento narrativo, porque comparações são inevitáveis e resistências são comuns, é aí que poucas são as fórmulas que realmente dão certo em tornar a releitura uma história tão boa quanto o original ou até melhor.

Por sua vez, a autora brasileira Ana Lúcia Merege buscou seguir caminhos próprios para compor a releitura do conto da Branca de Neve em seu primeiro livro de ficção, O Caçador. Neste livro, ao contrário de modificar profundamente a história original, a autora buscou ampliá-la, dando destino, alma e personalidade a um personagem cuja participação pode ser considerada central para que a história siga para seu desfecho, mas cujo destino sempre foi ignorado: o caçador.

Acredito que todos devam saber que, no conto original da Branca de Neve, o caçador era apenas mais um homem que vivia de seu trabalho penoso e solitário na floresta, mas que para seu infortúnio fora escolhido pela rainha para ser o algoz da princesa, por quem sua majestade nutria um ódio e inveja sem limites. Porém apiedando-se da garota o homem decide poupar a princesa e mandá-la embora para a floresta. Para prestar contas de sua missão à rainha, o caçador leva a ela o coração de um animal como se este pertencesse a princesa e aí termina a participação daquele homem sem nome e sem passado.

Em O Caçador, Ana Lúcia buscou dar um rosto, um passado e um futuro a este personagem, dotando-o de alma e sentimentos. É pegados pela mão da autora que vamos sendo guiados pela história das desventuras do caçador de Branca de Neve, passando por cidades, aldeias e florestas, vivendo entre os homens e os lobos, naquele que parece ser um dos melhores livros da escritora.

O personagem

Ana Lúcia traz para a imagem do caçador um olhar
mais humanizado, sem, no entanto, negar a forte
integração deste com a natureza selvagem das florestas.
O caçador de Ana lúcia é pouco mais do que um rapaz, e, por seu isolamento, é um jovem ainda puro que não aprendera a malícia dos que vivem além da floresta, nem conhecia a extensão da maldade ou da natureza mesquinha de muitos homens. De tão integrado a floresta e a natureza era como se delas fizesse parte. Contudo, a medida em que vai prosseguindo sua história, o rapaz vai conhecendo o mundo dos homens e sobretudo sua maldade, o que faz com que ele deseje cada vez mais o isolamento. Ainda assim, nem o ressentimento que os homens lhe inspiram, nem a abominação que sentia pelo modo como eles viviam, são suficientes para embrutecer o coração do rapaz e nem fazê-lo deixar de desejar uma companhia.

Uma coisa que me inquietou logo no começo da leitura foi não saber a razão da autora não ter dado um nome ao seu personagem principal, como é comum em qualquer livro. Curioso fui perguntar diretamente a escritora. Atenciosa, Ana me respondeu no mesmo dia e explicou que seus personagens eram arquétipos e que dar-lhes nome seria de alguma forma reduzi-los.

Pensei um pouco naquela resposta tentando entendê-la e foi aí que a ficha caiu: se personagens sem nomes eram incomuns nos romances, não o eram nos contos de fada – Ana queria preservar a natureza original do conto. Acho que, de tanto tempo que passei sem ler os clássicos contos de Andersen e dos irmãos Grimm, já havia me esquecido que esta era uma característica fundamental deste gênero.

Em O Caçador os príncipes
não são os grandes heróis da história.
A verdade é que tudo em O Caçador procura preservar os aspectos básicos que caracterizam os contos de fadas originais como os elementos mágicos que se misturam a vida cotidiana medieval, o núcleo problemático de caráter existencial e os obstáculos que servem de teste e ritual de iniciação para o herói ou heroína[1]. A grande diferença é que no livro de Ana Lúcia, não são os príncipes os grandes heróis, mas o homem simplório, recluso e de vida tão humilde, mas dotado de um coração puro e sem medo.

Predileto

O Caçador é o terceiro livro da autora que leio, o primeiro foi O Castelo das Águias e depois Anna e a Trilha Secreta, e nessas leituras uma coisa que tenho apreciado bastante é a forma como a autora escreve, talento que O Caçador deixa explícito de forma contundente.

Ana Lúcia tem um dom todo especial de articular as palavras, o que ela faz com maestria, narrando os fatos com beleza, segurança e naturalidade e fazendo da leitura algo agradável e envolvente.

Assim como nos velhos contos de fada, O Caçador é um livro de poucas falas deixando quase exclusivamente ao narrador o papel mais importante de nos guiar pela história. Mesmo sendo seu livro de estreia, a obra já expõe a maturidade da autora e deixa extravasar todo o seu talento narrativo, aliando-os a uma boa história, de enredo nem um pouco previsível e com uma narração em muitos pontos carregados de um lirismo único como é visível na citação do começo desta resenha. Além disso, a medida que a história do caçador vai se desenrolando, suas aventuras vão atravessando outros contos e se entremeando por caminhos improváveis.

Estou lendo também o livro A Bela e a Adormecida, de Neil Gaiman, e que como já afirmei também é uma releitura de contos de fadas recentemente publicada pela editora Rocco em uma edição luxuosa e lindíssima. Mas afirmo com toda a segurança e sem presunção, que quando confrontei o livro do autor britânico com o livro da Ana Lúcia, achei o livro da autora brasileira de qualidade narrativa bem superior. Ana foi cuidadosa em todos os detalhes, criou um personagem cativante e O Caçador é um livro que dificilmente se preveria o desfecho.

A autora
Gosto de Gaiman, já resenhei aqui no blog um de seus livros, Lugar Nenhum, onde elogiei sua criatividade e imaginação na criação da Londres de Baixo, mas desta vez ele não conseguiu alcançar meu coração como Ana fez com O Caçador, e acho que contos de fada são para isso: encantar e conquistar corações. Por isso o escolhi para inaugurar a campanha de 2017, o #AnoDoBrasil.

A releitura de O Caçador está perfeita, sem excessos, com uma boa dosagem de realismo e magia e, principalmente, deixando transparecer todo o talento da autora para a narração.

A obra chegou a mim através de uma doação da autora para a biblioteca da Filarmônica de minha cidade. Logo que o tive em mãos senti que ele seria especial e a leitura só confirmou o que minha intuição disse primeiro. Desde já O Caçador é, dentre os livros que já li de Ana Lúcia, o meu predileto.

A edição lida é da Franco Editora, com ilustrações de Neli Aquino, do ano de 2009 e possui 100 páginas. Para o pessoal da Biblioteca da Filarmônica: o livro já estará acessível a todos ainda este mês.

Quer saber mais sobre a autora? Confira nossa postagem sobre os autores que estamos lendo na campanha (CliqueAqui).







[1]https://pt.wikipedia.org/wiki/Contos_de_fadas#Caracter.C3.ADsticas_dos_contos_de_fadas

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Retrospectiva 2016 Conhecer Tudo

Por Eric Silva

Mais um ano está acabando e como todos os anos nós ocidentais dedicamos os últimos momentos do ano que vai embora para refletirmos sobre o período que finda, e fazemos planos para o que chega. Vem sendo assim há muitas gerações e continuará sendo assim por muitas outras. Ainda assim, nunca na história deste blog tivemos uma retrospectiva, esta é, pois, a primeira. E porque fazê-la? Porque 2016 foi um ano especial para o Conhecer Tudo, o ano do nosso grande retorno, um ano de atividade intensa como jamais ocorrera aqui no blog em outros anos. Por isso, e para seguir a tradição ocidental, não poderíamos deixar que 2016 fosse embora sem que rememorássemos algumas coisas importantes que fizemos nesse tempo.

O retorno depois de quatro anos


O Conhecer Tudo foi criado por mim em 05 de Janeiro de 2012, quando publiquei a nossa primeira resenha literária, a do livro O Monte Cinco de Paulo Coelho. Mas até o começo de 2016, as resenhas e postagens do blog só eram publicadas de forma espaçada, com meses e até um semestre de intervalo entre uma postagem e outra.

Foi em 2016 que resolvi retomar e me dedicar mais ao projeto, criando novas redes de interação com o público (fanpage, Twitter, perfil no Google+, no Tumblr, no Pinterest e no Instagram) e aumentando a frequência de publicação. Com isso conseguimos mais seguidores e estamos muito felizes com isso, por que tudo o que fazemos é para o nosso público. Obrigado por estarem conosco.  

Hoje pretendo continuar com o projeto, mas sem saber se poderei continuar com o ritmo de publicação obtido em 2016. Em 2017 concluirei minha especialização e preciso me dedicar ao meu projeto de pesquisa, além disso preciso gerir outro blog, mais antigo e que esse ano ficou bem esquecidinho, o Geographia Mundi. Mas, de qualquer forma o retorno de Conhecer Tudo é definitivo.



O Ano da Espanha

Aqui no blog 2016 foi batizado como o ano de comemoração à literatura espanhola. De abril a dezembro nos dedicamos a leitura de livros da literatura daquele país bem como a resenhar alguns de seus filmes interessantes.  Mas a ideia de homenagear a literatura de um país específico não nasceu do nada, bem como a escolha pela Espanha não foi aleatória.

Tudo começou em abril, quando, depois de três anos, resolvi ler um livro que tinha comigo há muito tempo. Um livro que havia visto pela primeira vez na seção de livros de uma revista de grande circulação quando ainda vivia em Salvador, a capital baiana, mas que levaria muitos anos para fazer sua leitura. Este livro era A Sombra do Vento, do autor espanhol Carlos Ruiz Zafón.

Na época li o livro aos pedaços porque abril foi um mês tumultuado. Além disso, a edição que tinha comigo era portuguesa e muitos termos para mim desconhecidos dificultavam a leitura, mas mesmo com tantos obstáculos fui tomado pela narrativa e ao conclui-la já estava apaixonado pelos personagens, pela escrita do autor, e quando resolvi fazer uma postagem especial mostrando alguns dos principais pontos da cidade de Barcelona acabei me apaixonando também pela cidade catalã. Todos estes elementos me levaram a um plano ambicioso: um ano inteiro (ou quase, afinal já estávamos em abril) dedicado a conhecer a Espanha através de livros.

Foi assim, simplesmente da leitura de um livro fantástico que nasceu a campanha do #AnoDaEspanha, que inicialmente não incluiria filmes, ideia que surgiu muito tempo depois com o 7ª Arte.

Com a ideia na cabeça o que faltava era montar uma lista, um “roteiro de viagem”, o nosso itinerário. E para tanto comecei uma profunda pesquisa em busca de nomes, autores do país que tivessem sido traduzidos para o português, não importasse qual. Com a lista na mão fui em busca dos livros, primeiramente na Biblioteca da Filarmônica 30 de Junho, a única da minha cidade que empresta seus livros. Lá com ajuda de Sirleyde, a bibliotecária, encontrei o segundo livro para o itinerário: Antologia Poética de Federico García Lorca, o primeiro livro de poesia que leria após muitos anos.

Confesso que Lorca não me cativou, ainda mais porque não sou inclinado para a poesia, mas, ainda assim, dois de seus poemas, Manancial e Os encontros de um Caracol Aventureiro, foram de uma profundidade e beleza estética que não pude ignorar e resolvi dividi-las com vocês em português e na sua versão original em espanhol. Mas caminhávamos para setembro e eu não me sentia satisfeito, precisava de mais e voltando a pesquisa procurei livros digitais, sebos e livrarias online para montar o restante do itinerário que eu ia organizando em um mapa virtual do Google. No fim o nosso roteiro ficou composto por sete livros, alguns muito bons, outros apaixonantes e comoventes, no fim, cada um contava um pouquinho da Espanha, do seu povo, de seu passado.
 

Os livros do itinerário

1. A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón
2. Antologia Poética – Federico García Lorca
3. A Tábua de Flandres – Arturo Pérez-Reverte
4. Lágrimas na Chuva – Rosa Montero
5. Soldados de Salamina - Javier Cercas
6. Marcelino Pão e Vinho - José Maria Sánchez-Silva
7.A Catedral do Mar – Ildefonso Falcones

E para muitos desses momentos também escrevemos postagens especiais, como o nosso texto sobre a Guerra Civil Espanhola ou como aquele sobre quem eram os Bastaixos, os trabalhadores que na Idade Média eram os estivadores do porto de Barcelona e que são figuras importantíssimas do romance de IldelfonsoFalcones, A Catedral do Mar {Resenha}. Este último foi o livro que encerrou a série de obras literárias resenhadas na campanha. Mas houve também os filmes, poucos na verdade – apenas três –, mas verdadeiras obras de arte.

Os filmes que assistimos

1. O Labirinto do Fauno – Guillermo del Toro
2. Volver  Pedro Almodóvar
3. La Lengua de las Mariposas – José Luis Cuerda


O #AnoDaEspanha foi um projeto interessante e bastante construtivo para mim, que me ensinou muitas coisas e que me apresentou a grandes autores que quero ler ainda mais como Zafón, Rosa Montero e Ildelfonso. Mais do que isso, me apresentou a um país fantástico, de beleza extenuante, que respira história com suas cidades centenárias, algumas milenares, repletas de construções antigas, castelos, palácios, jardins, ramblas e portos. Um país com um povo forte e que em muitos momentos de sua história lutou por suas ideias, pela sua liberdade contra governos ditadores. Com esta campanha conhecei verdadeiramente um pouco da Espanha, quase pude sentir seus cheiros e sabores e que fez nascer em mim um desejo sincero de visitar um dia, quando isso for possível para mim.


Outras campanhas: O 7ª Arte e Os livros da Minha Infância e Adolescência

Mas 2016 não foi apenas o ano da Espanha, nele também nasceram outros projetos que daremos seguimento ao longo de 2017 e enquanto o nosso blog prosseguir online.

 O primeiro desses projetos foi a campanha dos Livros da Minha Infância e Adolescência (#MeusLivros) que começou timidamente este ano com a resenha de A Serra dos Dois Meninos, livro de Aristides Fraga Lima. Essa campanha é limitada por um conjunto seleto de livros que marcaram a minha formação como leitor e como pessoa e é um projeto delicado para mim, porque nele não vão só os livros que eu li, mas parte das minhas memórias como leitor na infância e, sobretudo, na adolescência.

Tivemos ainda este ano o lançamento de outra campanha que nasceu da minha paixão pelo cinema. O 7ªArte, como a campanha foi batizada, tem como proposta resenhar filmes que foram baseados em obras literárias de diversos gêneros e nacionalidades e também filmes que, pela beleza e criatividade, poderiam, na nossa modéstia opinião, se tornarem excelentes obras literárias.

Nesse primeiro ano do 7ª Arte, as resenhas realizadas foram exclusivamente de obras espanholas, mas já tenho outros filmes incríveis na lista, muitos deles já conhecidos do grande público, outros nem tanto.

Parcerias, autores que conhecemos, leituras coletivas e outros livros

Mas em 2016 não lemos apenas para campanhas. Lemos em parceria com editoras e autores, em conjunto com grupos de leituras e livros que ficamos muito curiosos.

Uma das nossas principais parcerias este ano foi com a Editora Draco, uma editora especializada em livros de autores brasileiros, através da qual conhecemos autores incríveis e obras de alta qualidade.

Graças a Draco conhecemos primeiro o escritor Eduardo Kasse, autor de um dos melhores livros nacionais que tinha lido até então, O Andarilho das Sombras. Um livro que conseguiu algo que muitos que me conhecem diriam ser impossível: fez com que eu me entusiasmasse novamente por literatura brasileira.

Sou um daqueles leitores que ao longo de sua fase escolar foi quase que irremediavelmente traumatizado com as aulas de literatura brasileira e suas leituras impostas verticalmente e sem o tratamento adequado (estudos prévios sobre contextos de época, acompanhamento do professor quanto a linguagem, explicações adicionais sobre o enredo).

Saí da escola frustrado e generalista em relação a literatura de nosso país, mas a leitura do livro de Kasse me fez lembrar que a literatura é diversa e, a todo momento, novas estrelas surgem no firmamento. São autores que escrevem para diferentes públicos com novos temas, com boas histórias, com muita criatividade. Basta que desviemos um pouquinho o olhar da literatura estrangeira para enxergá-los. Kasse com seu livro de estreia, com seu primeiro grande voo, me deu um sacudida e me disse: estamos aqui esperando vocês. E lá fui eu.

Continuei com a parceria com a Draco e conheci Ana Lúcia Merege, outra fofa, muito atenciosa com seus leitores e com uma narração gostosa, de palavras muito bem escolhidas e cheia de simbolismos. Dela li três livros, O Castelo das Águias, em parceria com a Draco, Annae a Trilha Secreta, cedido pela própria autora para a Biblioteca da Filarmônica 30 de Junho [que estará disponível em breve no acervo] e o meu preferido, O Caçador, que será resenhado ano que vem [também estará disponível na 30 de Junho]. Com a Draco conheci também a obra originalíssima de J. M. Beraldo, autor de Império de Diamante.

Mas outra parceria incrível que fizemos foi com Marcos de Sousa, autor que esperamos que ainda faça muito sucesso nessa vida e que escreveu o inquietante Mensageiros da Morte, uma história cheia de ação e conspirações. Agradecemos a ele, bem como a Draco pela oportunidade de conhecer estes novos talentos e afirmamos nosso compromisso de conhecer outros ao longo de nossa existência quanto blog [prioritariamente] literário.

Mas não só de parcerias foi formada a nossa listinha de leituras em 2016. Tiveram ainda as leituras em grupo e outros livros independentes e escolhidos por atração, ou de forma aleatória.

Entre grupos de leitura destaco o grupo o Ler é Viver de minha querida Edilva Bandeira e do pessoal de Ilha Solteira. Sugerido por eles li livros fantásticos que me marcaram, como o comovente A Casa do Céu, de Amanda Lindhout e Sarah Corbett, baseado na triste experiência de Amanda quando esta foi mantida como refém de um grupo radical islâmico. Sugerido pelo grupo ainda li A Garota no Trem, de Paula Hawkins, livro que foi muito comentado neste ano. Infelizmente por falta de tempo não acompanhei o grupo em várias outras leituras.

Por fim, ainda resenhamos outros livros que escolhemos por outros motivos:

1. Los Alamos – Martin Cruz Smith
3. Beleza Perdida – Amy Harmon
4. O Príncipe – Nicolau Maquiavel
5. O Enigma de Alexandre – Will Adams

As Postagens Especiais

Em outras oportunidades já comentei sobre as postagens especiais, uma seção do blog do qual me orgulho muito. Essas postagens são sempre direcionadas a abordar algum tema que tenha sido contemplado pelos livros resenhados no blog. São textos de caráter informativo e didático que podem ajudar nossos leitores a compreender melhor os contextos dos livros que lemos e resenhamos. Gosto muito destas postagens porque elas aprofundam meus conhecimentos, me inspiram e variam a temática do blog, inclusive alguns dos posts mais acessadas são Postagens Especiais.

Em 2016, a primeira Postagem Especial do ano foi Os13 Mandamentos do Bom Leitor, a lei magna que rege todas as nossas atividades. Ali estão nossos valores éticos enquanto blog. Mas, sem dúvidas, a minha favorita foi Conhecendo Barcelona pelos passos de A Sombra do Vento na qual, usando de recursos de tour virtual da Google e imagens em 360 graus, além de imagens estáticas, mostrei a vocês um pouquinho da Barcelona do livro de Zafón, A Sombra do Vento. Mas houve outras que listo abaixo:



Conclusão

Enfim, como vocês podem perceber este foi um ano bem movimentado no qual fizemos muitas coisas. Um ano difícil, mas cheio de coisas legais também. Esperamos que 2017 não seja apenas um ano novo, mas também um novo ano, com muitas realizações para nós e para vocês. Espero que estejamos juntos em 2017. Obrigado pela paciência, e abaixo deixo alguns rankings para vocês.

Atenciosamente,

Eric Silva

Rankings
Os melhores livros resenhados no ano de 2016.

As cinco melhores obras de ficção do ano
1. A Catedral do Mar – Ildefonso Falcones
2. A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón
3. O Andarilho das Sombras - Eduardo Kasse
4. Lágrimas na Chuva – Rosa Montero
5. O Enigma de Alexandre - Will Adams

Os quatro melhores livros estrangeiros
1. A Catedral do Mar – Ildefonso Falcones
2. A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón
3. Lágrimas na Chuva – Rosa Montero
4. O Enigma de Alexandre - Will Adams

Os quatro melhores livros nacionais
1. O Andarilho das Sombras - Eduardo Kasse
2. Império de Diamante – J. M. Beraldo
3. O Castelo das Águias – Ana Lúcia Merege
4. Mensageiros da Morte - Marcos de Sousa

Os quatro melhores livros espanhóis
1. A Catedral do Mar – Ildefonso Falcones
2. A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón
3. Lágrimas na Chuva – Rosa Montero
4. A Tábua de Flandres - Arturo Pérez-Reverte

O melhor HQ

O melhor livro de não-ficção
A Casa do Céu - Amanda Lindhout e Sarah Corbett

As quatro editoras mais lidas
1. Draco e Record
2. Companhia das Letras 
3. Edições Asa
4. Nova Fronteira

As dez postagens mais acessadas

1. Tonico - José Rezende - Resenha
3. A Tábua de Flandres - Arturo Pérez-Reverte - Resenha
4. A História da Escrita 2 - A Invenção da Escrita Cuneiforme - As Escritas Idiográficas
5. A Corrente da Vida - Walcy Carrasco Resenha
6. A Serra dos Dois Meninos - Aristides Fraga Lima
7. Conhecendo Barcelona pelos passos de A Sombra do Vento - Postagem Especial
8. A Última Grande Lição - Mitch Albom - Resenha
9. A Marca de uma Lágrima - Pedro Bandeira - Resenha
10. Um Gato entre os Pombos - Agatha Christie - Resenha

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

7ª Arte: La Lengua de las Mariposas – Resenha

Um filme baseado em três contos de Manuel Rivas

Por Eric Silva

“La lengua de la mariposa es una trompa enroscada como un muelle de reloj. Si hay una flor que la atrae, la desenrolla y la mete en el cáliz para chupar. Cuando lleváis el dedo humedecido a un tarro de azúcar, ¿a que sentís ya el dulce en la boca como si la yema fuese la punta de la lengua? Pues así es la lengua de la mariposa”.

(La Lengua de las Mariposas. In: Rivas, Manuel. ¿Qué me quieres, amor?)

A infância é um momento de descobertas. O período da vida em que um mundo cheio de mistérios se abre para nós. Mistérios que são revelados um após o outro de diferentes maneiras, através da escola, da observação dos adultos, do contato com os amigos e com a própria natureza. É o momento de experimentar os primeiros amores e as primeiras dores, de conhecer o significado da amizade e da perda. Uma viagem que nunca fazemos só.

Filme de José Luis Cuerda e baseado na obra de Manuel Rivas, La Lengua de las Mariposas narra a história de amizade e aprendizado entre o pequeno Mocho e seu professor Don Gregorio nos meses que antecedem a Guerra Civil Espanhola. Conta como aluno e mestre constroem uma relação de aprendizagem através da escuta e do estabelecimento de laços de respeito, admiração, cumplicidade e amizade, em uma época de grande instabilidade política e no qual os métodos de ensino ainda eram baseados na violência.

Resenha

Foi em abril desse ano que após fazer a leitura do livro A Sombra do Vento do espanhol Carlos Ruiz Zafón que decidi começar aqui no blog a campanha do #AnoDaEspanha. Hoje, oficialmente, vou encerrá-la para que ano que em 2017 possamos homenagear um novo país, uma nova literatura e um novo séquito de bons autores. E para finalizar aquela que para mim foi a campanha mais especial de 2016, escolhi fazer o segundo 7ª Arte com um filme espanhol especialíssimo que me emociona muito pela delicadeza com que trata o tema da infância e da educação, mas que infelizmente nunca vi em versão dublada para o português.

Moncho, interpretado por Manuel Lozano.
Dirigido pelo diretor, escritor e produtor de cinema espanhol José Luis Cuerda, La Lengua de las Mariposas (A Língua das Mariposas) é um drama que conta a história de como surgiu a amizade de Moncho (Manuel Lozano) com seu professor Don Gregorio (Fernando Fernán Gómez) e de como o menino superou seu medo da escola. O enredo se passa no ano de 1936, às vésperas da Guerra Civil Espanhola que mudaria os rumos da história do país e também dos personagens da trama. Desse modo o filme perfila a vida cotidiana de uma pequena comunidade galega, os posicionamentos políticos de alguns de seus moradores e os primeiros movimentos dos grupos nacionalistas de extrema direita contra os esquerdistas republicanos.

Personagem central da trama, Moncho era um menino esperto e muito ativo apesar de sua asma. Vivia com seus pais e o irmão em uma pequena vila rural da Galícia. O pai, Ramón (Gonzalo Martín Uriarte), era um alfaiate muito ligado a Frente Republicana Espanhola e durante o período em que esteve adoente ensinou o filho caçula a ler. A mãe, Rosa (Uxía Blanco), por sua vez, era uma dona de casa desvelada e bastante religiosa que vivia preocupada com o posicionamento político do marido. Enquanto que o irmão, Andrés (Alexis de los Santos), era um rapaz aprendiz de saxofonista e que mantinha uma boa relação com o irmão caçula.

Moncho e sua família reunidos durante a ceia
No ano de 1936, quando se desenrola a trama narrada pelo filme, o único medo de Moncho era ir para a escola, onde as crianças costumavam apanhar de seus professores. No primeiro dia de aula, quando foi chamado por seu novo professor, para que se apresentasse aos colegas de turma, o menino apreensivo e com medo urinou-se e fugiu para o bosque onde passou a noite escondido, deixando a todos preocupados. Contudo, Don Gregorio estava longe de ser o professor que Moncho e imaginava. Ao contrário era um senhor bonachão e um intelectual republicano em vias de se aposentar do ofício da docência. Por isso, preocupado com a atitude do novo aluno, Don Gregorio vai pessoalmente a casa da família para desculpar-se com o menino e tranquilizá-los, pois ao contrário dos demais docentes da época, o velho professor tratava seus alunos com complacência e buscava usar uma metodologia de ensino pautada no respeito, na não-violência e na formação de sujeitos livres. Assim, pouco a pouco, com sua inteligência e seu método de ensino, o velho professor vai conquistando a confiança e a atenção do pequeno que via um mundo novo desabrochar-se para ele.

É também em 1936, ora na companhia de seu amigo Roque, ora na de seu irmão, que Moncho vai descobrindo coisas do mundo dos adultos como a arte, o amor e o que é o sexo, através das histórias e do convívio com as pessoas da região, como Carmiña, uma garota que vivia isolada com sua mãe e seu cachorro Tarzan, mas que se encontrava às escondidas com um rapaz da vila. Encontros que furtivamente Moncho e Roque espiavam.

Uma das aulas ao ar livre do Don Gregorio (centro),
quando este fala da língua das mariposas (borboletas). 
Ao longo daquele ano, o pardal, como Moncho era chamado por su maestro, ao mesmo tempo que desfrutava a liberdade de sua infância, das brincadeiras e da escuta das aulas e palavras de seu professor, o menino vai acompanhando a vida dos moradores, os primeiros progressos da carreira de saxofonista do irmão e o aumento do fervor dos republicanos à medida que as notíciais dos embates políticos com os nacionalistas vinham de Madri. Contudo, 1936 não seria para Moncho apenas um momento de novas descobertas, seria também o ano em que conheceria a dor, o ódio e novos medos trazidos pelos prenúncios de tempos terríveis de guerra. Coisas complicadas e irracionais demais para que o menino pudesse compreender.

La Lengua de las Mariposas é uma história singela e tocante, uma narrativa contada a partir de pequenas cenas do cotidiano que nos vão falando de seus personagens, dos ideais, do medo e da luta pela sobrevivência. Um calidoscópio da vida, da infância, do amor, da política e da educação do início do século XX na Espanha, às vésperas do conflito que marcaria a vida, a literatura e o cinema espanhol até os dias atuais. Um enredo que foi composto por Cuerda a partir de três contos distintos do livro ¿Qué me quieres, amor?, obra do também espanhol Manuel Rivas e que infelizmente, até onde consegui pesquisar, não possui tradução para a língua portuguesa.

Com grande sensibilidade criativa o diretor costurou entrono do enredo do conto principal, que dá nome ao filme, as histórias de outros dois contos: Un saxo en la niebla e Carmiña. Para tanto o diretor espanhol vai ligando os personagens dos diferentes contos e associando-os através da figura de Moncho e de sua família, que originalmente eram personagens apenas de La Lengua de las Mariposas.

Não tenho prática com o espanhol, mas depois de dar uma olhada nos três contos consegui separá-los e entender algumas conexões realizadas pelo diretor do filme. Percebi inclusive que somente um telespectador muito atencioso, ou aquele que já tem conhecimento dos três contos de Rivas, atenta para o fato de que duas outras histórias correm paralelas ao enredo principal, isso porque o cineasta utiliza-se de vários personagens de uma e de outra história em um emaranhado que vai desde as associações familiares inexistentes na obra original a colocar um personagem em lugar de outro. Este último é o caso de Andrés que toma emprestado para si o papel do saxofonista de Un saxo en la niebla e, em uma viagem com a banda da Orquestra Azul, se apaixona por uma bela garota de traços orientais, mas que era casada com um homem bem mais velho.

O contexto histórico é um dos pontos altos da história, e peça fundamental de seu desfecho. Porém os atritos políticos entre os dois grupos políticos da época (nacionalistas e republicanos) é desnudado muito aos poucos, primeiro de uma forma discreta, aqui e ali, sugerido em um comentário, no título de um livro, em um cartaz pendurado na parede, nas convicções do professor. Mas a medida que a história segue seu curso o tema vai ganhando espaço e contorno, numa discussão no bar, em uma festa do partido e, sobretudo, no desfecho surpreendente e inesperado. Todavia tenho segurança para dizer que os temas infância e educação possuem mesmo ou maior peso na narrativa e povoa toda a extensão da história.

O cenário campestre é muito presente ao longo de todo o filme

Os cenários para mim foram os mais fabulosos porque exploraram a simplicidade do que é rústico e campestre, a história de construções austeras de um lugar de existência secular e a natureza dos bosques e das borboletas do norte da Península Ibérica. Cenários que falavam de seus personagens e de seus estilos de vida. Mas uma de minhas partes prediletas são as fotos de campesinos e citadinos da época que são mostradas logo no início da película. Nesse momento do filme a música de fundo me lembra a nostalgia de um passado que vai ficando longínquo, cada vez mais perdido no tempo, como se dissesse de um tempo em que fomos felizes, mas as circunstâncias fizeram com que se desse lugar a outro tempo diferente e melancólico.

A imagem antiga de crianças campesinas é uma das fotografias que iniciam a película.

Por fim, o desfecho da história é o momento mais comovente e o maior dos clímax da história, capaz de revoltar e dividir a opinião dos espectadores diante de algumas das atitudes tomadas por alguns personagens. Inclusive, a cena mais inquietante e comovente é a última fala do ator Manuel Lozano que interpreta Moncho, e que parece deixar uma mensagem cifrada e aberta a interpretação de quem assiste. Um filme até o fim delicado, profundo em sua simplicidade e sublime em sua mensagem.

La Lengua de las Mariposas entrou em cartaz pela primeira vez no ano de 1999, na Espanha. A película é uma produção dos estúdios do Canal+ España em parceria com Las Producciones del Escorpión, Sociedad General de Televisión (Sogetel), Televisión Española (TVE) e Televisión de Galicia (TVG) S.A. Tem duração de 96 minutos.

Abaixo você pode conferir o trailer do filme em sua versão dublada para o inglês (Butterfly):

Trailer





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sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Ano da Espanha no Conhecer Tudo


Olá, caros leitores. 

Viemos hoje para falar de uma novidade aqui no blog. 

Estamos tão encantados com A Sombra do Vento, livro do autor espanhol Carlos Ruiz Zafón, e com a cidade de Barcelona, que tivemos o prazer de conhecer através de sua narrativa, que resolvemos dedicar o resto deste ano – que já caminha para sua metade – à literatura espanhola. 2016 será o ano da Espanha aqui no blog. 

Isso, porém, não significa que iremos nos dedicar exclusivamente a literatura deste país, mas que daremos maior destaque a mesma. Progressivamente, vamos escolhendo algumas obras de escritores espanhóis traduzidas para o nosso idioma e dividiremos com vocês o resultado de nossas leituras. Assim, conheceremos juntos um pouco da literatura deste país que vem nos encantando. 

Por isso, para começarmos, pedimos aos leitores que sugiram nos comentários algumas obras para o nosso itinerário por terras páginas espanholas.

Atte.,

Conhecer Tudo,
2016 – Ano da Espanha

Livros do nosso itinerário que já foram resenhados até agora:

#1 - Resenha de A Sombra do Vento - Carlos Ruiz Zafón
#2 - Resenha de Antologia Poética – Federico García Lorca 
#3 - Resenha de A Tábua de Flandres - Arturo Pérez-Reverte
#4 - Resenha de Lágrimas na Chuva - Rosa Montero
#5 - Resenha de Soldados de Salamina - Javier Cercas
#6 - Resenha de Marcelino, Pão e Vinho - José María Sánchez-Silva
#7 - Resenha de A Catedral do Mar - Ildefonso Falcones

Filmes do nosso itinerário:

#1 - Resenha de O Labirinto do Fauno
#2 - Comentários sobre o filme Volver
#3 Resenha de La Lengua de las Mariposas

Postagens Especiais do nosso itinerário:
#1 -  Conhecendo Barcelona pelos passos de A Sombra do Vento
#2 - Federico García Lorca: dois poemas selecionados - bilíngue
#3 - Os Autores que estamos lendo
#4 - Quem eram os bastaixos do livro A Catedral do Mar?
#5 - Trilha sonora dos livros A Sombra do Vento e A Catedral do Mar 
#6 - A Guerra Civil Espanhola e a Campanha do #AnoDaEspanha 

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